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Aramis

Uma força para o Beijo ficar mais brasileiro

Para não dizer que não falamos de rock! Hoje e amanhã, no Teatro Paiol, o grupo Beijo AA Força faz duas apresentações (21h, ingressos a Cr$ 200,00) com um motivo especial: lançar a primeira fita gravada pelo selo Juke Box (seis músicas, Cr$ 500,00), anteriormente já levada em São Paulo e Rio de Janeiro. Num universo de mais de 70 bandas de rock - das quais, não chega sequer a 10% as que têm condições para enfrentar a barra do profissionalismo, o Beijo AA Força tem, no máximo, a persistência como destaque. Resultado da antiga ContraBanda - do início dos anos 80, e que deu origem a duas outras - Ídolos do Matinê e Opinião Pública - o Beijo AA Força já está há sete anos na estrada, com uma formação que tem sofrido poucas mudanças e que, com apoio dos irmãos Luís Cláudio e Carlos Oliveira, donos do Juke Box (Rua 13 de Maio, 731), loja voltada basicamente a discos de rock - e que ensaia também se tornar uma etiqueta alternativa (assim como aconteceu com a Baratos Afins, de São Paulo), o Beijo AA Força surpreende com esta sua primeira produção. Gravada nos estúdios da Gramophone, em dezembro do ano passado, com direção técnica de Ricardo Saporski e João Roberto, a fita dos jovens do Beijo AA Força apresenta bom nível de acabamento: a agência de publicidade Heads cuidou da diagramação/arte final da capa, que traz também as letras das músicas e ficha técnica. xxx Sem preconceitos contra o rock, é interessante ouvir esta fita que vale como amostragem de projetos maiores do grupo. Um de seus integrantes, Luiz Antônio Ferreira, 24 anos, paranaense de Jacarezinho, guitarra e vocal - estudante de Administração de Empresas, explica que a intenção foi "dar uma amostragem das várias vertentes que influenciam o conjunto" com seus cinco integrantes na faixa dos 20/30 anos e muitos anos de estrada roqueira. Assim é que se não escaparam da colonizada tentação de abrir, com uma pretensiosa música com letra em inglês ("Ideas Exploding", de Rodrigo/Renato/Trindade, da banda, mais o poeta Marcos Prado), há, em compensação, um momento de melhor nacionalismo, com Rodrigo Barros, 26 anos, brasiliense mas desde 1975 em Curitiba, mostrando ser um bom cantor e violonista no irônico samba "Povo Bobo", em parceria com Juca Kripta. Outra proposta com toque verde-amarelo, mas com uma visão anárquico-internacional, é a da última música, "Wispaniala Nowina" (O Amor é Capital), de autoria do crooner Kazik, da banda polonesa Kult, que em sua temporada em Curitiba acabou enturmando-se com os meninos do Beijo AA Força. Em cima de um texto compacto, livremente vertido por Rodrigo, "aproveitando o estilo de breque que parecia existir neste rock polonês" - explica Ferreira - foram incluídas minimalistas inserts, com transcrições originais de gravações de "Oh! Seu Oscar" (1941) e o "Bonde de São Januário" (1940), parcerias de Ataulfo Alves (1909-1969) e Wilson Batista (1913-1973); "Que é que Eu Dou" (1947, parceria de Dorival Caymmi com Antônio Almeida, não citado na ficha técnica) na interpretação malandra de Jorge Veiga (1910-1979); Carmen Miranda (1909-1955) com "E o Mundo não se Acabou" (1938) de Assis Valente (1911-1958) e Almirante (Domingos Foréis Domingues, 1908-1980) com "Chegou a Bonitona" (1948) de Geraldo Pereira (1918-1955), autor também de "Julieta" que havia entrado em "Povo Bobo". A idéia de, mesmo em fração de segundos, aproximar citações da época de ouro da MPB e um rock de uma banda polonesa - com um ritmo bem capturado instrumentalmente pelos garotos do Beijo AA Força, faz com que esta fita mereça audição. Se houvesse da parte dos programadores de nossas AMs/FMs a mesma consciência que existe nos radiodifusores gaúchos e baianos, em prestigiar os grupos de seus estados, a fita teria uma intensa divulgação - especialmente nas das faixas mencionadas. Os irmãos Prado - Roberto e Marcos, mais Thadeo Wojcieski (articulado do movimento "Sala 17" na PUC, há alguns anos), integram-se como letristas em outras faixas. Em "A Partida", uma letra mínima, enquanto "I.K.M." (Indivíduos da Kanhota Militante", com texto na "lynguagem nuova" que o jornalista-poeta Reynaldo Jardim (hoje residindo em Goiânia) introduziu na vanguarda curitibana no final dos anos 70, é um punk-rock curioso, originalmente com sua letra incluída em "Pérolas aos Poukos". Partindo de uma epígrafe do poeta baiano Gregório de Matos Guerra (1623-1696) - "Que Quer o Brasil que me Persegue?", utilizada por Roberto Prado no seu programa "1ª Aula de Cartografia Aplicada", Ferreira desenvolveu uma música que, passados 3 séculos da indagação do autor de "Boca do Inferno", adquire um sentido político, aproximando-se do rock-protesto que outros grupos (Titãs, Legião Urbana, Peble Ruda, etc.) tem recheado, nem sempre com sutileza, com seus discos. Tanto é que "Que Quer o Brasil que me Persegue?" acabou sendo o nome da fita e do show com o qual Beijo AA Força apresenta-se agora. "Dizem que existe um mapa que diz onde eu estou nele o lugar onde nasci fora os inimigos que perdi outra lenda diz pra eu falar o que a minha língua quer dizer nota zero pra mim mais uma vez desculpa não cola o que partiu onde quer que eu vá tem um Brasil".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
16/05/1990

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