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Aramis

Simon tira máscara dos nossos artistas

No Brasil só nos últimos anos passou a se desenvolver um novo gênero editoral: o livro jornalístico, com entrevistas de personalidade de diferentes setores. Nos Estados Unidos e Europa, há muitos anos que os artistas e políticos tem sido focalizados, em longas entrevistas pessoais, ocupando centenas de páginas e podendo desenvolver raciocínios claros, expor ideias e discutir propostas, que, normalmente, as limitações dos espaços dos jornais, revistas e, especialmente, programas de televisão, não permitem. Recentemente, ainda, duas obras trouxeram o pensamento vivo e atual de dois mais prestigiosos nomes da literatura contemporânea. De uma série de conversas do jornalista Mathieu Galey com a escritora Marguerite Yourcenar, tornou-se possível "De Olhos Abertos" (309 páginas, Editora Nova Fronteira, tradução de Julian Castanõn), que proporcionam um retrato inteiro daquela que é, sem dúvida, uma das estilistas centrais do romance neste século. O livro, cheio de surpresas e revelações deliciosas, documenta a autora, da infância aos dias atuais. Já outros jornalista, Apuleyo Mendoza, trouxe em "Cheiro de Goiaba" (152 páginas, tradução de Eliane Zagury, Editora Record) um retrato informal e amigo de Gabriel Garcia Marques (Prêmio Nobel da Literatura), que, com se "Cem Anos de Solidão", foi o responsável pelo "boom" da literatura latino-americana no Brasil. Em suas longas palestras com Plínio Apuleyo Mendoza, amigo de longa data, jornalista e escritor com ele, Garcia Marquez falou de suas origens, como e por que começou a escrever, as leituras que exerceram influências em sua formação literária, seu pensamento político, as mulheres, supertições, manias e gostos, e sua vida, hoje, como celebridade mundial, quando nada mais resta da vida boêmia que levou em jovem, dias em que o nascer do sol o surpreendia ainda numa redação de jornal, num bar ou num quarto qualquer. xxx Embora sem focar um único entrevistado, mas sim 14 de nossos mais conhecidos e respeitados nomes do teatro, o jornalista, radialista e produtor musical Simon Khoury, realizou um trabalho fascinante e significativo, no campo jornalistico-editorial: os dois alentados volumes de "Atrás da Máscara" (Editora Civilização Brasileira, 1984). São 788 páginas nas quais Simon Khoury editou, de forma jornalistica, inteligente e objetiva, centenas de horas de entrevistas com Gianfrancesco Guarnieri, Ítalo Rossi, Jardel Filho, Jorge Dória, José Wilker, Juca de Oliveira, Leonardo Villas, Milton Carneiro, Othon Bastos, Paulo Autran, Raul Cortez, Rubens Corrêa, Sérgio Britto e Walmor Chagas. Produtor durante anos de um programa-escola do rádio brasileiro, o "Especial JB", nas quais apresentava, a cada semana, uma grande personalidade de nossa música popular, Simon Khoury sabe como conduzir uma entrevista, os pontos a aprofundar, o que é supérfluo e o que é fundamental. Essa técnica de grande profissional, a precisão das questões, e obviamente, a inteligência dos entrevistados resulta num material de primeira qualidade. Uma das mais queridas e simpáticas pessoas do jornalismo brasileiros, sempre atencioso e gentil, Simon entendeu que não era justo ficar de posse exclusiva do material que tem gravado e por isso, os dois volumes de "Atrás da Máscara" são apenas a primeira parte de um projeto ambicioso, que deverá ter seqüência com lançamentos futuros de pessoas relacionadas à música popular e ao cinema, num grande painel sobre quem faz a vida cultural brasileira. xxx Profissional da maior responsabilidade, Simon não ficou apenas nas entrevistas de arquivos, feitas há alguns anos. Ao contrário, na medida do possível, procurou atualizar todos os depoimentos, e, da parte dos entrevistados, encontrou a maior boa vontade. As conversas variam de enfoques, de nível, de intensidade vocabular, conforme cada um dos focalizados, obviamente. Há os que revelam sua pretensão, sua falta de humildade, há os que usam e abusam dos palavrões e os que mostram maior serenidade, mas isso tudo apenas contribui para fazer ainda mais perfeito tanto o título quanto o espírito desse lançamento: "Atrás da Máscara". Dos entrevistados, um já faleceu (Jardeu Filho), enquanto outro, Gianfrancesco Guarnieri, ocupa atualmente a Secretaria da Cultura do Município de São Paulo. Outros sempre fizeram apenas teatro, como ator. Como diz Flávio Rangel, no prefácio, a seleção dos entrevistados foi feita, aparentemente, levando-se em conta exclusivamente o valor de cada um e o poder da marca registrada que já deixaram na história do teatro de seu País. Dessa forma, temos um desfile de posições estéticas e pessoais distintas, visões de mundo original e diferente, que juntas, formam um vivo, rico e variado painel do teatro brasileiro de hoje. Concordamos integralmente com Rangel quando acentua que um bom jornalista é aquele que conhece a matéria-prima sobre a qual trabalha, e um bom repórter é o que sabe extrair o que deseja de seu entrevistado, deixando-o dizer o que quer, fazendo com que o público tenha uma visão nítida do ser humano atrás do mito. Simon Khoury é um jornalista competente e um homem que ama o teatro. Consegue extrair humanidade, humor, memória e poesia de seus entrevistados. Todos eles são artistas e a impressão que deixam é a de seu indesmentido amor pelo teatro. Na estante dedicada aos assuntos do palco de uma biblioteca ideal, esse livro não poderá faltar.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
12/07/1984

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