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Aramis

Paula prova que o Fado é brasileiro

O Fado, ensina o mestre Luiz da Camara Cascudo ("Dicionário do Folclore Brasileiro" volume I, página 363, edição INL/MEC, 1972), é uma canção popular portuguesa, especialmente cantada em Lisboa e Coimbra, de origem brasileira, vinda do Lundu, já divulgada entre o povo, quando a corte portuguesa se estabeleceu no Brasil, em 1808. No romance "Memórias de um Sargento de Milícias", Manuel Antonio de Almeida, embora em 1854/55, evoca o Rio de Janeiro no tempo de Dom João, príncipe e regente e depois (1815), primeiro e último rei do Brasil. Descrevendo uma festa de batizado, urgem legitimamente português, o desafio, a dança brasileira, o fado. "Já se sabe que houve nesse dia de função; os convidados da comadre que eram todos da terra, dançaram o fado" (descrição de Mário de Andrade, em "Música Doce Música", São Paulo, 1934). E assim legitima a afirmação de que o Fado é uma música de origens brasileiras, embora os lusitanos praticamente tenham se apropriado dela, a partir de 1840 e transformando na [música] nacional de Portugal. Sem pretensões de discutir paternidade, [mas] apenas para provar que os brasileiros continuam a compor bonitos fados o publicitário Marcus Pereira, ao lançar o primeiro suplemento regular de sua nova (e excelente) etiqueta, incluiu ao lado da coleção "Música Popular do Centro-Oeste/Sudoeste" e lps de Cartola e Osvaldinho da [Cuíca], o bonito disco "Fados Brasileiros", onde "com o magnífico som Eldorado e na voz de Paula Ribas, servimos uma dúzia de fados a moda dos [trópicos], assinados por Vinicius de Morais, Chico Alves e outros importantes nomes da música popular brasileira em várias gerações", como diz o diretor artístico de gravação, Aluízio Falcão. E Falcão ainda que saliente ser bem nítida a influência portuguesa no som brasileiro, "verdade que, hoje, em nossa [música] popular urbana, predomina a [influência] negra. O Samba, de origem africana, depois de muito tempo confinado em áreas rurais urbanizou-se definitivamente a partir dos anos quinze;. Mas, em princípios do [século], quase ninguém sambava no Brasil urbano. A modilha, com alguns retoques de aculturação, era, naquele tempo, nossa [música] de consumo. Os paquetes, em quinze dias de mar, traziam da Corte até nós algumas partituras de piano que logo se transformavam em sucesso. E não se ouvia outro som nos teatros, nas serenatas, nos saraus de família". Assim, Aluízio Falcão indaga: - Por que os paquetes não trouxeram partituras de fados, junto com as modilhas? Ele mesmo tenta uma explicação: - Talvez porque os Fados fossem em Portugal, tal como o samba entre nós, um [gênero] "underground", cafajeste, coisas de mandriões. Eça de Queiroz, escritor elegante comentava: "Roma fez o Direito. Paris fez a Revolução. Lisboa que criou? O Fado" Mesmo como já vimos as suas origens são do Brasil. A tese é de que o fado de origem brasileira embarcou para Portugal na memória dos brasileiros enriquecidos e dos portugueses pobres, "banzou pelos [bordéis] e pelos botequins de beira-rio, fixou-se na mala-vita de Lisboa e, para o nosso bem, acabou se nacionalizando [português]". Hoje, em dia a [música] mais representativa de Portugal entre [nós], o Fado mostra toda sua beleza na criação de poetas e [músicos] brasileiros. Recolhendo desde os trabalhos mais antigos - como o "Barco Negro", que o sambista Caco Velho (1920-1971, nome verdadeiro: Matheus Leme) [compôs] em parceria com Piratini, até o mais recente exemplo - o belíssimo "Fado Tropical" que Chico Buarque e Rui Guerra criaram para a peça "Calabar", a fadista portuguesa Paula Ribas mostra ao longo das 12 faixas deste bonito lp de Marcus Pereira "que os brasileiros não descendem somente dos barões assinalados. Nós descendemos também de muita honra, daqueles rapazes plebeus, mulherengos, cheios de sentimento, que em noites remotas, nos tombadilhos dos paquetes, gemiam canções malditas em louvor de amores idens, deixando na mourarias desta vida". Assim é que o disco abre com "Saudades do Brasil em Portugal", que Vinicius de Moraes poetou e que Homem Cristo soube musicar. Com letras da poetisa Cecília Meireles (1906-1963), temos "As Mãos que Trago" e "Naufrágio", ambas musicadas por Alain Oulman. Outro poeta, o pernambucano Carlos Pena Filho, oferece as palavras de "A Solidão e Sua Porta" (musicada por Luis N'Gambi) e "As [Dádivas]" (em que o jovem sambista Eduardo Gudin colocou a [música]). O grande Chico Alves (1989-1952) também fez (em parceria com Luiz Iglésias) em Fado: "Saudade Esperança". Menos conhecidos - mas igualmente bonitos - são os fados de Marcos Calazans/Cau Pimentel ("Calvário"), Walter Marques ("Tremendos Enganos"), enquanto que os "Os Argonautos" de Caetano Veloso e "Francisca Santos das Flores" (Dorival Caimmy) são exemplos recentes de que o Fado não morreu na alma dos brasileiros. Um bonito lp este "Fados Brasileiros", para portugueses e brasileiros de todas as atitudes e sentimentos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal do Espetáculo
16
12/07/1974

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