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Aramis

Uma raça e dois enfoques na tragédia da II Guerra

Em "Bem Vindos ao Paraíso" (Bristol, até amanhã em exibição), o Sr. Kawamura (Sab Shimono), patriarca de uma família nissei, vivendo na "Little Tokyo" de Los Angeles no final dos anos 30, tenta evitar que sua filha Lily (Tamlim Tomita) case-se com o operador de seu cinema, o rebelde irlandês Jack McGurn (Dennis Quaid). Como Romeu & Julieta, enfrentam a oposição paterna e vão viver em Seattle, onde nasce a filha Mini. A rebeldia de Jack antecipa a separação e uma tragédia maior acontece: com o ataque a Pearl Harbor e a entrada dos Estados Unidos na II Guerra Mundial, milhares de famílias japonesas são confinadas em campos de concentração distantes das grandes cidades. A família Kawamura esfacela-se: o pai, acusado de colaboracionista com os americanos, desprezado pelos compatriotas, entra em processo de neurose; um dos filhos, Harry (Ronald Yanamoto), ator em filmes classe B ("Sempre fazendo papéis de chinês" - queixa-se no início), engaja-se nas tropas americanas e acaba morrendo como herói enquanto outro irmão, Charlie (Stan Egi) se mantém fiel ao Japão e acaba naquele país. As irmãs Dulcie (Aremi Nishimo) e Joyce (Naomi Karano) também seguem caminhos diferentes. Em "Black Rain - A Coragem de uma Raça" (Cine Groff, 5 sessões), há uma anti "love story", mas igualmente trágica: no dia 6 de agosto de 1945, quando explode a bomba atômica sobre Hiroshima, uma menina, Yasuko (Yoshiko Tanaka) está na barcaça a caminho da casa do seu tio, Shigematsu (Kanzuo Kimatura), rico proprietário de terras. Recebe a "Chuva Negra" (15 minutos após a explosão da bomba a 570 metros de altura, uma nuvem atômica carregou partículas radioativas para o céu e caiu então a chuva lamacenta, que espalhou material radioativo no solo). Com seu tio e a tia Shigeko (Etsuko Ichihara), a menina Yasuko atravessa Hiroshima destruída até chegarem a uma propriedade que não havia sido atingida. As cenas da cidade destruída - com sua população atingida até os ossos, perdendo peles e carnes, desfigurados ou carbonizados, constituem imagens de um impacto raras vezes visto na tela. Cinco anos depois, Yasuko é uma jovem bonita, que seus tios desejam ver casada. Apesar de uma carteira de saúde garantir que ela tem bom estado físico, os pretendentes temem uma possível contaminação. Apaixona-se por um neurótico de guerra, Yuti (Keisuke Ishida), escultor de talento mas que sofre as conseqüências da guerra. As conseqüências da radiação - sobre os sobreviventes (quando da explosão em Hiroshima, morreram 70 mil pessoas): pouco a pouco vão morrendo e, no final simbólico, o velho Shigematsu, ao ver sua sobrinha Yasuko ser levada ao hospital, fala em Arco Íris & esperança. Entre a corajosa visão que o inglês Alan Parker fez sobre um assunto praticamente ignorado na história oficial (e nunca antes abordado no cinema) - os campos de concentração para os japoneses nos Estados Unidos (embora sem crueldade, as famílias confinadas não deixavam de serem prisioneiras de guerra) e a reflexão de Shoei Imamura em torno da maior tragédia - a bomba atômica - em ambos mostrando os japoneses de um lado humano, sensível - ao contrário daquela imagem de "terror amarelo" que por tantos anos foi estimulada pelo cinema americano. A coincidência na exibição destes dois filmes atuais - ainda mais quando o mundo continua a viver a insanidade de uma guerra ainda mais cruel por suas imagens, atingirem aos nossos olhos, 24 horas por dias, nas telas da televisão, justificaria que tanto o filme de Alan Parker como o de Imamura deveriam merecer maior atenção de todos que sabem ver no cinema objeto para reflexões e debates. Infelizmente, "Welcome to Paradise", mesmo sendo uma quase superprodução, requintada e visualmente perfeita, encerra já amanhã sua carreira ("Chuva Negra - A Coragem de uma Raça" deve prosseguir por mais alguns dias). Parker, 46 anos, que tem marcado sua obra por momentos em que levantou assuntos polêmicos - como a repressão & as drogas em "O Expresso da Meia Noite" (1978) e o racismo em "Mississipi em Chamas" (1988), se não conseguiu fazer de "Bem Vindos ao Paraíso" um filme perfeito (em certos momentos a "love story" se sobrepõe à discussão da questão mais séria) - vale, de qualquer forma, por ter lembrado um pecado americano - e justamente oficializado por um presidente que sempre foi o símbolo da democracia (Franklin Delano Roosevelt, 1888-1945), necessário de ser melhor conhecido (afinal, é bom lembrar que o Macartismo, outra mancha na história dos EUA, só a partir de "Testa de Ferro por Acaso / The Front", 1976, de Martin Ritt, começou a ser revisto no cinema). Sem dúvida que numa comparação entre estes dois filme, Shoei Imamura, 65 anos, leva o melhor. Rodado em 1989, em preto e branco, seu "Black Rain" (não confundir com o filme de Riddley Scott, sobre Yazuka, a Máfia Japonesa, produzido em 1988) é cortante. Só pelas imagens da Hiroshima destruída pela bomba atômica (Nagasaki seria também destruída pela segunda bomba, jogada 2 dias depois), o filme ficaria na retina do espectador mas, dentro de uma precisão perfeita, Imamura não fica apenas no documental. Ao contrário, sua câmera penetra psicologicamente no comportamento dos sobreviventes, inclusive num exercício memorialístico - que pode estabelecer pontes de referência ao clássico dos clássicos, "Hiroshima, Meu Amor" (Hiroshima, Mon Amour), que, há 32 anos, era não só o maior momento da Nouvelle vague mas a obra definitiva de Alain Resnais.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
27/02/1991

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