Login do usuário

Aramis

Um padre em crise e Trotski, Burton em seus últimos anos

Produção de 1979 e que chega ao Brasil com atraso de onze anos - e isto porque a Alvorada queria lançá-lo também em vídeo - "Absolvição" pertence à fase final da carreira de Richard Burton (1925-1984). A bebida, as relações de amor-ódio-amor com Elizabeth Taylor e uma carreira marcada por um sucesso dolorido - e que fez ele e Liz, numa determinada época, estarem entre as pessoas que recebiam mais dinheiro no mundo - no final dos anos 70 já apresentava sinais de crepúsculo. Conta Melvyn Bragg, um dos biógrafos do ator ("Rich - A Vida Fascinante de Richard Burton", 501 páginas, 1988), que ao aceitar fazer "Absolution", Burton ainda estava na chamada fase pré Susan Hunt - nome de sua penúltima companheira e que, por algum tempo, tentou colocar em ordem a sua vida. O projeto do filme existia desde 1970 e o mais que o diretor, o desconhecido (e que assim continua no Brasil) Anthony Page, contou o fato do roteiro ser de Anthony Sheffer, irmão de Peter Sheffer, amigo de Burton e autor de "Equus", que ele havia feito no teatro e no cinema (1977, direção de Sidney Lumet). Burton vinha de dois filmes de ação de Andrew V. McLaglen - "Selvagens Cães de Guerra" (The Wild Gueese, 1978) e "Ruptura das Linhas Inimigas" (Breakthrought, 1979), e o papel de um sacerdote em crise, o tentou. O adiantamento foi de US$ 125 mil - bem menos que seus honorários normais na época. Porem, o papel do padre que ouvia a confissão de um assassino no contexto de uma escola particular inglesa o intrigou. Seu desempenho é bem satisfatório e o filme não lhe causou nenhum mal. Billy Connoly, um escritor-comediante escocês, também estava no filme e como muitos da nova geração de escritores, atores e diretores britânicos, afeiçoou-se admiravelmente a Burton: "Burton não percebeu que na Inglaterra ainda havia um eleitorado para ele: tudo que precisava fazer era voltar e reclamar a coroa". Assim, as filmagens de "Absolvição" - feitas na região rural na Inglaterra e nos estúdios de Pinewood - foram num astral bem melhor do que oito anos antes, no México, haviam marcado "O Assassinato de Trotski" (em reprise, Cine Groff). Quando o diretor Joseph Losey (1909-1984), envelhecido e bebendo muito, ausentava-se do set de filmagens, o que levou Burton a se autodirigir em muitas seqüências. Apesar do filme sobre o revolucionário russo ter sido um sucesso - e prova disto é a boa aceitação deste reprise - as condições em que foram realizadas as filmagens levavam a supor por um grande fracasso. Conforme a biografia "Rich", Losey estava fora de forma, tão cansado e bêbado que o roteiro transformou-se cada vez mais em longos monólogos baseados total e cruelmente na capacidade de Burton arcar com cenas inteiras em pequenos espaços, falando trechos tirados de discursos e cartas. O tom da prosa era bombástico e acabou sendo mais uma baboseira comercial. Entretanto, na tela - seja em "O Assassinato de Trotski" ou neste subvalorizado "Absolvição" - (um fracasso de público tão grande que no sábado, só houve uma das 4 sessões no Cinema I, com 7 míseros espectadores), Burton não deixa de mostrar o maravilhoso ator que sempre foi. Como o padre Goddard - e o nome já é simbólico - que se desespera ao ver o seu aluno favorito, Benji (Dominic Guard) afastar-se de sua influência e se extasiar com um mundo fora dos verdes campos do seminário em que estuda, Burton cria uma interpretação magnífica. Um roteiro denso, dramático, com elementos de suspense e um final surpreendente se for mantido em segredo, como revelação ao espectador - faz com que Burton conduza, praticamente, este filme que discute e analisa aspectos da fé, do ensino, da religião e dos mistérios da confissão. Uma nova geração de atores - num elenco basicamente masculino, com uma fotografia esmerada de John Coquillon que consegue ser feliz no resplandecer das verdes paisagens como captar, nos interiores, o drama dos personagens, emoldura o filme. Um dos mestres da música de cinema na Inglaterra, Stanley Miers, também criou uma trilha nervosa, integrada ao desenvolvimento deste filme em que Burton, rosto marcado pela bebida e já doente, deu tudo de si. Posteriormente, faria apenas "Tristão e Isolda", de Tom Donovan e "Círculo de Dois Amantes", de Jules Dassin (disponível também em vídeo) e a minissérie "Ellis Island", em 1984, de Jerry London - já apresentada pela Rede Globo. "Absolvição" merece ser visto - se não como uma homenagem a um dos maiores atores do cinema, mas porque tem seus indiscutíveis méritos artísticos. Pena que, na tela ampla, mais uma vez, a "culta" platéia curitibana o tenha transformado num dos maiores fracassos do ano - visto por apenas 75 espectadores nos três primeiros dias de exibição.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
14/08/1990

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br