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Aramis

Renato que foi Reinaldo deixa os ecos da saudade

"Depois que os anos vieram trazer a velhice, que os passos seguiram pelas noites caladas, vi-me frente a esta mesa, escrevendo coisas, fazendo notícias e dizendo que os homens mataram por ciúmes. Um drama brotou pela madrugada quente, e nas horas de trabalho a realidade converteu-se em manchete de letras azuis e termos comuns. Tudo é motivo, é furo de jornal que sempre acolhi na hora do destino nômade, seguido por aí, cansado das luzes e fraco em assunto para a crônica de segunda-feira." (Reinaldo Egas na coluna 'Ecos da Madrugada', Tribuna do Paraná, edição de 21-11-1957) xxx O coração levou o grande Renatão. Só poderia ser mesmo do coração que morreria ele que leva junto muito de nós e uma grande parte de uma época da imprensa curitibana. É fácil recordar a figura humana, digna, imensa e querida do Renato Muniz Ribas, o lapeano que mais de 40 anos de Capital não chegaram a curitibanizá-lo em sua paixão e que ontem à tarde foi sepultado no cemitério da cidade em que nasceu em 27 de agosto de 1933. Há muitos Renatos - todos admirados, queridos e chorados desde que, na tarde de terça-feira, 28, chegou a notícia de que após quatro dias de internamento na UTI do Hospital de Clínicas, finalmente seu coração havia parado. - Renato era plural, recordava, emocionado, o advogado Lincoln Zacarias, 65 anos, seu amigo de muitos anos, e que ainda há cinco dias encontrava-o numa mesa do bar Imperial, e ao justificar não poder ficar para um segundo bem gelado chope, ouviu o comentário do amigo: - Pressa? Mas por que pressa em sua idade? xxx Renato deixou muitas lições. Tantas quanto os amigos que soube fazer em sua longa vida profissional. Uma das lições para serem repensadas, neste momento em que a sua ausência nos faz, mais uma vez, refletir sobre a fragilidade da vida, está justamente a de que um dos maiores erros de nossa geração está, justamente, no fato do distanciamento que, pelas mais diversas razões, acontece entre as pessoas que, numa época, beberam, sonharam e trabalharam juntas. Renato Ribas, em seus 55 anos de idade, mesmo com as limitações que nós, cardíacos, enfrentamos, não se deixava abater. Profissional dos mais competentes - e que jamais aceitaria uma aposentadoria por invalidez - conseguia conciliar seu trabalho na Gazeta do Povo - na qual, há anos, coordenava uma espécie de revista dos jornais do Interior do Paraná - e atividade como assessor da Bolsa Agrícola, junto à Federação da Agricultura do Estado do Paraná - cujo setor de imprensa chefiou por tantos anos - com a hora do encontro, do bate-papo descontraído, de rever os amigos. Isto o fazia uma pessoa especial, com amigos em todos os setores. - Ele era plural em suas relações e em sua tolerância, mesmo com as pessoas mais chatas - repetia ontem, outro de seus grandes amigos, Roberto Goya, 49 anos. Jornalista até a medula, da equipe de fundadores da Tribuna do Paraná e do antigo Correio do Paraná - no qual permaneceu até o seu fim, Renato foi o pioneiro da crônica da noite em Curitiba. Alegre, boêmio, fã da melhor música, Renato sentiu há mais de 30 anos, quando o hoje conselheiro do Tribunal de Contas, João Féder, implantava a Tribuna do Paraná, que a Curitiba alegre da época, com uma movimentada noite embalada pela prosperidade do ciclo do café que deixava lucros na Capital - comportaria uma área informativa ligada a crônicas com toques românticos. Nascia assim Reinaldo Egas, o pseudônimo com que assinaria a coluna Ecos da Noite, que publicada entre 1957/1959, não se perdeu graças a sensibilidade de outro grande (hoje aposentado) boêmio, o publicitário Sérgio Mercer, que quando na presidência da Fundação Cultural de Curitiba teve o bom senso de promover a edição de uma antologia das colunas, numa seleção de Nireu Teixeira Jr. (primogênito de outro jornalista da mesma geração, Nireu Teixeira, hoje o poderoso secretário-chefe da Casa Civil da Prefeitura de Curitiba) com auxílio de Márcia Krieger. xxx Graças a Ecos da Noite (edição da Fundação Cultural de Curitiba, 120 páginas, 1982) existe ao menos um pouco da memória jornalística de uma época de Curitiba, pois ao lado das crônicas no qual Renato mostrava seu lado lírico e romântico, foram conservadas também notícias do dia-a-dia, mostrando como a nossa noite curitibana já foi boa. Hoje, seria impossível se fazer uma coluna como Ecos da Noite, já que a barra pesou, as boates e night clubes se transformaram em antros de exploração, perdeu-se o encanto e a beleza de um período de música ao vivo, harmoniosa e, na qual, principalmente, inexistia o fantasma da Aids e as ligações amorosas não eram (tão) perigosas. xxx No livro de registros das pessoas que passaram pela capela do cemitério da Água Verde - de onde saiu o enterro de Renato Muniz Ribas para a Lapa, a diversificação dos nomes - política, empresariado, imprensa, velhos companheiros da noite - mostrava como era estimado nos mais diferentes segmentos. Profissional correto, que sempre marcou seu trabalho em chefias de redação com equilíbrio e responsabilidade, mas conservando sempre o bom humor e o companheirismo, Renato foi, indiretamente, professor de uma geração de jornalistas. Mais do que os segredos de um jornalismo espontâneo e diversificado, era o mestre da vida, sabendo conciliar o trabalho e o lazer e, nas mesas das redações ou nas mesas dos bares que ele sempre fielmente freqüentou (o "Stuart", na Praça Osório, por exemplo, ontem estava de luto, tal a fidelidade que ele sempre teve naquele local) ficaram lembranças de momentos inesquecíveis. Cada um dos que com ele tiveram a felicidade de conviver, especialmente os jornalistas, poderiam, melhor do que nós, neste texto rápido, e improvisado, falar com mais emoção. Renatinho Schaitza, seu colega de tantos anos ou Enock de Lima Pereira - que com o pseudônimo de "Mauro" foi seu substituto na crônica da noite da Tribuna do Paraná, a partir de 1960. Outros companheiros de uma época feliz de nossa imprensa, como Ducastel Nicz, há muito já se foram. O bom Ducastel, lembro-me bem, numa madrugada, há 16 anos, chorando, encontrou-me na antiga boite Zum Zum, do Chico Messina, e lamentava que "o nosso Renatão está morrendo", referindo-se ao seu internamento inesperado para se submeter a uma delicada operação siderúrgica [cirúrgica]. Felizmente Renato sobreviveu e só na terça-feira, 16 anos depois, nos deixou. O bom Ducastel, infelizmente, morreria bem antes, vítima do caranguejo dilacerante, que tanto o fez sofrer em seus últimos meses de vida. xxx Adail Luísa, a grande companheira de Renato, mãe do Júnior - hoje com 25 anos, casado com Jacqueline e que deu ao velho Renatão um belo neto, Marcel, 3 anos, estava inconsolável. Abraçada ao corpo do marido, lembrando quase 30 anos de uma união sedimentada numa paixão imensa, pois a vida alegre e boêmia de Renato nunca retirou seu lado de ótimo pai e bom marido. A boêmia era, para Renato, algo saudável, feliz, de uma época também diferente - como recordou, há oito anos passados, para uma entrevista-depoimento à equipe da revista Quem, quando Sérgio Mercer promoveu um etílico jantar para que Renatão falasse de sua noite, de sua vida profissional (além de jornalista foi também radialista na Emissora Paranaense). Ali, entre tantas recordações, Renato dava uma receita especial. - "A pessoa para curtir a noite tem que ter talento. E como precisa ter inteligência para curtir, é uma espécie de movimento de arte. Como existiram as escolas romântica, classista, parnasiana ou até satânica, do Augusto dos Anjos, a noite também tem os seus estágios." Ecos da Noite "Minhas noites curitibanas não andaram nessa inconstância de ontem, na velha espera do amanhecer, na antiga doçura de sentir a última estrela fanar no céu de lutar. Minhas noites ficaram no tempo, bem longe, e já caducaram sem anúncios, sem cabelos, numa solidão chegada depressa." (Tribuna do Paraná, "Andanças", 14/2/1957) xxx "Quando alguém passar os olhos por esta coluna, já o ritmo da coqueluche americana estará pelo alto falante do cinema, e não saberemos, pois, se na universitária Curitiba, o 'Rock and roll', a estas horas, buliu com alguém, se inspirou quebra-quebra ou se escorreu insipidamente pelas telas. Verdade é que a comentada película do rapazola Bill Halley andou revolucionando esse mundo, e mesmo em nossas principais metrópoles deu assunto para manchete de jornais." ("Com licença para falar sobre rock", 14/3/1957, quando o filme "Ao balanço das horas" provocava quebra-quebra nos cinemas que o exibiam.) xxx "Marcharei tranqüilamente pela noite a dentro, à procura de um cabista, e farei minha fezinha no jogo. Indagarei onde se paga o prêmio, quanto vale a milhar acertada e depois seguirei calmo, na espera de uma fortuna que tanto sob os meus sonhos." ("O meu dia chegará, 5/4/57) xxx "o dia em que certos moços deixarem as noites, voltará aquele silêncio antigo, bem curitibano, bem calmo e gostoso" (Na mesma data.) xxx "Ele disse que estava amando e que mesmo, nos sonhos, ela vinha trazer carícias que somente os sonhos ofertavam. Ele estava no momento em que amar era entrega. Essa entrega dos angustiados que encontram soluções em que se oferecer inteiramente, suplicar para que o destino seja movido pela força do amor, pelo sortilégio ocasional que ensopa os sentidos da consternação e medo." (23/7/1958) LEGENDA FOTO - Renato Muniz Ribas: com sua morte, morre mais um pouco de uma época da imprensa curitibana.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
02/03/1989

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