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Regional

O jornalista Silvio Lancelotti, em sua coluna na revista "Isto É"; chamou atenção para a farsa da chamada "latinidade" em termos musicais, nos quais a descoberta do valioso patrimônio cultural latino-americano vem sendo explorada comercialmente e sem critérios. E lembrou que se agora, que Elis e Milton Nascimento promovem compositores e interpretes que há mais de 10 anos vem fazendo um trabalho sério e culturalmente de maior validade, como Mercedes Sosa, Violeta, Angel e Isabel Parra e outros, a juventude (ou parte dela) passou a prestar maior atenção, continua sendo marginalizada a nossa música regional preconceituosamente desprezada em termos urbanos. E, para Lancelotti (como para Tinhorão), dois dos elepês mais importantes lançados no ano passado, passaram totalmente desapercebido - "Cururu" e "Aboios e Toadas", o primeiro com Nhô Serra e Pedro Chiquito, o segundo com Os Bridões de Ouro, ambos editados pela Continental e, aparentemente, destinados apenas ao público sertanejo. Mas, para quem realmente se interessa pela música e cultura popular, um disco como "Cururu" (Caboclo/Continental, 1-03-405-217, outubro/76), produzido por J. C. Botezeli, o Pelão, é um elepê fundamental, pois registra 10 cantos do "Cururu", um gênero como acentua Antonio Candido na nota de contracapa, que tem a capacidade extraordinária de variar com o tempo e encontrar sempre funções novas. Originário de uma dança indígena, faz parte da cultura popular (espontânea) do Interior de São Paulo, Goiás, e Mato Grosso cabendo um estudo profundo, embora, para o ouvinte não iniciado - pareça difícil de aceitá-lo: melodia pobre apoiada na viola de cocho e toscos fragmentos de versos, na maioria louvações esteriotipadas e santos e esboços de desafio. Outro lançamento de fundamental importância documental em termos de cultura popular é "Repentes e Emboladas" (Chantecler/Rosicler, 2-12-407-227, agosto/76, com os cantores Manoel Batista x Zé Batista, em desafios ricos em improvisação e que aparecendo justamente por uma gravadora comercial atingem um público mais amplo, já que até agora só a Campanha Nacional de Defesa do Folclore, dirigida pelo bravo professor Braulio Nascimento vinha se preocupando em registrar os cantores, tendo inclusive editado o belo elepê do mestre Azulão. Aliás, a Chantecler, em seu repertório sertanejo, tem uma série de intitulada "Viola Lascada", já no volume 3, que reunindo diferentes duplas tem algum clássicos da música rural, incluindo composições de Raul Torres, Angelino de Oliveira e Tião Carreiro, que, acima de preconceitos, valem a pena serem redescobertas por quem tem sensibilidade e cultura suficiente para entender as coisas do povo. Pena alias, que a gravadora Crazy, de São Paulo, não tenha representação comercial no Brasil e assim por aqui já quase impossível encontrar a série "Brasil Caboclo", produzida por Marcos Cavalcanti de Albuquerque, e Venâncio, da antiga dupla com Corumbá (hoje rico empresário artístico), que como presidente da Associação de Repentistas, Poetas e Folcloristas do Brasil, por ali produziu uma série de gravações com os melhores repentistas. A continental, hoje uma gravadora de grande brasilidade, vem se preocupando em valorizar a música do Rio Grande do Sul, de seus grupos vocais-instrumentais. Ao lado da série "Gauchíssimo" e de outras edições, lançou recentemente o volume 1 de "Telurismo" (1-35-404-003, na explicação de Jayme Caetano Braun, tropeiros da cultura, vertentes da ternura do folclore americano". Herdeiros da mesma herança, da Pampa - flexinha e trevo, "semeados do enlevo que repontado a esperança, sem o chiripa e a lança, das andanças primitivas ao pé - das brasas votivas apearam do tempo largo, ao roncar do mate amargo murmuram preces nativas". Essas "preces nativas", são canções (do Glênio Fagundes, líder do grupo e Marcos Aurélio Campos, declamador), repletas de gosto da terra, de forte apelo regional. Mas é importante que se entenda Os Teatinos, assim como outros grupos do Rio Grande do Sul, como cultores de uma música culta em suas origens - não se tratando, em absoluto, de interpretes sertanejos ou gaiatos, que buscam apenas um mero sucesso comercial, como acontece com tantas duplas do eixo interiorano São Paulo-Paraná - Goiás - Mato Grosso. Os Teatinos, aproximam-se em seus cantos regionais e fortes, ao gauchismo de um Atahualpa Yupanqui ou as canções folclóricas de uma Mercedes Sosa. Só que a sociedade de consumo, que aproveita a ingenuidade (ou ignorância) dos jovens ainda não transformou grupos como os Teatinos (ou os Tapes, revelados por Marcus Pereira) em moda. Mas, por isso mesmo, ouvi-los e descobri-los é algo estimulante a quem não é, simplesmente, um discípulo da Parada Nacional de Sucessos. Os Açorianos, outro grupo vocal-instrumental gaúcho, já desenvolvem um trabalho mais fácil de ser consumido, embora fieis a um regionalismo. "Rio Grande, Tchê" (Continental/Musicolor, 1-04-703-120, janeiro/77), apresenta este grupo, vocalmente lembrando até o Conjunto Farroupilha, com canções belíssimas, desde popurris, regionais, com canções de Ovídio Chaves, Paixão Cortes, Barbosa Lessa, Demosthenes Gonzales e Lupiscinio Rodrigues, até autores como Luiz Coronel-Marcos A . Vasconcelos ("Cordas de Espinho", milonga). Hamilton Chaves-Fabrício Rodrigues ("Oração à Saudade", habanera; "Cerca de Pedra", chotis; "Dorme, Pago Velho, Dorme", acalanto), Luiz Menezes ("Piazito Carreteiro", toada), além da antiga toada "Carreteiro" de Piratini e Caco Velho (Matheus Nunes, 1920-1971) e, a sempre deliciosa "Gauchinha Bem Querer" do paulista Tito Madi (Chauki Madi, 1929). Sem dúvida, ouvir Os Teatinos ou os Açorianos é muito importante para quem sabe reconhecer a boa música brasileira - sem preconceitos e sem fronteiras.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal da Música
27
27/02/1977

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