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Aramis

A poesia de João Cabral

Poeta maior - entre os cinco grandes da literatura brasileira - João Cabral de Melo Neto lançou um novo livro - "Auto do Frade" (Livraria José Olimpio Editora, 90 páginas), enquanto "Morte e Vida Severina", em 19 anos, chega agora em sua 20a edição - também lançada pela José Olympio. Como diz a própria editora, à primeira vista (mas só a primeira vista), a poesia de João Cabral de Melo Neto é "espantosamente simples". Em frases curtas de termos coloquiais, o poeta nos induz a uma primeira conclusão, para ali, com cuidado, levar-nos a outro novo conceito, a sucessivos novos raciocínios, de onde também por sua vez, e de novo, cautelosamente, somos conduzidos a novas idéias, para acabar descobrindo que, idéias e raciocínios, junto com sentimentos e sensações, todos, estiveram sempre latentes em nossa emoção desde a primeira frase do poema. Esse partir junto com o poeta para novas idéias e sensações é, em João Cabral, repetido de modo assombroso, conduzindo-nos sempre ao deslumbramento da reinvenção do dia a dia. Reinvenção que nos leva a compreender que nunca percebemos até que ponto a realidade do dia a dia (a vida e a morte dentro da vida), são a essência do lirismo. Mas João Cabral não é apenas o poeta da luz nossa de cada dia. Usando essa luminosidade "intestina", o poeta denuncia injustiças sociais e começo importante para diminuir desigualdades humanas - revela a grandeza insuspeitada dos humildes e esquecido. "Morte e Vida Severina", que leva o subtítulo de "E Outros Poemas em Voz Alta", divide-se em quatro partes: "Bailes", poemas para serem lidos a mais de uma voz; os poemas "Dois Parlamentos", "Morte e Vida Severina" um auto de Natal pernambucano e "O Rio", um monólogo.Chico Buarque de Holanda e transformou-se num especial de televisão de grande sensibilidade e beleza. O tema aos poemas deste livro de João Cabral de Melo Neto (145 páginas, capa de Carybe, Cr$ 5.700,00) é o Nordeste Brasileiro, sua gente, sua paisagem geográfica e humana. O livro insere-se na fase em que os poemas de JCML são considerados como dos escritos de conteúdo social mais importantes da literatura brasileira. xxx Ao mesmo tempo que reedita "Morte e Vida Severina" - e mantém em catálogo seus outros livros ("Poesias Completas", "Antologia Poética", "Museu de Tudo", a antologia "Poesia Crítica"), a José Olympio lançou uma nova obra do autor pernambucano: "Auto do Frade". Sobre esta nova obra, ninguém melhor do que o crítico e escritor Edilberto Coutinho (que passou parte de sua adolescência em Curitiba) para acentuar o significado do tema. "Há não poucos anos, Cabral descobriu Frei Caneca. E o drama de Joaquim do Amor Divino germinou na sua reflexão. Agora recria - (no esplêndido texto em 87 páginas) a figura modelar do líder da denominada Confederação do Equador e autor intelectual da revolução republicana (Morto em 1825, no Recife, por ordem da Corte, por ele "ofendida"). Este Auto do Frade (atenção, cineastas a procura de grandes temas brasileiros) e entre outras coisas, um perfeito cinema de palavras. Roteiro rezando para ser filmado. Tal o poder visual, plástico e empático das imagens agudamente perdurantes criadas por João Cabral. A gente não somente lê, mas verdadeiramente vê o suplício de Frei Caneca e, por extensão, do povo nordestino (tema de sempre do autor) mais renegado. Cabral nos conduz a intimidade do último dia de vida de Joaquim do Amor Divino, quando o frade rebelde acorda numa cela toda pintada de preto (prenúncio da morte). Depois, o Caneca caminha com uma corda (nela deverá ser enforcado) pelas ruas de Recife. Pois era o enforcamento a "a pena habitual para assassinos e bandidos", enquanto o fuzilamento constituía execução "digna do militar, mesmo insubmisso". "O Imperador dos brasileiros que "os escritores admiravam" (sic) - tardou, mas o indulto veio: "Não puderam não conceder-lhe/Essa honra de ser fuzilado". E assim, o incômodo do Amor Divino acaba sendo "promovido" na hora final. Joaquim do Amor Divino não era padre só de rezar missa. Queria dar norte (nortear) ao seu povo do Norte. Dar comida, fé e esperança. E o Pão da liberdade. Seu crime. Sob a luz cegante e sobre as pedras sepulcrais do Recife, o Caneca caminha. Vai morrer? Mas não está morto. Calmo, sereno, vai adiante: "lavado e leve", como convém. Crê no mundo, apesar de tudo. "Sabe que não o consertará" (os escritores também não?) mas outros, depois dele poderão ter as consciências despertadas. E acredita que um mundo melhor advirá. Seu sonho. Também o poeta João Cabral de Melo acredita. Apesar de tudo".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
26
30/12/1984

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