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Aramis

Passaporte para o Céu, o paraíso gastronômico

"Além da Terra, além do Infinito eu procurava em vão o Céu e o Inferno. Mas uma voz me disse: O Céu e o Inferno estão em ti mesmo". (Omar Khayan, "Rubayat"). Depois de "Ghost - O Outro Lado da Vida", ter completado um ano de exibição, chega outra romântica, suave e comunicativa especulação em torno daquela pergunta que desde que o mundo é mundo desafia o homem: - "O que há depois da morte, afinal?". "Um Visto para o Céu" (Cine Bristol, 5 sessões) retoma uma linha de cinema-entretenimento que não deixa de ser uma proposta psicológica: o outro lado da vida - seja ele qual for - não pode ser pior do que este que conhecemos. E ainda mais no final deste milênio, com o planeta poluído, a fome, a miséria, a violência em escalada, o escapismo que tanto uma produção modesta como "Ghost", como uma realização mais ambiciosa como "Defending your Life" tem condições de atingir amplas faixas de público capazes de repovoar as cada vez mais esvaziadas salas de exibição. Isto porque oferecem além de uma imagem suave e calma do imenso mistério da morte - longe dos horrores de infernos escaldantes e torturantes às pecadoras almas - uma resposta que, especialmente neste "Um Visto para o Céu" aproxima-se das próprias teorias do codificador do Espiritismo, o francês Allan Kardec (Leon Hyppolyte Denizard Rivail, Lyon, 1804 - Paris, 1869). Aliás, é incrível que até hoje, mesmo considerando a influência que a doutrina a qual Kardec se dedicou a partir de 1855 - não tenha merecido um filme biográfico, a exemplo daqueles que, entre outros, William Dieterle (1893-1972) dedicou a figuras como Louis Pasteur, Emile Zola, Juarez, Dr. Erlich, etc. Longe, porém, de qualquer posição doutrinária, Albert Brooks - um ator-diretor-roteirista que há quatro anos mereceu uma indicação ao Oscar de melhor coadjuvante por "Nos Bastidores na Notícia" (*) e cujos filmes como diretor até agora passaram relativamente desapercebidos - tenta neste "Um Visto para o Céu" reeditar aquele clima de idealismo, boa vontade e esperança que os mestres Ernest Lubtsch (1892-1947) e Frank Capra (1897-1991) conseguiram em comédias clássicas como "O Diabo Disse Não" (Heaven can Wait, 1943) e "A Felicidade não se Compra" (It's a Wonderful Life, 1946), respectivamente. Ou seja, a morte tratada com suavidade, ternura e sobretudo esperança, numa linha de filmes que, posteriormente, viriam a ter outros exemplos - inclusive uma revisitação de peça de Lazlo Bush Fekete ("Birthday"), que Lubitsch filmou há 48 anos e que Warren Beatty, aos 41 anos, em sua estréia como diretor, também refilmou, mantendo no Brasil então o correto título original - "O Céu Pode Esperar" (**). Portanto, a quem acompanha o cinema, o roteiro deste "Defending your Life" pode parecer apenas um "deja vu" em fantasia onírica de uma questão que mesmo aos mais empertigados (ditos) materialistas, não deixa de justificar, em certos momentos, reflexões mais (ou menos) preocupantes: o que há após a morte? Segundo algumas publicações americanas, Albert Brooks teria buscado informações junto a pessoas que tiveram mortes clínicas, mas voltando à vida, em depoimentos impressionantes, ofereceram motivação para um documentário que tratou da questão com pretensa seriedade. Desta visão, em dar a um tema difícil uma leitura amena, Brooks desenvolveu um filme "soft" e "clean" - numa ilusão capaz de fazer (ao menos) o primeiro estágio da morte parecer um paraíso, com hotéis de cinco estrelas, paisagem de extrema suavidade e, especialmente, um éden gastronômico - no qual, livre de calorias, restrições médicas e até de custos, todos podem comer - e beber - o que - e quanto - desejarem. Além disto, há vida noturna, música suave e, como no caso do personagem Daniel Miller (Brooks), 30 anos, um executivo da propaganda que no dia de seu aniversário, ao sair da loja com o recém adquirido BMW conversível encontra a morte numa colisão com um ônibus - há até a felicidade de se deparar com uma mulher de extremo fascínio - Júlia (Meryl Streep), para uma "love story" em outra dimensão. Numa tríplice presença - como roteirista, diretor e intérprete central, Albert Brooks poderia, escorregar e forçar a mão numa estória que exige extremo cuidado. Entretanto, mesmo não sendo um Woody Allen - longe disto - consegue equilibrar-se num filme que oferece alguns ótimos momentos de humor - como o da visita ao "Pavilhão das Vidas Passadas", onde é nada mais, nada menos, que a própria Shirley McLaine - hoje muito mais a preocupada parapsicóloga e autora de livros na linha "Minhas Vidas Anteriores", do que a comediante (e também notável atriz dramática dos anos 60) - que aparece como "hostess". Esta seqüência - que dentro do roteiro se constitui num ótimo momento - poderia ter sido alongada, com outras piadas - mas, prudentemente, Brooks deixou apenas a intenção de um humor sobre um assunto que, dentro da doutrina Kardecista, tem o seu aspecto de seriedade. A cenografia é requintada, com um excelente aproveitamento de uma fotografia "clean" de Allen Daviau mas é na trilha sonora de Michael Gore que está um dos encantos do filme. Da música de abertura ("Something's Coming", Leonard Bernstein / Stephen Sondheim), de "West Side Story", na voz de Barbra Streisand - com duas outras citações ("That's Life", de Dean Kay / Kelly Gordon; "Misty", Errol Garner), a sound track tem uma marcação muito forte - como uma homenagem indireta especialmente a Bernstein, falecido há poucos meses. Meryl Streep, dois Oscars, seis indicações, numa linha de comediante (após ter revelado este charme em "Ela É o Diabo / She's the Devil") e num intermezzo entre tantos personagens dramáticos, compõe uma fascinante personagem - num elenco em que brilha também Lee Grant, como a promotora Lena Foster - a quem cabe a acusação para julgar se Miller merece a penalização de retornar a Terra - ou ganhar uma evolução à outra dimensão. Rip Torn, ator pouco conhecido no Brasil, apesar de uma longa carreira no teatro e 40 filmes, também está esplêndido como Bob Diamond, o simpático advogado de defesa de Miller, em seu julgamento celestial. Buck Henry (Dick Stanley), outro expressivo ator que é mais famoso na TV americana, sente-se à vontade, afinal, há 13 anos foi indicado ao Oscar de melhor diretor por "O Céu Pode Esperar" (em parceria com Beatty), no qual o tema era semelhante. Não ganhou o Céu da Academia, mas voltou a insistir em nele viver ao menos no mundo da fantasia cinematográfica. Notas (*) Vindo da Televisão - onde participou do consagrado "Saturday Night Live", Albert Brooks começou como roteirista em 1979, fez filmes como ator ("Recruta Benjamin" e "Infielmente Tua", de Howard Zieff) e estreou como diretor em "Real Life". No último sábado, a Rede Globo apresentou um de seus filmes inéditos no circuito comercial, "Perdidos na América". (**) "O Céu Pode Esperar", concorreu ao Oscar de melhor filme-78, perdendo para "O Franco Atirador" (Michael Cimino). Disputou também as categorias de direção, ator, coadjuvante e atriz coadjuvante, entre outras.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
13/11/1991

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