Login do usuário

Aramis

Um pacote de filmes brasileiros

Quando o vídeo começou a chegar ao Brasil, os realizadores (de produtores a roteiristas) souberam se organizar pela chamada reserva de mercado. Afinal, se queria evitar a repetição no caso do mercado de vídeo o mesmo que por mais de 50 anos aconteceu na tela ampla: o domínio das cinematografias estrangeiras em detrimento do produto brasileiro. A luta foi feroz, atenta e, de certa forma, vitoriosa: a disciplina do novo mercado audiovisual já nasceu com uma reserva obrigatória no lançamento de filmes brasileiros em proporção ao que as distribuidoras trazem do Exterior. Claro que há inúmeros problemas. Discute-se a falta de validade para o cumprimento da lei de reserva em torno dos vídeos produzidos diretamente já na nova bitola - como programas de televisão (incluindo boas séries), vídeos didáticos e até hobbies (culinários, por exemplo), que, no entender das locadoras, deveriam cumprir a lei. Assim sendo, com as macetosas aulas de ginástica feminina - de Jane Fonda a Luiza Brunet - existe uma chance de se ter um bom estoque de "produtos nacionais". Esta questão está sendo agora regulamentada pelo Concine, num trabalho no qual Roberto Farias tem recebido muitas críticas - compensadas também pelo apoio de outros setores. As locadoras queixam-se - e nisto não deixam de ter razão - de que, em sua grande maioria, os filmes nacionais não tem a menor rentabilidade. Há títulos, que embora importantes, não chegam a ter uma única retirada. Também filmes antigos, embora importantes dentro da história de nosso cinema, permanecem praticamente ignorados pelo público que, culturalmente limitado, buscando apenas os "sucesso de agora", despreza, idiotamente, aquilo que de bom foi feito em nosso cinema. A questão é ampla, polêmica, mas uma coisa é certa: há uma grande validade na obrigação das distribuidoras em incluírem em cada novo pacote de lançamentos filmes brasileiros. Afinal, 80% do que continua a ser despejado mensalmente no mercado é constituído pelo lixo comercial do cinema internacional. Assim, nada mais justo, do que também a nossa produção tenha seu espaço garantido, independente da qualidade de cada produção apresentada. O GRANDE PACOTE - Na necessidade de cumprir o decreto de reserva do mercado, as distribuidoras estão esgotando o acervo do cinema brasileiro. Só que a maioria, apesar de contratar (e anunciar) a compra de títulos para edições em vídeo acaba fazendo uma pirataria ao inverso: produz quantidade mínima de cópias (10 ou 15 unidades) e, sob alegação de que as locadoras "não se interessam pelo produto" faz com que os mesmo não tenham a menor circulação. Ou seja: é como se não fosse feita a sua edição em vídeo. E com isto, até bons títulos dançam em termos de chegar ao público. A multinacional CIC Vídeo tem buscado um linha de filmes eróticos-violentos produzidos nos anos 70 - chocantes para a época, superados hoje. A Sagres está investindo no que há de melhor na nova produção - como "Terra para Rose", de Tetê Moraes, e "Que Bom Te Ver Viva", de Lúcia Murat, lançados em seu primeiro pacote, juntamente com uma seleção de curtas-metragens. Um exemplo de valorização do mercado. A Warner, cuidadosamente, está buscando para "Brasil Série" - identificados com logotipo definido - filmes interessantes, muitos dos quais são praticamente inéditos, já que quando foram lançados tiveram carreiras prejudicadas por diferentes razões. Paulo César Sarraceni, cujo novo filme, "Natal da Portela", só agora, três anos após suas filmagens, está concluído e, às vésperas de ser lançado (teve uma única exibição no VI FestRio, em Fortaleza), pode ser apreciado em 4 filmes importantes. "Porto das Caixas", 1962, baseado num texto de Lúcio Cardoso e que foi um dos primeiros filmes do Cinema Novo a ter música de Antônio Carlos Jobim. No elenco estavam Irma Alvarez (argentina, que vindo para o Brasil no início dos anos 60 fez muito sucesso), o então jovem Reginaldo Farias, Margarida Rey e até Sérgio Sanz, folclórica personalidade da cultura carioca. "A Casa Assassinada" foi outro filme de Sarraceni, baseado no romance de seu amigo Lúcio Cardoso (1913-1968), também com trilha original de Antônio Carlos Jobim. Enaltecido na época pela crítica - embora incompreendido pelo público - "A Casa Assassinada" trouxe vigorosas interpretações de Norma Bengell, Tetê Medina, Carlos Kroeber, Nelson Dantas, Augusto Lourenço e Leina Crespi. Filme maldito, praticamente inédito em vários Estados, "Amor, Carnaval e Sonhos" foi realizado por Sarraceni em 1972, trazendo a musa de Ipanema, Leila Diniz, numa de suas últimas aparições na tela (ela morreria, tragicamente, pouco depois, num acidente aéreo quando retornava de um festival de cinema na Austrália), Hugo Carvana, Arduíno Colessanti, Ana Maria Miranda e o próprio Sarraceni atuam neste filme com temática ligada ao Carnaval - e a qual, Paulo César, retomou agora em "Natal da Portela". Baseado numa novela de Paulo Emílio Salles Gomes, "Ao Sul do Meu Corpo", que Paulo César realizou em 1981, teve problemas com a censura e, quando de sua estréia, foi pouco visto. Por isto, é importante reapreciá-lo agora, em vídeo. Com Ana Maria Nascimento e Silva, Paulo César Pereio e Nuno Leal Maia, neste filme estreou como compositor de cinema o jovem Sérgio G. Sarraceni, filho do produtor Sérgio Sarraceni - que tem viabilizado todos os projetos do irmão. Hoje Serginho já é um compositor consagrado, com uma obra marcante. MUDA BRASIL - Foi um documentário que Osvaldo Caldeira ("O Grande Mentecapto") realizou em 1985, no calor da campanha das Diretas Já e da frustração que sucedeu a morte de Tancredo Neves. Do mesmo Caldeira é, "Bom Burguês", ficção-política - mas com base em personagens reais - que realizou em 1983. Prejudicado na época por naturais comparações ao extraordinário "Pra Frente, Brasil", de Roberto Farias, o filme de Caldeira, estrelado por José Wilker, Betty Faria, Jardel Filho, Cristiane Torloni, Anselmo Duarte, Nicole Puzzi, Nelson Dantas e Nelson Xavier, merece ser (re)apreciado agora, ao ser colocado nas locadoras pela Warner.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
8
25/01/1990

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br