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Aramis

Terra do Sonho Distante (I)

O gênero de cinebiografias não encontra, no cinema americano, muitos momentos maiores. Limitado por sua própria natureza e obrigado a concessões, raras vezes uma cinebiografia consegue ultrapassar o convencional e fazer as colocações devidas - situando o personagem, sua obra e o momento em que viveu. Da profissional série que o germano-americano William Dieterle realizou biografando vidas de homens como Juarez, Zola, Pasteur, etc. - as cinebiografias inspiradas na vida de compositores e cantores populares como Helen Morgam (1900-1941) ("Com Lágrimas na Voz", 57, de Michael Curtiz) ou Lilian Roth ( 1904-1948) ("Eu Chorarei Amanhã", 1956, de Daniel Mann) - chegando a recente transposição para a tela da autobiografia de Bilie Holiday (1915-1959), em "o Ocaso de Uma Estrela" (The Lady Sings the Bulues, 73 de J. Lee Thompson). xxx Assim, para quem esperava ver em "Esta terra é Minha Terra" (Cinema 1, hoje às 14h30m, 17 e 20h30m) apenas a biografia do cantor e compositor Woody (Woodrow Wilson) Guthrie (1912-1967), dentro dos padrões convencionais, a surpresa é grande. Em compensação, o entusiasmo cresce ao longo de cada seqüência deste filme de metragem acima do normal e que se inclui, fácil, entre os melhores da temporada. No ano passado, concorreu a seis Oscars, vencendo em duas categorias: trilha sonora adaptada (Leonard Rosennmann) e fotografia (Haskel Wexler). Cobrindo alguns da vida de Woody Guthrie - a partir de seus dias ainda em Pampa, Texas, 1936, "Bound For Glory" oferece ao público a oportunidade de conhecer Guthrie (de quem nunca foi editado um único disco no Brasil) não apenas como compositor e cantor, mas a participação política deste texano rebelde, brigão mas profundamente consciente, que trocou o sucesso fácil do rádio, em programas "coast to coast", os dólares seguros da concessão comercial em clubes e boates, pelas agruras de um trabalho musical político e de conscientização, desenvolvido nos anos 30/40 junto as camadas mais humildes da população americana. Muito mais do que a biografia de Guthrie, "Esta Terra É Minha Terra" é um sociológico documentário de um dos mais amargos períodos da economia americana: a década de 30, após o "crack" da Bolsa de valores em Wall Street, em 1929. O desemprego, a miséria, a falta de perspectivas que assolou os EUA, no grande desafio a administração de Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) - e que motivou o "New Deal", programa de recuperação do debilitado capitalismo ianque, teve uma imensa bibliografia a registrá-lo, não só no campo documental mas com reflexos na ficção. Destas, a mais conhecida obra é "As Vinhas da Ira" (The Grapes os Wrath), que John Ford (1890-1973) levaria ao cinema, tornando-se um clássico em sua filmografia (lamentavelmente esse filme nunca foi reprisado no Brasil, permanecendo praticamente inédito para o público com menos de 40 anos). A citação de "As Vinhas da Ira" em muitos textos escritos agora, a propósito de "Esta Terra é Minha Terra" não é gratuita. Pois entre o filme de Ford e este longa metragem de Hal Ashby, passados, 37 anos, encontramos o mesmo clima social: a imigração interna, na busca desesperada de milhares de famílias, que deixando suas cidades, procuravam a Califórnia como um sonhado Eldorado. Uma emigração rural, semelhante em muitos pontos aquela que, em nosso país, existe com os nordestinos deixando seus municípios, atraídos (e iludidos) pelo sonho do "Sul Maravilha". Os bóias-frias, triste realidade da agricultura do Norte do Paraná, São Paulo e alguns outros Estados, teve também sua variante na Califórnia da década de 30, como, documentalmente, Ashby destaca em ,longas seqüências deste filme, focalizando as favelas criadas pelas famílias miseráveis, ali chegando, em busca de emprego e tendo que passar dias, semanas, famintos, esperando a chance de trabalhar um único dia. o êxodo rural, os bóias-frias da Califórnia, os vagabundos e deserdados das estradas, viajando ilegalmente nos trens - e sofrendo toda a violência dos verdadeiros assassinos empregados pelas empresas ferroviárias para combatê-los moldou a temática musical de Woody Guthrie, um dos compositores mais admirados dos americanos, precursor do trabalho que Pete Seeger e, mais recentemente, Bob Dylan e Joan Baez - para citar os nomes mais conhecidos - continuam a realizar, em nossos dias, fazendo de suas canções, profundos hinos de denúncia a insensibilidade dos homens, a ganância, a violência, os interesses econômicos e políticos cantando, assim, em favor do povo, das minorias, pela defesa dos Direitos Humanos. Todos estes aspectos já fazem de "Bound For Glory" um dos filmes mais importantes produzidos nos EUA nos últimos anos, de visão obrigatória a todos que sabem valorizar as grandes obras do pensamento, da ação e da liberdade. (Continua)
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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19/02/1978

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