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Aramis

Sexo do Ultraje prova que o melhor ainda é a mulher

"Acidente de trânsito mata muito mais do que AIDS e ninguém fala. Além do mais, todo mundo vive em função do sexo, é uma parte fundamental de nossas vidas; então por que não falar nisso? Com a AIDS, ficou muito mais importante os jovens terem educação sexual, coisa que minha geração não teve". (Roger Moreira, 30 anos, guitarrista, cantor, compositor, líder do grupo Ultraje a Rigor). xxx O rock brasileiro é uma realidade em termos de produção, consumo & marketing. Discussões a parte do lado estético, cultural e musical, o fato é que nos últimos 3 (ou 4) anos, a produção musical dos jovens ganhou status de grande interesse industrial e as gravadoras, ardilosamente, disputam um mercado florescente. Conjuntos de garagem transformam-se em vendedores de quase 2 milhões de cópias - como o R.P.M.; promovendo a ídolos nacionais a garotada na faixa dos 18/30 anos. A continuidade do trabalho e da manutenção no podium do sucesso é outra coisa, mas as regras da produção prevêem esta descartabilidade e rotatividade: um disco vendendo mais de 100 mil cópias, já deu imensos lucros e mesmo que o conjunto se desfaça e não resista mais do que alguns meses, o faturamento compensou. Há casos, obviamente, de grupos que conseguem passar do primeiro elepê - e se manter um tempo maior em evidência - como é o caso do R.P.M.; embora a regra seja de vida efêmera. Os talentos melhores podem tentar carreira solo - como, por exemplo, Evandro Mesquita, ex-Blitz - enquanto outros, passada a euforia juvenil, se deslocam para outras atividades. Humor, irreverência e sexo têm sido o tripé no qual se apoiam a maioria dos grupos de rock nesta década de liberalidade, em que mudanças de comportamento tornaram totalmente ultrapassados conceitos tradicionais e fizeram cair por terra os últimos bastões de moralismo e/ou conservadorismo. A mesmice na busca de um humor que se torna cada vez menos original, a insinuação maliciosa, e sobretudo, a estandartização de ritmos e batidas, com o aproveitamento de todos os modismos musicais impostos de várias partes do mundo, faz com que esta descartabilidade do rock brasileiro se torne ainda mais voraz. Se mesmo a música brasileira de raízes nordestinas, no caso o forró, se abre "para a malícia transgressora de um estilo que poderia ser chamado de pornoxaxado", como acentuou Tárik de Souza ("Jornal do Brasil", 02/04/1987), a propósito de investidas picarescas de Genival Lacerda ("A Fubica Dela", RCA), Hermelinda ("Ausência De Carícia"), Clemilda ("Forró Cheiroso"), Marinês e sua gente e até o veterano Luiz Gonzaga ("De Fiá Pavi", RCA), por que os grupos eminentemente urbanos, desenvolvidos a partir de realidades em comunidades naturalmente sem maiores preconceitos não iriam apelar livremente a engenhosos (nem sempre) jogos de duplo sentido em suas letras ou explícitos xistes de moralismo travestido em obscenidade? O SEXO DO ULTRAJE - A WEA concentrou todas suas baterias para a promoção nacional do segundo elepê do grupo paulista Ultraje a Rigor ("Sexo"), com uma ampla campanha incluindo kits de atração, anúncios na imprensa, t-shirts, shows do grupo e a valorização de uma imagem machista dos jovens integrantes do grupo, num lado cafona, como observou Leão Serva, editor da "Ilustrada": nos posters que acompanham o lançamento do elepê, o grupo mostra os novos modelitos: Leospa, o baterista, usa calças com pele de jacaré; o baixista Maurício adere a pele de oncinha. Todos com o indefectível cabelão pós-heavy metal pré-histórico, fazendo com que Serva fizesse uma observação precisa: "no perigoso duelo entre o reacionarismo da cafajestice e o que há de divertido nesse jeito de ser parece que o Ultraje preferiu o primeiro". O marketing promocional é perfeito - sabendo a WEA, com sua arca de imprensa dirigida por Jean Marcel, conquistar os maiores espaços na imprensa nacional (assim como a CBS, graças a competência de Francisco Rodrigues, obteve para o seu R.P.M.). Assim, se fala em todos os aspectos do Ultraje a Rigor. Há dois anos, com o primeiro elepê (o satírico "Nós Vamos Invadir Sua Praia"), o grupo vendeu 500 mil cópias e emplacou um sucesso que chegou até a ser promovido em comícios políticos ("Inútil"). Agora, com uma formação já diferenciada (o guitarrista Carlinhos deixou o conjunto), o conjunto aproveita um diferencial no marketing de consumo: no momento em que tantos grupos (nacionais e estrangeiros) passa a engrossar as fileiras do movimento gay, enaltecendo as "delícias" (sic) do homossexualismo (1), eles partem para uma posição hetero, com o grito de batalha de seu líder, guitarrista, cantor e compositor Roger, em "Eu Gosto De Mulher" - a faixa forte do disco. Em entrevista a Rosângela Petta, Roger fez questão de se posicionar, dizendo que a música não é nenhum ataque aos gays, nem uma confissão machista. - "Nós queremos apenas dizer que achamos mais divertido transa de homem com mulher". Já o baixista Maurício, diz: - "Aqui na banda, todos têm mulher. A gente tenta desmistificar esse lance de baixaria que sempre pinta quando alguém fala em sexo, e por isso a capa mostra um casal olhando um bebê na maternidade, coisa muito natural, pô. Tem essa coisa também da volta à conquista do jogo do amor, que não é retrógrado, mas um lance novo. Às vezes, é mais interessante ver um decote do que um fio dental". "Eu Gosto É De Mulher", naturalmente, ganha destaque no disco - e há mais de um mês freqüenta as paradas das FMs. Mas a questão sexual tem, obviamente, na faixa título, o destaque - que começa falando exatamente em cortes de cenas de sexo em filmes na TV ("Só porque aparecia uma coisa que todo mundo conhece"). Entretanto, a Censura implicou foi com "Prisioneiro", confissão de um bandido, aparentemente de colarinho branco, que "Nunca soube o que era Constituição / Vivo bem com o tráfico e a corrupção / Se o negócio sujar é só tomar um avião". O sexo está presente também no mal desenvolvido - "Dênis, O Que Você Quer Ser Quando Crescer" e "Pelado", um rock contra os preconceitos em relação a nudez. "Terceiro", a história de um corredor que só compete para tirar terceiro lugar, além de uma batida lembrando os Titãs (em sua primeira fase), tem outra brincadeira: a "performance" de Sting - o cãozinho do produtor Liminha, e não o astro inglês. Há uma baladinha sem vergonha, para o romântico ("A Festa"), e duas faixas mais para o instrumental: "Maximilian Sheldon", sobre um fictício detetive que nada mais é do que a personificação do superego (com um tema que lembra em tudo e por tudo aqueles seriados de TV dos anos 60) e "Will Robinson E Seus Robots", participação do guitarrista do Ira!, Edgar Scandurra, que começou com o Ultraje em 1982 mas preferiu o Ira! - outro grupo de rock paulista que conseguiu emplacar. Em síntese, este "Sexo" do Ultraje a Rigor é bem menos erótico e provocativo do que poderia, aparentemente, parecer. Dentro de um marketing de consumo, vale por estimular a volta ao culto do sexo feminino, o que é uma boa e que faz Roger (autor de todas as faixas do disco), ganhar até aplausos dos antigos, que ainda acham que melhor do que uma mulher, é só duas. Simultaneamente... O AMOR HOMOSSEXUAL - Se Roger e seus companheiros do Ultraje a Rigor dizem gostar de mulher ("Sei que eu não vou mudar / Sei que eu não vou tentar / Desculpe esse meu defeito / Eu juro que não é bem preconceito"), Mário Mangô, por ironia, pirraça ou posição assumida (sei lá), fez um canto de amor homossexual ("Rubens"), que para ser gravado no elepê do Premeditando o Breque teve sua letra totalmente modificada. Agora, num mix simples (Emi/Odeon) o Premê dá a volta por cima e faz "Uma homenagem ao heterossexual, essa minoria em extinção": traz de um lado "Rubens", com nova letra, agora permitida, e, no outro lado, a gravação original, no qual o muso é mesmo um homem, com versos como estes: Rubens não dá / A gente é homem / o povo vai estranhar Rubens para de rir / Se a tua família descobre eles vão querer te engolir A sociedade não gosta / O pessoal acha estranho Nós dois brincando de médico / Nós dois com este tamanho E com essa nova doença / O mundo inteiro na crença Que tudo isso vai parar / E a gente continuando Deixando o mundo pensar Quero te apertar / Quero te morder e já Só sinto uma dúvida no ar... Sem dúvida, viva o Ultraje a Rigor. É bem mais saudável! Nota (1) O rock-gay já comporta toda uma discografia, tantos são os instrumentistas, compositores e grupos que tem apelado, seriamente ou por pirraça, a louvar o homossexualismo. Entre os grupos internacionais que, mais recentemente, embarcaram nesta canoa estão o Frank Goes To Hollywood e The Communards, de quem a Polygram acaba de lançar um elepê. LEGENDA FOTO - Ultraje a Rigor: Imagem machista e louvando as delícias do amor heterossexual em "Sexo".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
19/04/1987

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