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Tramujas diz que o gauchismo é nosso

É sempre uma satisfação profissional quando um comentário ou notícia provoca uma manifestação inteligente e que pode complementar nossa observação jornalística. Assim acontece com a carta que recebemos do leitor Arthur Tramujas Neto, promotor de Justiça em São José dos Pinhais, a propósito de nossa coluna de sábado na qual registramos a gauchização crescente em Curitiba. Arthur Tramujas Neto, homem de visão sociológica e cultural, faz inteligentes e precisas observações em sua carta - com as quais, aliás, concordamos basicamente. xxx Paranaense de União da Vitória, curtindo e valorizando as coisas do Interior, Tramujas Neto não acha que o Paraná esteja se "gauchizando" apenas agora, e faz uma observação interessante - tema, aliás, que já levantamos no seminário "Linguagens e Rumos da Canção Brasileira", um dos eventos paralelos ao "Brasil de Todos os Cantos" (auditório Glauco Flores de Sá Brito, 6 a 8 de maio de 1982): as diferentes formas de expressão musical existentes no Brasil, dentro daquilo que muitas vezes se confunde com linguagem regional ou caipira. Assim diz Tramujas, que "existem no Paraná duas culturas bastante distintas, e que, na realidade, dividem o país justamente onde o clima muda; no meio, praticamente, do Paraná, onde desaparece o país tropical" e começa um Brasil temperado ou quase isso, um Brasil menos português. A cultura "caipira", assim chamada e objeto de interessantíssimos estudos, impera no Norte do Paraná, como em São Paulo, maior parte de Minhas Gerais, metade do Espírito Santo e até mesmo boa parte do Estado do Rio de Janeiro. É a cultura do "Jeca Tatu", do Tonico e Tinoco, do Leo Canhoto e Robertinho, da viola com aquela afinação que tão bem se conhece". "Na região Sul do Estado existe uma única cultura, tipicamente sulina, típica dos planaltos frios do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Pode-se chamá-la até de cultura "gaúcha", desde que não se ligue a palavra "gaúcho" ao Rio Grande do Sul exclusivamente, que é o que normalmente se faz. E desde que se saiba que o termo é castelhano, trazido por espanhóis das ilhas Canárias que por volta do século XVIII foram habitar a região de Montevidéu e que chamavam de "guanches" aos errantes mestiços de índios espanhóis que vagavam pelo pampa". Tramujas lembra que "gaúcho" é o símbolo nacional da Argentina (como do Uruguai), onde a palavra tem, hoje, ao contrário de ontem, o sentido de lisura, de honradez e até de meiguice ("Juan es un tipo bueno, es un tipo gaucho, macanudo te dás cuenta?..."). "gaúcho" está imortalizado no épico poema "Martin Fierro". xxx Assim, após mostrar a dimensão da palavra gaúcho, Tramujas volta ao nosso Estado para observar: - "Esqueçamos a região Oeste do Paraná, colonizada por gaúchos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, ainda muito ligados a seus municípios de origem, por tudo muito parecidos com nós do lado de cá. Encaremos o Paraná tradicional, aquele que vai até Clevelândia, até Guarapuava, até Pitanga, até Telêmaco Borba, até Jaguariaíva. Ou seja, o Paraná que existia antes da maravilhosa explosão do Norte, do Oeste, do Sudoeste. Com toda razão, nosso leitor indaga e responde: - Que Paraná é esse, o tradicional? Bem, este é o Paraná da erva-mate, do chimarrão, da geada, do poncho, do vanerão, do xote, da vanera, da gaita, do pinhão, do quentão de vinho e gemada, da araucária, do cedrinho, da bracatinga, e, às vezes, da neve. É o Paraná do leite-quente, do polaco, do italiano, do alemão". Homem do Interior, orgulhoso de suas origens, diz: - "Quem cresceu no Interior, como eu, conhece xote e vanerão desde "piá" (a palavra "piá", guarani, vem de tchê-piá, meu coração, a significar, como "china , vem de tche-ina, para as meninas), tomou chimarrão desde sempre (o Paraná é o maior produtor de erva-mate até hoje no país e a árvore é natural daqui), sem que isso tivesse qualquer ligação com o Rio Grande do Sul, no sentido de que esses costumes tenham vindo de lá. Muito pelo contrário. O chimarrão, por exemplo, seu uso como o fazemos hoje, erva e água quente (e nunca fervendo), os curitibanos aprenderam com os índios que aqui viviam e levaram, quando tropeiros, o hábito para o Rio Grande e o Uruguai; de onde se conhecia o hábito através dos índios guaranis que habitavam as margens dos Rios Paraná (já em território argentino) e Uruguai, porém com a forma de tererê, isto é, tomavam-no com água fria, como usam até hoje no Paraguai. Tão somente os guaranis do planalto frio o tomavam com água quente (quando não o mastigavam), o que, aliás, torna-o bastante diferente do tererê quente quanto a sabor e propriedades". xxx Nostálgico, Tramujas Neto recorda que "os ritmos do xote, do vanerão, da rancheira, etc., estão entre nós desde sempre. Curitiba, ao cosmopolitizar-se (infelizmente) perdeu muito. Perdeu suas casas de lambrequins, perdeu o fogão de lenha e com ele a sapecada de pinhão e a chaleira de água quente sempre pronta para um bom mate (O mate está em nossa bandeira estadual, é bom lembrar!). No entanto, em muitos bairros ainda vive o hábito e na minha casa está mais vivo que nunca (meus dois guris tomam). No interior, apesar das redes Globo da vida, impondo sotaques, truques e modismos que nada tem a ver conosco, o nosso som de cada dia jamais morreu, sempre esteve por aqui. O que acontece é que, no Rio Grande, o pessoal já se assumiu há muito tempo e passou a gostar de ser o que é". Paranaense apaixonado, Tramujas se choca também com a "colonização" cultural do Estado e gira sua metralhadora para a televisão, ao lembrar que em repetidas ocasiões, com os jornalistas Dante Mendonça, Renato Schaitzer e Renato Ribas, tem observado estes fatos. - "Não entendo e fico brabo, ao ver como as duas "irmãs siamesas" que fazem o "Jornal Estadual", no 12, podem falar com aquele terrível sotaque indefinido (meio baiano, meio caipira, meio carioca, meio catarina e meio sei-lá-o-que) e ninguém diz nada. O pessoal em se assumindo no Rio Grande (o que é admirável sob qualquer aspecto e deve ser imitado) colocou lenha na fogueira. A proliferação dos bailões, com esse tipo de música, não significa que nós estejamos nos gauchizando pelo simples fato de que sempre o fomos". xxx E antes de encerrar, Tramujas protesta: - "Já ouvi, desgraçadamente, várias vezes, e de gente que se julga culta, que Curitiba e o Paraná não possuem identidade cultural. Isso só significa que essas pessoas fecham os olhos (talvez porque não gostem do que vejam) para o "povão" (o termo é vulgar e enfadonho, concordo), buscando identificar-se com coisas outras que, talvez na sua infeliz ignorância e falta de amor ao próximo, admirem. Mais, mostra o quanto o salutar hábito da leitura está pouco difundido na cidade. Basta ler textos antigos, basta ler Saint-Hillaire, Roberto Avé-Allemand, etc., em suas visitas ao Paraná, enfim, basta um pouco de atenção a leitura histórica local, para que se compreenda que chimarrão, vanerão, ponchos e até mesmo as bombachas, jamais foram exclusividade do Rio Grande do Sul, que estão presentes entre nós há séculos, arraigados na cultura campeira paranaense, no Paraná tradicional. É em razão desta identidade cultural, que sem dúvida, une nós paranaenses do Paraná tradicional ao Oeste e Sudoeste do Estado, como ao planalto catarinense e rio grandense, e ainda ao Uruguai e a Argentina - (principalmente à "mesopotâmia", ou províncias do Litoral - Entre Rios, Corrientes e Misiones, como dizem eles), que o nativismo do Rio Grande está encontrando tanto espaço aqui. Tudo bem. Bem-vindos aqueles gaúchos. Mas o que trazem não é novidade. É só roupa nova. E de ótima qualidade, diga-se".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
02/07/1987
Excelente texto "Tramujas diz que o gauchismo é nosso". Defende com sabedoria o gauchismo típico paranaense. Me orgulha muito esta linda tradição campeira que contribuiu e muito para o desenvolvimento econômico e cultural do Paraná. Viva o Paraná Gaúcho.
Gostei do artigo e é o que sempre falo, ser gaucho ou gaúcho é muito mais do que nascer no Rio Grande do Sul, quem nasce no Rio Grande é Rio-Grandense. é cultura tradicional nossa, Sulamericana, e não fantasias de Cowboy que muito se vê por aí...

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