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Aramis

Quando Hollywood era risonha e franca...

"O cinema é luz" (frase que uma personagem, não nominada, diz numa das seqüências de "Bom Dia, Babilônia"). xxx A primeira vista poderia ser apenas um filme sobre o cinema. Mundo mágico e fascinante que comporta imensa filmografia, (re)apreciado sobre os mais diversos ângulos. Mas pela beleza e integridade que marca sua obra, os irmãos Taviani não poderiam ficar apenas no contemplativo do romântico cinema que se fazia na segunda década deste século, quando os pioneiros começavam a chegar a então distante Los Angeles, atraídos pelo sol e luz fantástica, que permitia filmagens durante todo o ano - ao contrário do inverno que castigava Nova Iorque e na qual as produções encareceriam. Sim, os irmãos Paolo (Pisa, 08/11/1931) e Vitorio (20/09/1931), que vindo de curtas (a partir de "San Miniato", 54) e documentários (como os que dedicaram a Alberto Moravia e Joris Ivens), aconteceriam em termos internacionais com a profunda sensibilidade/sinceridade ao contarem uma história pastoral, de gente pobre, em "Pai Patrão" (77, Palma de Ouro em Cannes), filme-emoção que permanece como o maior momento de sua obra. Uma visão de um episódio do fascismo na zona rural ("A Noite de São Lourenço", 81) ou a crônica bem humorada inspirada em quatro textos de Pirandello (1867-1936) em "Kaos" (84), antecederam a disposição que tiveram em "deixar a terra firme e cruzar o Atlântico", como disse Susana Schild: na pele de dois imigrantes toscanos - Nicola (Vicent Spano) e Andrea (Joaquim de Almeida) descobrem a América, e com ela, o cinema. E descobrem, sobretudo, a América através do cinema. A terra do sonho distante - opção após a falência da firma do pai Bonnano, artesão que construía e restaurava catedrais milenares, com seus sete filhos - não foi madrinha. Ao contrário, no início foram anos difíceis, humilhados - pelo desconhecimento da língua e, impossibilitados de mostrarem seu talento de artesãos criativos, se submeterem a duros trabalhos. Mas depois da Feira Internacional de Chicago - no qual o pavilhão da Itália, que ajudaram a construir - foi admirado pelo cineasta D. W. Griffith (1875-1948), chegavam a Hollywood e, mesmo boicotados violentamente, acabaram se impondo em sua técnica para ajudar ao cineasta de "Intolerância" (1915-16), realizar o belíssimo episódio "Babilônia", com seus cenários monumentais. A chegada dos irmãos aos campos de Los Angeles, as dificuldades de acesso a Griffith, a queima do primeiro elefante que construíram como modelo, constituem seqüências de profunda beleza, nas quais os Taviani mostram estarem em seu ambiente favorito: longos espaços, o verde, imagens de grande poesia - ao som da música perfeita de Nicola Piovani (não foi sem razão que Fellini o convocou para "L'Intervista", ainda inédito no Brasil, mas com sua trilha sonora lançada no ano passado pela BMG/Ariola). Sensibilidade, ternura, uma certa magia - no encontro de Nicola e Andrea com as jovens Edna (talvez uma homenagem a Edna Purviance, 1894-1958, lançada por Chaplin em 1915) e Mabel, com quem viriam a se casar, num sonho de permanecerem nos Estados Unidos interrompido pela morte de Edna (ao nascer de seu filho) e a revolta do marido Nicola, que volta à Itália e alista-se para a guerra. O reencontro final dos irmãos no campo de batalha e as últimas imagens, perpetuadas no registro feito pela câmera usada na documentação dos horrores da guerra: os rostos dos pais "para que nossos filhos nos conheçam", como diz Andrea. xxx Os Taviani trabalham com o emotivo, em roteiros precisos e sempre valorizando o ser humano em sua paisagem natural, se "Padre Padrone" partia de uma história mínima, numa narrativa relativamente arrastada, mas conquistava o espectador pela forma com que narrava o sofrimento do jovem massacrado pelo autoritarismo do pai ignorante, em sua vida de camponês refletindo as agruras de uma sociedade feudal, neste "Good Morning, Babilonia", poderia se cair no oposto: o despertar da cinematografia americana, a Hollywood nascente dos anos 10, com Griffith e outros pioneiros lançando as bases do cinema que se tornaria a maior industria de entretenimento no mundo (e que assim resiste até hoje) seriam um convite para tramas paralelas, intrigas - enfim, todo um jogo de recursos para fazer dos 115 minutos um filme com maiores atrativos para a bilheteria. Felizmente, os Taviani, também roteiristas e co-produtores (com recursos franceses e de americanos como Martin Scorcese e Francis Ford Coppola, que possibilitaram a conclusão do filme), permaneceram numa discrição absoluta, narrando uma história de dois irmãos, marceneiros em sua arte que ajudaram a Griffith fazer um dos marcos do cinema (e que embora baseado em personagens reais, jamais seriam lembrados) - e, assim, contam uma história da invenção do cinema sem nada inventar, numa narrativa comportada, afetiva, muitas vezes passional e lúdica - mas sempre cativante. Uma fotografia primorosa de Giuseppe Lanci, a direção de arte de Giani Sbarra que valoriza os mínimos detalhes e, sobretudo, um ótimo elenco - que praticamente revela novos talentos como Vicent Spano (já visto em vários filmes, inclusive "Os Amantes de Maria", mas sem o destaque que merece agora), o português Joaquim de Almeida e as belas Greta Scacchi e Desiree Becker. Uma curiosidade: Greta, uma das atrizes italianas em destaque neste final de década, ao lado de Charles Dance (aqui como Griffith), estão também no elenco de "Incontrolável Paixão" (White Mischief, 87, de Michael x Radford), que, finalmente, a Columbia lança no Brasil, três anos após ter representado a Inglaterra no II FestRio. LEGENDA FOTO - Um filme de amor ao cinema: "Bom Dia, Babilônia" é beleza, sensibilidade e emoção em seus fotogramas. Em exibição no Cine Groff.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
09/08/1989

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