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Pórcia, uma educadora do Paraná (o segredo da eterna juventude)

Se quisesse, a psicóloga Pórcia Guimarães Alves, 72 anos, poderia engordar sua conta bancária com os direitos autorais de um livro tipo "como envelhecer com humor" ou "mantendo a juventude mesmo com a idade". Afinal, poucas pessoas têm, como ela, tanta jovialidade, entusiasmo e gosto pela vida, num permanente otimismo e disposição. Acaba de retornar de uma nova e longa viagem ao Exterior - pela terceira vez esteve em Hong Kong e Bali e já faz planos para novos roteiros em 1991. Só parou algumas semanas por um motivo muito especial: há um mês, recebeu o título de cidadã emérita de Curitiba, em justa proposta da vereadora Nely Almeida. Sempre segura e tranqüila, a homenagem a emocionou e ela teve que recorrer ao marido da vereadora, o médico Félix do Rego Almeida, para lhe receitar um calmante. - "Acho que fiquei um tanto dopada, mas a emoção se controlou" - comentava no dia seguinte, ao gravar um belíssimo depoimento para o projeto Memória Histórica do Paraná / Bamerindus. xxx Embora não assuma posições de pioneira, um fato é notório: Pórcia é a primeira psicóloga do Paraná, precursora em desenvolver uma educação moderna, com padrões avançados para a época - anos 50 - o que a fez merecer não só a admiração, mas a amizade de educadores como Anísio Teixeira, que ao assumir o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, lhe deu condições de desenvolver no Centro Educacional Guaíra, da qual foi fundadora e diretora, por mais de dez anos, um estabelecimento modelo, merecendo citações de técnicos da Unesco e servindo de exemplo a vários outros centros educacionais do Brasil e Exterior. Mulher independente, com amizades que incluíam desde os ex-presidentes Eurico Gaspar Dutra e Washington Luiz a sociólogos como Fernando Henrique Cardoso ("antes de entrar na política") e Gilberto Freyre, recebida sempre por todas as autoridades, Pórcia sempre conservou a simplicidade e a dignidade de quem sabe valorizar o espaço e a individualidade de cada um. Nacarina, isto é, bisneta do Visconde de Nacar - (Manoel Antônio Guimarães, 1813-1891), nascida em Curitiba mas com raízes familiares em Paranaguá e Antonina - de onde veio a família de seu pai - Orestes Augusto Alves - Pórcia começou a trabalhar ainda jovem. Nem bem havia concluído seu curso de normalista, já era uma professora que buscava formas avançadas para despertar a criatividade dos alunos do Colégio 19 de Dezembro, como a confecção de grandes balões. - "Era uma beleza os balões que fazíamos. Até hoje não me conformo com as noites de inverno sem os balões curitibanos". Aluna da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras - por onde se formaria em 1940, passou a lecionar no Colégio Novo Ateneu e logo depois no Colégio Nossa Senhora de Sion, convidada a ensinar psicologia. Interessadíssima em problemas do ensino, desenvolveria um esplêndido trabalho no Centro de Estudos e Pesquisas na Educação e, em 1952, em Estocolmo, participando de um congresso internacional de educadores conheceu o lendário Jean Piaget, que se entusiasmou pelas idéias da jovem professora brasileira, convidando-a a permanecer na Suíça. No Brasil, o educador Lourenço Filho se entusiasmou também com suas idéias e juntos desenvolveram alguns trabalhos, inclusive na comissão que, no Rio de Janeiro, elaborou o curriculum para a implantação dos cursos de psicologia. Até hoje, não se justifica porque ao ser criado o curso de psicologia da UFPR, Pórcia não tenha sido convidada para nele lecionar - já que era uma das pessoas mais preparadas para ocupar várias cadeiras. Professora com larga experiência - foi também fundadora da Escola Mercedes Stresser - e lecionou no Senai numa certa época - Pórcia foi requisitada por três secretários de Educação - Loureiro Fernandes, Pamphilo Assunção e Newton Carneiro para assessorá-los na área pedagógica. Considera, entretanto, sua experiência na direção do Centro Educacional Guaíra como um dos pontos altos de sua carreira. - "Ali pude realizar na prática o que sempre sonhei. Desde a mudança do designer - palavra que nem existia na época - dos móveis das salas de aula, decoração, até a forma de relacionamento entre alunos, mestres e pais. Os resultados foram excelentes e o índice de aproveitamento era ótimo. Posso dizer, com orgulho, que tínhamos uma escola pública superior à privada. Hoje, infelizmente, a situação inverteu-se" (No Centro Educacional Guaíra criou a primeira clínica psicológica do Estado e a primeira classe especial para subdotados). Anos depois, numa iniciativa particular, Pórcia criou o Instituto Decroly, no qual também introduziu novidades: ao lado de classes para alunos subdotados, também as turmas de superdotados - "não gostava da expressão "minigênios", mas eram crianças com inteligência superior, que não podiam se adaptar em turmas normais". Outra experiência que lhe valeu reconhecimento internacional. Aposentada na Universidade Federal do Paraná - na qual esteve por 33 anos e também na Secretaria da Educação - Pórcia mantém-se ativa. Atualizada, lê dois a três jornais por dia, e devoradora que sempre foi de livros, não passa uma semana sem "consumir" um novo título. Detesta best-sellers, preferindo escritores de nível como Clarice Lispector e do prólogo de Eduardo Portela em "A Hora da Estrela", lembra uma frase que adotou como lição de vida e que enseja muitas reflexões: - "Somos o que nos falta". Para Pórcia, que sempre viveu nos melhores ambientes mas sempre se voltou ao ensino e aos humildes - a convivência com as pessoas do poder - mas para ela, sempre amigos - fosse o marechal Dutra ou o governador Munhoz da Rocha - e que conheceu em suas viagens, intelectuais da dimensão de Piaget, Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre, a vida é um constante aprendizado. Mulher independente, nunca se considerou feminista e algumas de suas idéias, inclusive, irritariam a s xiitas do feminismo. - "A mulher é orientada sempre pelo emocional. Assim, o erro é querer disputar espaços com o homem, perdendo a feminilidade e o amor". Atualmente, Pórcia trabalha num livro de crônicas de viagens, "nada de assuntos comuns, apenas páginas alegres", para o qual já tem o título - "O Trem para Xangai Apitou" - e 50 páginas manuscritas. Seus (muitos) amigos - aos quais constantemente recebe em seu apartamento, decorado com obras de arte e móveis clássicos, herança da família - insistem que ela escreva suas memórias, pois muito teria que dizer. Repetindo Clemenceau, diz: - "A vida é para ser vivida, não para ser contada". Além do mais, acrescenta, o título que a poderia motivar a uma "quase biografia" - "assim como Magdalena Tagliaferro ao fazer o seu "Quase Tudo" - já foi usado por Picasso: "Confesso que Vivi". Mas que não seja por isto! Sua maior amiga, Maria Francisca Maeder Velloso, chefe do Cerimonial do Palácio Iguaçu, lhe fez uma sugestão: - "Então intitule o livro de "Confesso que Vivi... Quase Tudo". Pórcia está pensando na idéia. xxx Para seu livro de crônicas de viagens, já escolheu a epígrafe: do poeta português Raul Carvalho, pinçou a frase "Se Deus quiser hei de morrer com tudo feito e por fazer".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
04/01/1991

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