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Aramis

Um mergulho na noite da outra Nova Iorque

Interessante conhecer alguns detalhes da produção de "Depois de Horas" para entender melhor este filme. Martin Scorcese não filmava desde 1983, quando mostrou que Jerry Lewis pode ser um bom ator no dilacerante "O Rei da Comédia". Foi quando uma de suas melhores amigas e colaboradoras, Amy Robinson (por ele lançada como atriz em "Caminhos Perigosos"/"Main Streets") lhe mostrou o roteiro de um jovem escritor iniciante no Sundance Filme Institut, que Robert Redford mantém em Utah. O trabalho de Joseph Milion já havia impressionado o cineasta iugoslavo Dusan Makavejev ("Sweet Movie", "Montenegro") , que o recomendou a Amy, que, por sua vez levou ao produtor Griffin Dunne, com quem ela já havia realizado dois filmes (inéditos no Brasil). Griffin mostrou o roteiro a Scorcese que, desejoso de fazer um filme não teve dúvidas: topou levar "After Hours" ao cinema, realizando uma obra intrigante e surpreendente, que, no ano passado, lhe valeria o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes (onde, em 1976, seu "Táxi Driver" já havia obtido a Palma de Ouro). Como sintetizou o crítico Sérgio Augusto de Andrade, o enredo do "After Hours" (o título no Brasil é infiel ao espírito da designação original) é extremamente simples: Seu personagem principal, Pat Hackett (Griffin Dunne, também o produtor) sai de sua casa e vai ao encontro de Marcy (Rossana Arquette, a atriz de "Procura-se Susan Desesperadamente") em SoHo, e acaba envolvido numa sucessão interminável de acidentes que o voltar para casa, de repente, começa a parecer uma façanha impossível. Ele é confundido com um ladrão, é humilhado, é quase espancado perde todo o dinheiro e só conhece mulheres cujas inclinações mais imediatas vão da esquizofrenia ao suicídio. O filme inteiro se passa numa noite, no SoHo, e toda sua odisséia é precipitada por um detalhe insignificante: um encontro casual numa lanchonete barata, enquanto Hackett lia Henry Miller. Como a personagem mais famosa de Lewis Caroll, Pat Hackett também conhece um mundo novo quando interrompe sua leitura: as maravilhas de seu país, entretanto, são bem mais ambíguas e bem menos vitorianas. "After Hours" ambienta-se num bairro que começa agora ser badalado em Nova Iorque: o South Houston Street - conhecido como SoHo (não confundir com o Soho, de Londres, onde funciona o Ronnie's Scott, o melhor clube de jazz da Inglaterra). Originalmente era uma área fabril, comercial e de velhas casas de cômodos. Mas quando os industriais e comerciantes começaram a sair de lá, os galpões e armazéns foram transformados em casas e estúdios, com alugéis baratos, atraindo escritores, artistas, boêmios que já não conseguiam pagar mais os alugéis inflacionados de Greenwich Village. Recentemente, profissionais bem sucedidos e jovens corretores que gostam de viver perto da Bolsa de Mercadorias passaram para o SoHo, elevando os alugéis, inflacionando a área e estimulando butiques e restaurantes sofisticados. Neste espaço, Scorcese, realizou um filme "que faz derivar toda sua intriga de algo que é quase um acidente geográfico; um filme circunscrito a poucas ruas de onde seu personagem principal tenta desesperadamente escapar - em vão", como acentuou Sérgio Augusto de Andrade ("Jornal da Tarde", 17/1/87). O elenco traz intérpretes estimulantes. Verna Bloon, por exemplo, vista há alguns [meses] em "Dias de Fogo" (Médium Cool, do Haskel Wexler) e "O Estranho Sem Nome", de Clint Eastwood, tem uma atuação marcante. Linda Fiorentino, a sensual atriz de "Gotcha - Uma Arma do Barulho" também aparece num papel marcante e Teri Garr, que já ganhou uma indicação ao Oscar (melhor atriz coadjuvante em "Tootsie") também estão no elenco. Fotografia de Joseph Minion, música de Howard Shore - dois profissionais ainda pouco conhecidos. Na trilha sonora, aliás, o aproveitamento de uma das 10 mais belas canções americanas de todos os tempos "Is Then All There Is?", com Peggy Lee.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Cinema
13/02/1987

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