Pelão faz mais um belo LP-documento
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 08 de fevereiro de 1986
A MPB deve muito a Pelão - João Carlos Botezelli, um dos maiores defensores de nosso patrimônio musical. Produtor de lps históricos como os de Cartola, Adoniram Barbosa e a série "História das Escolas de Samba do Rio de Janeiro", Pelão foi um dos talentos que ajudou a Marcos Pereira (1930-1980) a formar um catálogo marcante. Por todos os lugares em que tem passado - gravadoras, rádios, estações de televisão etc., Pelão deixa a marca de seu talento, de sua brasilidade, sempre corajoso na defesa de nossa melhor música popular. Em 1984, a convite da Elebra, empresa de informática de São Paulo, produziu um precioso disco-documento: "Memória", com fonogramas de clássicos da MPB antecedidos de depoimentos dos autores, intérpretes ou mesmo pessoas relacionadasà criação de cada uma das músicas selecionadas. O resultado foi tão positivo que a Elebra, em boa hora, decidiu dar continuidade ao projeto e assim distribuir como brinde no final de 1985 uma nova produção de Pelão. Desta vez, a seleção ainda foi mais eclética, com momentos maiores da MPB: "Travessia" (Milton Nascimento/ Fernando Brandt, 1966), na voz do Bituca e antecedido de um depoimento de Fernando Brandt, abre o disco. O paranaense Paulo Soledade (Paranaguá, 29/6/1919) conta como nasceu sua marcha-de-rancho mais famosa - "Estão Voltando as Flores", que se ouve nas vozes de Helena de Lima e Miltinho, da histórica gravação feita a 30/7/1961; "Disparada" (1966), de Geraldo Vandré e Theo de Barros, é explicada por Theo e a gravação escolhida foi do Zimbo Trio e o próprio Theo. Fernando Lobo lembra o nascimento de "Ninguém me Ama" (1952), interpretado por Nora Ney (Iracema de Souza Ferreira), parceria com Antonio Maria (Araújo de Morais, 1921-1964).
Paulinho Nogueira, ao violão, interpreta "Máscara Negra" (Zé Ketti, 1967); Toquinho fala de "Para Viver um Grande Amor", uma de suas melhores parcerias com Vinicius de Moraes; Luís Bonfá recorda a época em que compôs "Manhã de Carnaval" (1959), internacionalizada na voz de Agostinho dos Santos, através do filme "Orfeu Negro"; João de Barros conta do nascimento de "Copacabana" (1946), parceria com Alberto Ribeiro (1902-1971), que se ouve com Dick Farney; Osvaldo Guilherme, parceiro de Denis Brean (Augusto Duarte Ribeiro, 1917-1969) fala de "Franqueza", um dos primeiros sucessos de Maysa Monjardim Matarazzo; Chico Buarque rememora a época em que compôs "A Banda" (1966), que se ouve em sua própria interpretação, de uma gravação feita em 31 de agosto de 1966 e, finalmente, o crítico Zuza Homem de Mello, que acompanhou a fase de ouro dos festivais da Record, lembra a injustiça sofrida por Johnny Alf em 1966, quando sua obra-prima "Eu e a Brisa", defendida por Márcia, foi preterida no festival de 1967 - mas que se tornaria, posteriormente, um clássico da MPB. Na gravação escolhida por Pelão, "Eu e a Brisa" é interpretada por Maria Creusa.
Um disco-documento fantástico pelos depoimentos reunidos e qualidades do repertório, utilizando fonogramas da Som Livre e RGE, este "Memória 2", mereceria uma edição comercial. E, esperamos, a Elebra continue a investir em projetos culturais desta dimensão, confiados a gente da competência do grande e admirável Pelão.
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