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Aramis

Sonhos da Juventude

Ao lado de "Noites do Sertão" (de Carlos Alberto Correia, ainda inédito em Curitiba), esse "Idolatrada" (cine Groff, até amanhã) constitui-se em agradabilíssima surpresa de um revigorado e talentoso cinema mineiro. Se fôssemos dar uma nota, não teríamos dúvida em atribuir um 9 ½ a esse longa-metragem de estréia de Paulo Augusto Gomes. Limpo, tecnicamente, sensível, bem acabado, humano. Alguns adjetivos que cabem a essa lírica crônica de uma paixão da juventude, nos anos 30, na provinciana Belo Horizonte de poetas e escritores, nos quais o ainda tímido Carlos Drummond de Andrade (citado respeitosamente) ainda não era entendido em seu modernismo de "No meio do caminho havia uma pedra". Proprositalmente, a câmara de Dileny Campos demora-se em focalizar, muitas vezes, bibliotecas, cristaleiras, salas com a decoração daquelas casas antigas, bem mineiras! A cenografia (de Carlos Prieto) é um primor de reconstituição de época, colocando os personagens dentro de cenários esplendidamente felizes. Narrado em duas épocas, "Idolatrada" tem aquele toque de emoção que caracteriza os filmes feitos com muito amor. A seqüência de abertura - a missa em ação de graças pelas bodas de ouro do casal Luís (Mário Lago) e Alice (Carmen Silva) já coloca o espectador na intimidade daquela família mineira - feliz, tradicional ao ver uma efeméride conjugal tão significativa. Depois, a festa no velho casarão, a chegada inesperada do poeta maior (pode ser uma analogia a Drummond) e, quando os convidados se retiram, o velho casal, sentado na sala de jantar, mergulha em reflexões sobre sua vida em comum. De uma paixão que lhe marcou a existência e definiu sua trajetória. 40 anos antes, em Belo Horizonte, durante as férias da esposa com as crianças, numa estância hidromineral, Luís conheceu Helena (Denise Bandeira), carioca, em visita ao irmão (José Mayer), tuberculoso. Uma paixão envolvente, em três dias de intenso amor. Com essa estória terna e simples, mas de extrema empatia, Paulo Augusto Gomes constrói um filme da maior sensibilidade familiar, lembrando, indiretamente, "Chuvas de Verão" (de Cacá Diegues) ou "Em Família", em seu approach das pessoas simples, do dia a dia cinzento e monótono, pelo qual optamos, num certo momento, em nome da "Segurança", ao invés dos riscos e (a)venturas de amor. A confissão tão sincera que o velho Luís faz à companheira de 50 anos, que jamais imaginaria aquela terna infidelidade de há quase meio século, possibilita toda uma reflexão sobre as decisões tomadas em favor da família, capazes de castrar os sonhos individuais. Como tão bem observou Tuio Becker, na "Folha da Tarde", de Porto Alegre, quando o filme foi exibido em Gramado, Gomes fez um filme sofrido, uma espécie de ritual punitivo (...). A vida da província e a crônica de época surgem pontilhando o envolvimento amoroso de Luís e Helena, que - o espectador já sabe - terá o triste fim dos amores falhados. Luís amarga o passado e o cinema brasileiro recupera uma espécie de filme intimista e despreocupado com o bombástico e o escandaloso, que quase não se acredite mais possível. Do aprendizado da crítica (que exerceu a partir de 1967), Paulo Augusto Gomes, diretor, co-roteirista (com Márcio Alves Coutinho) e autor do argumento original, fez, anteriormente, três curtas ("Graças a Deus", 1978; "Os Verdes Anos", 1979; e "Sinais de Pedra", 1980). Nesse longa de estréia sente-se agora, o cineasta, preocupado com detalhes, dando a cada cena um acabamento extraordinário. Por exemplo, a seqüência do passeio no parque sugere algumas das mais belas imagens de "As Duas Faces da Felicidade" (Le Banheur, 1965, de Agnes Vardá), cuja temática central também pode ser lembrada (a confissão à esposa de uma grande paixão, só que no filme francês com um dramático final). Excelente ator, Mário Lago compõe um personagem extraordinário. As cenas em que seu rosto aparece apenas semi-iluminado, a reflexão e a tristeza de uma vida pequeno-burguesa que poderia ter sido diferente, traduzem os sentimentos. Mas todo o elenco funciona bem, harmonioso, inclusive da nem sempre aproveitada Maria Helena Dahl, num discreto personagem, revelador, entretanto, de toda a frustração sexual de uma mulher sensual contida em seus sentimentos. Tavinho Moura, hoje um dos mais importantes compositores mineiros, confirma aqui, mais uma vez, sua competência para trabalhar em trilhas sonoras. Assim como fez em "Noites do Sertão" (que já lhe valeu vários prêmios), Tavinho fez uma trilha na qual mesclou musical incidentais a temas próprios, com a ternura e amor de quem vive intensamente sua cidade. Aproveita, inclusive, uma bela composição de Neusa França ("Mariposa da Luz"), num dos mais belos momentos desse filme, que teve montagem de José Tavares de Barros, professor da UFMG e presidente da Associação dos Pesquisadores do Cinema Brasileiro. Um filme envolvente, que chega com atraso de dois anos e, infelizmente, tem tido reduzidíssimo público. Mais uma vez, os curitibanos deixam de assistir um dos melhores filmes do ano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
12/02/1985

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