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Aramis

RANCHOS - o resgate de um marco carnavalesco

Com o domínio dos sambas-de-enredo das Escolas de Samba em termos de produto musical carnavalesco - e a extinção dos sambas e marchinhas que, até os anos 60, ainda eram compostas especialmente para esta festa popular, hoje os registros culturais, em termos de Carnaval, praticamente inexistem. Os LPs de sambas-de-enredo das grandes escolas são best-sellers em vendas, especialmente no Rio de Janeiro, mas pouca contribuição trazem. As antigas músicas de Carnaval, sociologicamente registravam em seus temas os fatos, dias e coisas de cada época, conforme se pode observar ouvindo as gravações históricas ou folheando-se o básico "O Carnaval Carioca Através de Sua Música" de Edigar de Alencar (Livraria Francisco Alves Editora, 3ª edição, 2 volumes). Como um oásis neste deserto de comercialismo carnavalesco, um dos mais admiráveis compositores e pesquisadores do samba, Elton Medeiros, 51 anos, produziu para a Divisão de Pesquisa da Manifestação Cultural/INEPAC/ Departamento de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, um álbum notável: "Ranchos Carnavalescos". Com auxílio de Jota Efegê, Jairo Severiano e Braz Bezerra, recorrendo a arranjos e regências do mesmo maestro Nelsinho (Nelson Martins dos Santos), utilizando fonogramas originais, Elton realizou um trabalho de documentação musical de uma das mais antigas e significativas formas de manifestação popular - o Rancho Carnavalesco - que teve a sua origem no Pastoril - grupo natalino que representa a visita dos pastores de Belém ao estábulo, por sua vez de procedência portuguesa. Evoluindo para duas categorias - o Terno (de caráter imponente) e o Rancho propriamente dito, com um sentido pândego, descontraído, os Ranchos surgiram no Rio de Janeiro no século XIX - na mesma época em que o Carnaval carioca tinha outro desenvolvimento - os Cordões. Pesquisadores como Almirante, Jota Efegê, Marisa Lira e Edigar de Alencar - lembram os pioneiros da cantiga própria para o carnaval no Rio de Janeiro. Cordão Flor de São Lourenço, Cordão Prazer da Lua, são exemplos desses pioneiros agrupamentos carnavalescos que, consta, tiveram seu auge em 1885, ano da proibição do Entrudo (a partir de então, o Carnaval começou a se civilizar, como lembra Elton). É atribuído ao baiano Hilário Jovino Ferreira, tenente da Guarda Nacional, que chegou ao Rio em junho de 1872, o mérito de, em 6 de janeiro de 1894, ter fundado - com alguns de seus conterrâneos que faziam ponto no Café Paraíso - o Rancho Rei de Ouros. Saindo no Carnaval - ao invés do Natal - estabeleceu a paganização dos Ranchos e foi o primeiro dos Ranchos Carnavalescos do Brasil. O próprio Hilário fundou outros Ranchos Carnavalescos ("Filhas de Jardineiras", "Rosa Branca", "Ameno Resedá" etc.) enquanto outros surgiam em diferentes pontos do Rio de Janeiro, entre os quais históricas formações - muitos dos quais deram origem, posteriormente, a escolas de samba: Flor do Abacate, Mimosas Cravinas, Kananga do Japão, Caprichosos do Japão, Azulões da Torre e tantos outros. Como diz Elton, o fato de permanecer até os nossos dias - mesmo com menor brilho - presente no carnaval (não só do Rio, como em algumas outras cidades) valoriza a existência do Rancho Carnavalesco como fonte de inspiração para os cortejos que o sucederam, especialmente para aqueles que se basearam na sua estrutura de desfile, como é o caso particular das Escolas de Samba. Ao produzir "Ranchos Carnavalescos" - um disco editado oficialmente pelo governo do Rio de Janeiro e, infelizmente, sem distribuição comercial - Elton procurou dar uma pequena idéia cronológica do processo musical ligado ao Rancho Carnavalesco, coincidentemente no momento em que esta manifestação atinge quase um século de existência. Assim, neste álbum-documento, desfilam pastoris ("Queima da Lapinha", domínio público), ranchos de domínio público ("Rancho do Boi"), marchas ("A Jardineira", Benedito Lacerda/Humberto Porto); a pioneira "O Abre Alas" (Chiquinha Gonzaga), "Ri, Palhaço" (Catulo da Paixão Cearense/Miguel Guimarães Jr.) e a clássica "Pastorinhas" (João de Barro/Noel Rosa). Ao lado destas composições conhecidas, há preciosidades históricas, colhidas no arquivo de Jairo Severiano como "Saudação à Água", uma "marcha cantada" (Antenor de Oliveira); "Amenidade" e "Vitória", marchas de Otávio D. Moreno. Um disco-documento importantíssimo, básico para se conhecer melhor a cultura musical do Carnaval Brasileiro.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
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8
26/01/1986

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