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Aramis

Só por Page, já vale esse filme de sonhos

Das cinco atrizes indicadas para o Oscar de melhor atriz coadjuvante, quatro são nomes totalmente desconhecidos no Brasil. A única veterana é Geraldine Page, 61 anos, 45 de vida artística e que pode ser vista no papel que lhe valeu a nomination, no Cine Lido I, ainda hoje e amanhã: ela é a Sra. Ritter, mãe do detetive corrupto que morre logo no início da fita. Geraldine aparece apenas em duas seqüências não ultrapassando a dez minutos na tela, mas sua interpretação é tão densa e emocionante que não será surpresa se na noite do próximo 25 de março for anunciada como vencedora nesta categoria (em 1978, foi candidata a melhor atriz, por seu trabalho em "Interiores", de Woody Allen, mas perdeu para Jane Fonda, por "Amargo Retorno"). Curiosamente, o filme que valeu a indicação de Geraldine Page ao Oscar - com o ridículo título de "Nos Calcanhares da Máfia" - está passando tão despercebido (e com reduzidíssimo público), como aconteceu já com dois outros filmes que igualmente trouxeram outros artigos igualmente indicados ao Oscar: "A Hora da Verdade" (The Karate Boys) e o excelente "Um Homem Fora de Série" (The Natural), que deu a Glenn Close sua terceira nominação ao Oscar de Melhor Atriz (nos últimos dois anos concorreu por seus papéis em "O Mundo Segundo Garp" e "O Reencontro", respectivamente). Só o fato de trazer uma atriz indicada ao Oscar em seu elenco, já deveria fazer de "Nos Calcanhares da Máfia" merecedor de lançamento mais atraente. Entretanto, sua estréia aconteceu de forma obscura, sem qualquer motivação para o público - que perde, assim, um filme inteligente, bem realizado e com uma segura direção. De um romance de Vicente Patrick - "O Papa de Greenwich Village" (lançado com este título pela Record, há alguns meses), roteirizado pelo próprio autor, Stuart Rosenberg conseguiu mesclar amargo humor com um cenário já visto por dezenas de vezes: o submundo de Nova Iorque, os pequenos marginais, os chefes mafiosos - roubos, crimes, corrupção e violência. O curioso neste "Village Dreams" - o belo título original, infelizmente não aproveitado no lançamento no Brasil - é que não se trata de grandes criminosos. Charlie (Mickey Rourke) é um malandro elegante, as voltas com a pensão de uma esposa e o relacionamento com uma bela bailarina, Diane (Daryl Hannah, a atriz revelada em "Splash"), que demitido do emprego de maitre de um restaurante aceita participar de um ingênuo golpe bolado por seu primo, o atrapalhado garçom Paulie (Eric Roberts). O próprio chefe mafioso, Eddie Sanguessuga (Burt Young) é também a caricatura de um cappi - chegando a um final ridículo. Os pequenos sonhos de cada personagem - o restaurante com que Charlie imagina como sua redenção, a segurança que o arrombador de cofres, Barney (Kenneth McMillan) quer dar ao filho retardado, a vitória do cavalo do qual Paulie é sócio - são os ingredientes que dão uma certa magia aos deserdados da sorte. Um filme que traz um bom roteiro e, sobretudo, a direção inspirada de Stuart Rosenberg, 57 anos, carreira irregular mas com alguns momentos felizes - como o lírico "Um Dia em Duas Vidas" (April Folls, 1969), e duas corajosas denúncias do sistema penitenciário - "Rebeldia Indomável" (Cool Hand Luke, 67) e "Brubaker" (1980). Sente-se em "Nos Calcanhares da Máfia" um filme no qual os personagens foram demoradamente trabalhados. Assim, intérpretes jovens como Eric Roberts (o marido-gigolô - assassino de Mariel Hemingway, em "Star-80") tem uma atuação excelente, assim como Mickey Rourke (visto no lírico "Quando os Jovens se Tornam Adultos/Dinner"), também compõe o ótimo malandro Charlie. Dois coadjuvantes expressivos - Tony Musante (Tio Pepe) e Burt Young (Eddie Sanguessuga) completam o elenco sem falar, obviamente, no show de interpretação que garantiu a Geraldine Page sua indicação ao Oscar. A fotografia de John Bailey não glamuriza os cenários pobres de Nova Iorque - a sujeira das ruas, o desalento dos ambientes - aos quais a excelente idéia de Dave Grusin, responsável pela trilha sonora, em usar a belíssima "Summer Wind" - na voz de Frank Sinatra - contrapõe toda uma ironia. Na trilha sonora, ainda outras canções - "Luna Luna Luna Lu" e "Sixteen Tons" por Lou Monte; "Just to Walk that Little Girl Home" (Mink de Ville) e "Heartaches" (Ted Weems). "Nos Calcanhares da Máfia", um filme surpreendente e atraente - infelizmente desperdiçado numa única semana de exibição. LEGENDA FOTO - Eric Roberts e Mickey Rourke: os sonhos dos pequenos marginais em "Nos Calcanhares da Máfia".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
28/02/1985

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