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Aramis

Retratos da Vida

Assim como Akira Kurosawa foi, durante muitos anos, a identificação do cinema japonês para o grande público, também por mais de 20 anos o cinema sueco era lembrado apenas pelo seu nome maior, Ingmar Bergman. Falar em cinema escandinavo, então, era cair no vazio, pois mesmo com a grande aceitação por parte da crítica e de uma elite de cinéfilos pelos verdadeiros ensaios psico-visuais de Bergman, desconheciam-se outros realizadores daquela região da Europa. Nos últimos anos, o panorama inverteu-se: as sucessivas premiações que duas produções dinamarquesas - "A Festa de Babete" e "Pelle, O Conquistador" conquistaram (*) e o grande sucesso (e também premiações) do lírico "Minha Vida de Cachorro" (**), mostraram que uma nova geração de realizadores saía do frio escandinavo com filmes de calor humano, universalizando-se a partir de estórias regionais. Com isto, abriram-se as portas para o cinema escandinavo através de seus novos realizadores, que há tempos já freqüentavam festivais europeus mas eram desconhecidos - mesmo nos Estados Unidos. Um novo filme-encanto dinamarquês chega agora às telas (Cine Luz, 3ª semana), após ter sido indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro (perdeu para "Cinema Paradiso", de Giuseppe Tornatori, que era imbatível, convenhamos), que a Art Filmes lançou meio obscuramente, mas que está alcançando ótimo público, com a publicidade que mais funciona: o elogio boca a boca. xxx De um romance (com certos toques autobiográficos) de Martha Christensen, professora num centro de recreação mas também escritora e que foi premiado pela Danish Brookstores Association, Kaspar Rolstrup, considerado um dos melhores diretores de teatro da Dinamarca, realizou um filme que, perdoem o chavão, fala ao coração: com sua experiência de encenador de grandes textos e um aprendizado no cinema desde sua estréia em "Jeppe of the Hill" (1981, considerado o melhor filme dinamarquês) e na televisão, Rolstrup conseguiu narrar uma história emocionante, com uma leveza extraordinária. Ao longo de um dia, num paradisíaco bairro residencial dinamarquês, um velho casal - Regitze (Ghita Norby) e Karl Age (Fritz Helmuth), recebem parentes - o filho, a nora, netos e muitos amigos (alguns que há tempos não viam), para uma festa de despedida que, só ao final, fica clara. Enquanto a jovial Regitze desdobra-se como anfitriã, seu marido, caladão, Karl Age, repassa a vida do casal, os sonhos da juventude, os problemas do dia a dia, as confusões familiares. Tudo muito simples, muito comum - mas justamente por isto mesmo estabelecendo painéis que encontram identificação com sensibilidades de todos os quadrantes. Como o francês Claude Lelouch gosta de fazer ("Toda uma Vida", "Retratos da Vida"), Kaspar Rolstrup passa do individual ao coletivo e, num cenário praticamente pastoral, compõe um painel da maior humanidade - com humor e muito ritmo musical (no que a trilha sonora de Fuzzy é fundamental), capturado em belas imagens de Claus Loof. Ghita Norby, como a encantadora Regitze, é uma atriz plena, vinda de grandes encenações no teatro dinamarquês, bem como cinema e televisão, merecendo o "Bodil" (principal prêmio de cinema da Dinamarca) por sua atuação neste filme. Também Fritz Helmuth, como o velho Karl Age (quando jovens, são interpretados por Rikke Bendsen e Mikael Helmuth, filho de Fritz) também é um ator seguríssimo, com um tipo marcante. Enaltecendo a amizade, o entendimento, a tolerância, numa ambientação perfeita - o chalé num bairro florido, com sua arquitetura típica, num dia de verão, "Dançando pela Vida" (Waltzing Ragtize) é um filme para se guardar na memória, com ternura, como ficaram "A Festa de Babete", "Pelle, O Conquistador" e "Minha Vida de Cachorro", com os quais formam um quadrilátero possível em torno da temática que ainda é a maior de todas: as relações humanas. Notas (*) "A Festa de Babete", 1988, de Gabriel Axel, ganhou em 1988 o Oscar de melhor filme estrangeiro. (**) Lasse Hastrom, por "Minha Vida de Cachorro", foi indicado ao Oscar de melhor diretor, em 1989. No mesmo ano, "Pelle, O Conquistador", ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
26/01/1991

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