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Aramis

"Qualquer Coisa" sobre as músicas "Jóia" de Caetano

Há três semanas, preparando um especial sobre Caetano Veloso ("Domingo sem Futebol", Rádio Ouro Verde, 27/7/75), sentimos que a obra do irrequieto baiano já comporta, tranqüilamente, um ensaio - para não dizer uma tese de nível universitário. Aliás há dois anos, o bom amigo Affonso Romano Sant'Anna, diretor do Departamento de Letras e Artes da Pontifícia Universidade Católica, no Rio de Janeiro, dedicou um ensaio de página inteira do Caderno B, do "Jornal do Brasil", à "Araça Azul", dando ao ouvinte um roteiro para a compreensão do mais hermético (e maldito) elepê de Caetano Veloso - mas também o mais inquietante momento de sua carreira. Como diz o amigo, parceiro e companheiro de geração de Cae, Gilberto Gil, é preciso desprezar o perfeito e aperfeiçoar o imperfeito ("Meio de Campo", 1973). Partindo dessa premissa é possível entender, admirar e respeitar as proposições de Caetano (como de Gil), sempre alternando seu talento (real) com encenações capazes de provocarem noticiário extra-artístico (os roupões, o batom no passado; agora a capa proibida deste "Jóia"). Mas é necessário saber/ouvir Caetano, como um artista/criador inquieto, sempre em busca de novas propostas. Caetano nunca aceitou ficar com o que conquistou junto ao público e sempre deu aos seus consumidores, propostas novas, inquietantes, difíceis ou herméticas como no vanguardista "Araça Azul". Depois de uma presença discreta no lp "Temporada de Verão" (faixas: "De noite na cama", "O Conteúdo" e "Felicidade"). Caetano levou mais de um ano para oferecer um novo trabalho. O que surgiu há poucas semanas, numa proposta menos vanguardista de "Araça Azul", mas igualmente inquietante. Preferindo distribuir sua vasta produção em dois elepês isolados ("Qualquer Coisa", Philips 6349142/Jóia, Philips 6349132, julho/75), ao invés de um caro álbum duplo - e ampliando assim a possibilidade de opção de seu público, basicamente de uma faixa jovem, mas que hoje já começa a se ampliar. Qualquer uma das novas músicas incluídas nestes dois elepês, justifica uma análise a parte, detalhada - como Affonso Romano Sant'Anna, há dois anos, fêde "Araça Azul". Isso porque as propostas de Caetano não se esgotam numa música, numa harmonia. Da fusão concretista de violão-vocal, num longo "seat" (canto sem letra), como em "Guá" (faixa 2 do lado 1, "Jóia", parceria com Perinho Albuquerque) ao longo de 3:13', a uma batucada carioca num samba de nordestinos ("Na As do Vento", de Luiz Vieira-João do Vale) (faixa 6/lado2, "Jóia), tudo em Caetano extrapola a obra acabada. "Escapulário", por exemplo, marca, uma nova parceria, com Oswald de Andrade (1890-1954), depois de já ter trabalhado sobre poemas de Gregório de Mattos (1623-1969), dentro da linha de pesquisa que sempre marcou o trabalho de Caetano, em torno da literatura - o que o levou a sua obra a merecer exaustivas análises do poeta (e ensaísta) Augusto de Campos ("Balanço da Bossa", Perspectiva, 1968). Caetano Velloso não permaneceu apenas em suas composições, incluindo canções de amigos como Jorge Bem ("Jorge de Capadócia), e mesmo prestando uma longa homenagem a Lennon/McCartney, com inclusão de 4 músicas dois besouros compositores: "Help em "Jóia", "Eleanor Rigby", "Flor No One" e "Lady Madonna" em "Qualquer Coisa". Em cada faixa, gravada em sessões separadas, houve diferentes formações instrumentais, basicamente com os mesmos músicos, mas em diferentes distribuições. Isso faz com que cada faixa tenha uma personalidade própria, um calor, clima - que torna ainda mais rica a gravação. Ao contrário do que acontece com um disco gravado em uma única sessão (como acontece nos discos de Nelson Gonçalves), uniformes, cansativos. E os músicos convocados por Caetano, são extraordinários, competentes: um João Donato ao piano, Sergio Barroso no baixo, Perinho Albuquerque, co-produtor com Caetano do dois elepês, no violão; Djalma Corrêa e Bira da Silva, na percussão; Tuzé Abreu, na flauta, entre outros - além de próprios conjuntos como o Cream Crackers (na faixa "Escapulário") ou Bendegó ("Canto do Povo de Um Lugar"). Não há dúvida que mais do que um rápido registro de jornal, "Qualquer Coisa" e "Jóia" justificam uma longa e exaustiva análise em forma de ensaio. Como sua obra já justifica uma tese. Eis aí um bom tema para os irrequietos e contestadores estudantes de comunicação. Faixas de "Qualquer Coisa": "Qualquer Coisa" (Caetano), "Da Maior Importância" (Caetano), "Samba Amor" (Chico Buarque), "Madrugada e Amor" (José Messias), "A Tua Presença Morena" (Caetano), "Drume Negrinha (Drume Negrita, Eliseo Grenet - versão: Caetano); "Jorge de Capadócia" (Jorge Bem), "Eleanor Rigby", "Flor No One" e "Lady Madonna" (Lennon/McCartey); "La Flor de La Canela" (Chabuca Granda) e "Nicinha" (Caetano). Faixar de "Jóia"; "Minha Mulher", "Guá", "Pelos Olhos", "Asa", "Lua, Lua, Lua, Lua", "Canto do Povo de Um Lugar", "Pipoca Moderna" (em parceria c/Banda de Pifaros de Caruaru), "Jóia", "Gravidade", "Tudo, Tudo Tudo" e "Escapulário" (com Oswald de Andrade); "Help (Lennon/McCartney) e "Na Asa do Vento" (Luiz Vieira/João do Vale).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música
27
17/08/1975

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