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Aramis

Sai o livro que iria trazer Garcia Márquez até Curitiba

Quando o publicitário e ator Barrinhos - que ficou conhecido como o "Araken" da televisão - propôs a MPM a realização de uma grande mostra do cinema latino-americano, contava com um grande atrativo: a vinda ao Brasil do escritor Gabriel Garcia Márquez, que durante o evento faria o lançamento do livro que estava escrevendo sobre a aventura do cineasta Miguel Littín, clandestino no Chile, há três anos. A mostra também teria outras atrações - como a exibição pela Rede Globo dos longa-metragens selecionados. Um projeto que entusiasmou não só os executivos da MPM, mas também ao jornalista Fabio Campana, secretário da Comunicação Social do governo Álvaro Dias, que comprou a idéia e a trouxe, a toque-de-caixa, para que a Secretaria da Cultura a realizasse. A I Mostra do Cinema Latino-Americano do Paraná aconteceu (3 a 10 de outubro de 1987), com sessões no Lido I (único cinema que foi possível conseguir na época com disponibilidade de datas) e eventos paralelos - três mesas redondas (o roteiro no cinema; a música/trilha sonora e o jornalismo cinematográfico) realizadas no auditório Brasílio Itiberê, na Secretaria da Cultura. xxx Gabriel Garcia Márquez não veio, evidentemente. Na época, já havia avisado que não sairia de Paris enquanto não terminasse seu novo romance. Dos filmes latino-americanos previstos, só alguns foram obtidos e a Rede Globo - ao contrário do que havia sido anunciado - nem se interessou em exibi-los. Entretanto, a Mostra teve méritos: foram apresentados filmes latino-americanos e brasileiros inéditos e as discussões das mesas-redondas foram positivas. xxx O livro que Barrinhos sonhou que Gabriel Garcia Márquez viria lançar em Curitiba, afinal saiu agora no Brasil: "A aventura de Miguel Littín clandestino no Chile" (Record, 126 páginas, tradução de Eric Nepomuceno). Na própria capa, em preto-e-branco, com uma pequena foto de Garcia Márquez, é sintetizado o conteúdo deste livro-reportagem: "No começo de 1985, o diretor de cinema Miguel Littín - um chileno que figura numa lista de cinco mil exilados absolutamente proibidos de retornar à sua terra - esteve no Chile por artes clandestinas durante seis semanas e filmou mais de sete mil metros de película sobre a realidade de seu país depois de 12 anos de ditadura militar. Com a cara mudada, com um estilo diferente de se vestir e de falar, com documentos falsos e com a ajuda e a proteção das organizações democráticas que atuam na clandestinidade, Littín dirigiu de ponta a ponta do território nacional - inclusive dentro do Palácio de La Moneda - três equipes européias de cinema que tinham entrado ao mesmo tempo que ele com diversas coberturas legais, e outras seis equipes juvenis da resistência interna. O resultado foi um filme de quatro horas para a televisão e outro de duas para o cinema, que começam a ser projetados pelo mundo afora". Conhecido no Brasil especialmente pelo seu contundente "Actas de Marusia" - estrelado pelo italiano Gian Maria Volanté (ex-deputado na Itália pelo Partido Comunista) e exibido, em Curitiba, no cine Groff, Miguel Littín, esteve no II Festival Internacional de Cinema, Televisão e Vídeo do Rio de Janeiro (novembro/85), quando revelou a sua aventura. Em 1986, em vídeo, no III FestRio, "Actas do Chile" - o grande filme na mostra de vídeo, em duas partes - como aqui, na época, comentamos em detalhes. Apesar da atualidade do tema e coragem do cineasta em sua realização, o filme não encontrou quem se dispusesse a lançá-lo comercialmente no Brasil. Garcia Márquez, autor de "Cem Anos de Solidão", Prêmio Nobel de Literatura e que preside uma fundação do cinema latino-americano com sede em Cuba, se entusiasmou com o relato de Littín e de um depoimento de 18 horas, transformou num volume fascinante, no qual, em dez capítulos, há não só a narrativa de como Littín voltou, clandestinamente, ao Chile e fez o filme - mas também oferece suas reflexões sobre a sanguinária ditadura de Pinochet, que desde setembro de 1973 se mantém no poder. Como diz o próprio Márquez, no encerramento do prefácio, "pelo método de investigação e pelo caráter do material, esta é uma reportagem". Mas é mais: é a reconstrução emocional de uma aventura cuja finalidade última era sem dúvida muito mais profunda e comovedora que o propósito original e bem sucedido de fazer um filme driblando os riscos do poder militar. O próprio Littín disse: "Este não é o ato mais heróico da minha vida, é o mais digno". Assim é, e creio que esta é a sua grandeza. LEGENDA FOTO - Garcia Márquez: um livro sobre o cineasta Miguel Littín.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
21/05/1988

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