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Aramis

Um muro de arrimo para lembrar nosso Zé Maria

A temporada de Antônio Fagundes com o monólogo "Muro de Arrimo" de Carlos Queiroz Telles (Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, até domingo, 21h) possibilitará aos que acompanham o teatro em nossa cidade lembrarem-se, mais uma vez, da admirável personalidade de José Maria Santos, falecido no dia 5 de janeiro deste ano. Pois o bom Zé Maria, exemplo maior de trabalhador de teatro, foi um dos primeiros atores-empresários a montar esta peça de Carlos Queiroz Telles. Ironicamente, ficou também a imagem do grande José Maria Santos, com todo o seu idealismo e entusiasmo, trabalhando como o pedreiro desta peça, para que o Teatro da Classe se transformasse em realidade. Agora, quando do tão sonhado teatro reconstruído só existem as paredes - e uma ridícula polêmica em torno de se o mesmo deve ter (ou não) o nome de José Maria Santos, a questão é tão estúpida que nem merece que se perca tempo. Afinal, com exceção de dois inexpressivos "integrantes" da classe teatral e de uma "dirigente cultural", todos que sabem reconhecer o valor do grande paranaense que foi Zé Maria nem discutem a certeza de que o seu nome é o único que merece figurar no futuro teatro - quando (e se...) o mesmo for finalmente reconstruído. xxx A temporada de Antônio Fagundes no Teatro Guaíra, com seu monólogo sobre um operário brasileiro, em seu quotidiano cinzento e numerado, oferece a possibilidade do público ver um grande ator num papel menos glamorizado daquele que vem fazendo com regularidade no cinema, televisão e mesmo suas próprias superproduções, através da organizadíssima Companhia Estável de Repertório. Desde 1981, Antônio Fagundes fez oito grandes montagens, atingindo mais de um milhão de espectadores em diversas cidades: "O Homem Elefante" (1981); "Morte Acidental de um Anarquista" (1982); "Xandu Quaresma" (1984); "Cyrano de Bergerac" (1985); "Carmen com Filtro" (1986); "Nostradamus" (1987); "Fragmentos de um Discurso Amoroso" (1988) e, finalmente, no ano passado, "O País dos Elefantes", co-produção com o Ministério das Relações Exteriores da França e que representou o Brasil nas comemorações oficiais do bicentenário da Revolução Francesa e dos Direitos do Homem e do Cidadão. Apresentada durante três meses no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, e após, nos festivais de Avignon e Marseille, na França, foi vista por mais de 60 mil espectadores. xxx Escrita há 14 anos, a partir de uma notícia de jornal, "Muro de Arrimo" é uma peça que, infelizmente, continua atual - pois passados 16 anos pouco (ou nada) mudou para milhões de Lucas, operários anônimos que têm o seu dia tragicômico, procurando colocar o imaginário no futebol - nos momentos que antecedem uma partida decisiva para as pretensões da Seleção Brasileira na Copa do México (a ação foi atualizada para 1986, e com a próxima Copa, a situação não poderia parecer mais atual). É possível que um espetáculo intimista, com um único ator em cena, perca muito na imensidão do grande auditório do Guaíra. Compensa o fato de Antônio Fagundes ser um ator vigoroso e a direção de Antônio Abujamra ter sido muito feliz. O crítico Alberto Guzik escrevendo sobre "Muro de Arrimo" lembrou a origem real do fato que motivou a Queiroz Telles escrevê-lo: desolado pela derrota da Seleção Brasileira na Alemanha, um pedreiro enrolou-se na bandeira nacional e deixou-se morrer de desgosto. "Queiroz procurou descobrir os motivos desse indivíduo equivocadamente apaixonado. E fez uma obra de grande força que tocou o público na estréia, em 74, pela capacidade de sintetizar, numa única personagem, a hipocrisia e falsidade a que estavam submetidos os brasileiros. "Muro de Arrimo" transformou-se com o tempo em mais um símbolo de uma época negra, em que pensar era arriscado, e falar poderia ser fatal". LEGENDA FOTO - Antônio Fagundes, o operário em construção no monólogo de "Muro de Arrimo", em cartaz no Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
25/05/1990

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