Login do usuário

Aramis

Rebelião da equipe não interromperá "Nicolau"

Mais ampla que a crise provocada pela rebeldia da equipe que produzia o jornal "Nicolau" em não aceitar a criação de um conselho editorial designado pelo secretário René Ariel Dotti, levanta-se uma questão: até que ponto deve o Estado assumir a produção de publicações regulares voltadas exclusivamente à cultura? Infelizmente, mais uma vez, a bem intencionada proposta de se fazer um tablóide dedicado a exposição & debate de temas e idéias ligados ao Paraná, com uma excelente tiragem e encartado nos principais jornais do Estado, revelou-se frustrada em seus resultados. Por longos 26 meses, o secretario Dotti, com toda a sua dose de tolerância e generosidade, aceitou que o grupo que editava a publicação tivesse total autonomia, mesmo que produzindo uma publicação elitista, com uma linguagem que, na verdade, não atingia o universo pretendido. Recomendações para que houvesse uma abertura maior nas pautas e, mesmo, abordando assuntos ligados a próprias iniciativas da Secretaria nunca foram observadas. Ao contrário, eventos significativos realizados na atual administração foram solenemente ignorados pela publicação, voltada, isto sim, a ter uma aceitação nacional, dentro de uma faixa classe a/b intelectual - o que, realmente conseguiu, obtendo, inclusive, premiações e elogios de leitores espalhados por vários Estados. Neste aspecto, Nicolau foi bem sucedido - mas, ironicamente, dentro da faixa menos privilegiada culturalmente (e a qual uma publicação mantida pelo dinheiro público deve se destinar) a aceitação foi sempre discutível. Mesmo acumulando reclamações e irritação de alguns setores, o secretário René Dotti, dentro de sua preocupação em defender o direito de expressão, assegurou, enquanto foi possível, que o mensário oficial tivesse continuidade, sem interferência do gabinete. Infelizmente, a questão chegou a um ponto em que esgotadas as possibilidades de um diálogo para correção dos rumos fosse criado um conselho editorial, formado por profissionais experientes em comunicação e pudesse ser encontrado um equilíbrio entre o lado intelectual, refinado e que granjeou ao "Nicolau" o reconhecimento e prestígio das elites culturais do país, com uma informação mais realista da cultura regional, capaz de fazer com que leitores menos privilegiados intelectualmente também absorvessem a dose mensal de informações trazidas nas páginas da publicação. Infelizmente, a proposta do conselho editorial - que chegou a fazer uma reunião no dia 15 de setembro, para compor a pauta da 8ª edição do "Nicolau" foi rechaçada pela equipe que produzia o jornal, com exceção, curiosamente, de seu editor-chefe, poeta Wilson Bueno. Assim reunidos no dia 21 de setembro, os oito integrantes da equipe decidiram afastar-se da produção do jornal, elaborando um documento fartamente distribuído na cidade e fazer uma denúncia pública, através de jornais e outros veículos de comunicação. Criou-se assim, uma situação curiosa: o editor da publicação aceitou as ponderações do Secretário e entendeu a necessidade da criação do conselho editorial. Entretanto, seus dois principais assessores - a editora-assistente Josely Vianna Baptista e o diretor de arte Luiz Antônio Guinski, rebelaram-se e lideraram a "denúncia coletiva" dos seis outros integrantes da equipe - Amilton Paulo de Oliveira (revisor), Rodrigo Garcia Lopes (redator-repórter), Iara Rossini (revisora), Rita de Cássia Solieri Brandt (programadora visual) e Eron Luiz da Cruz (auxiliar de escritório). xxx Em sua justificativa, o grupo que deixa a redação do "Nicolau" lembra que "depois de dois anos e meio de trabalho em equipe, com discussão democrática de pauta (tendo em vista, sempre, critérios de qualidade e de invenção, análise atenta dos textos e materiais visuais, dentro da dinâmica de uma redação de jornal, sujeita a alterações e correções de rota regulares), fomos sumariamente comunicados da criação de um Conselho Editorial, para o qual nenhum dos membros da equipe produtora do jornal foi convidado a participar - além de seu editor. Com isso, cortou-se brutalmente um método de trabalho conjunto e aberto, que vinha se desenvolvendo desde o início de "Nicolau", com sucesso e plena aceitação no Paraná e restante do país, como se comprova pelo apoio incondicional de setores significativos da "inteligentzia" brasileira, artistas, estudantes, leigos e especialistas". Se o editor Wilson Bueno foi nomeado para integrar o conselho editorial, a equipe, em si, não deixou de ter seu representante. Mas assim não entenderam os mesmos que rebelaram-se contra esta iniciativa do secretário René Dotti e romperam mesmo relações com Bueno, conforme expõe o secretário René Dotti em carta que nos enviou (ver a mesma nesta página). Reclamaram também os integrantes da equipe de que o desenhista Guinski, que, como funcionário da Secretaria, foi transferido para o Museu de Arte Contemporânea - fato que René justifica em sua correspondência. xxx Portanto, frente aos fatos, o Secretário da Cultura, com energia e firmeza, tomou a atitude que julgou acertada: prestigiou o Conselho Editorial e aceitou a permanência do editor Wilson Bueno que já está formando uma nova equipe de produção, para que o jornal não sofra interrupção. Com exceção dos integrantes da equipe, como são funcionários da Secretaria - e que foram reaproveitados em outros setores, os demais que recebiam como prestação de serviços, deixam definitivamente a Secretaria da Cultura. O número 26 de "Nicolau", o último feito pela equipe rebelde, encontra-se com arte e fotolitos prontos, na Imprensa Oficial, aguardando ser rodado. A partir do número 27, já reestruturado gráfica e, especialmente, editorialmente, "Nicolau" circula com uma nova filosofia para cumprir, realmente, as finalidades com que foi criado há dois anos e meio. Evidentemente, que, no clima de irritação em que se deu o afastamento dos integrantes da equipe que ali vinha tendo um amplo poder, surgirão acusações críticas, respostas e mesmo notas em publicações diversas. Entretanto, o secretário René Dotti sente-se tranqüilo pela profilaxia executada, que considerou antes de tudo o universo atingido pela publicação oficial conforme expõe em seu texto.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
29/09/1989

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br