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Aramis

Uma superprodução sobre mulher messiânica encerrará o festival

Brasília - Superprodução de um milhão de dólares, rodada no segundo semestre de 1989 no estado de Goiás - mas só finalizado há poucas semanas, "A República dos Anjos" será o filme de encerramento deste 24o. Festival do Cinema Brasileiro - na noite da próxima terça-feira, 9 - antes de serem anunciados os premiados com o troféu "Candango" e entregues os cheques de quase Cr$ 30 milhões em duas dezenas de categorias. Há 18 meses, na edição de 26 de novembro de 1989, fomos os primeiros jornalistas a dedicar uma matéria, em cores, de quatro páginas a esta superprodução que originalmente se chamava "Santa Dica", forma carinhosa pela qual a personagem central da história Benedita Cipriano Gomes (sítio Ipanema, Pirenópolis, Goiás-13 de abril de 1909 - Lagoa, Goiás, 9/11/1970) era conhecida. Personagem [messiânica], um misto de curandeira e líder campesina, Santa (ou Dona) Dica foi uma presença forte no Interior goiano durante quase 20 anos. Aos 13 anos já se sentiu manifestarem seus dons proféticos e milagrosos, atraindo ao pequeno povoado de Lagoa (hoje Lagolândia), um número imenso de peregrinos que vinda de uma família de camponeses, torna-se-ia líder do único movimento messiânico do Centro Oeste. Em apenas dois anos (1923-25), o povo de [Lagoa] se firmou como comunidade e Santa Dica seria uma influência política na região - como Antonio Conselheiro em Canudos, e os monges na região de Contestado e os Muckers no Rio Grande do Sul. Nas margens do Rio dos peixes - que os seus fiéis chamavam de "Rio Jordão" - Dica realizou suas primeiras curas e transmitiu ao seu povo o "recado dos anjos". Ali, desde as primeiras horas da luz do dia, a comunidade formava um mutirão na terra ao som de cânticos de trabalho. Para garantir-se a subsistência e a segurança, a partir de suas necessidades, pregava-se no reduto a igualdade, a luta pela abolição dos impostos e a distribuição de terras sob o lema A Terra é de Deus. Por sua liderança, Santa Dica passou a ser utilizada por chefes políticos da região. O seu poder e a evolução de sua comunidade, porém, despertaram atenção e causavam preocupações das autoridades - que temiam a formação de um novo Canudos na região. Após um dos seus transes - em que tinha "encontros" com anjos - ela resolveu organizar os camponeses, formando um exército popular. Em 1924, por ordem do governador de Goiás, Miguel da Rocha Lima, o comandante da Polícia Militar convocou Santa Dica e seu povo para interromper a entrada da Coluna Prestes - que se dirigia à Bolívia pelo Estado de Goiás. Ela seguiu para Anápolis, por onde passaria o grupo liderado por Siqueira Campos - e o confronto acabaria numa inesperada aliança. Em conseqüência, ao voltar à Lagoa, seu exército foi desarmado e começou a perseguição. Numa madrugada em 1925 Lagoa foi cercada pela PM e após [duas] horas e quarenta minutos de tiroteio, Santa Dica conduziu seu povo na travessia do Rio Jordão. Era época das cheias e se pensou que todos se afogariam - mas não houve nenhuma morte. Presos, foram para a cadeia em Goiás Velho, onde permaneceram nove meses. Um repórter potiguar, Mario Mendes, do "Correio da Manhã", se interessou pelos fatos e foi para Goiás. Acompanhou seu julgamento e se casou com dona Dica - levando-a a São Paulo (onde teria conhecido a pintora Anita Malfadi) e ao Rio, onde se tornou amiga do poeta modernista Jorge de Lima (1893-1953) - interpretado no filme pelo cearense Fagner. Perdoada pelo governador Brasil ramos Caiado, que havia assumido em 14/7/1925, Dica e Mário Mendes voltaram a Pirenópolis. Na revolução de 1930, ela voltou a usar sua liderança para apoiar o governo de Washington Luiz. Mas, nesta época, sofria a influência do marido, que com ambições políticas em 1937 foi prefeito de Pirenópolis, mas sendo deposto do cargo. Na revolução constitucionalista de 1932, Dica teve nova participação - ganhando inclusive a patente de capitão ao apoiar as tropas fiéis a Getúlio Vargas. Formou uma companhia de 150 homens autorizados a usarem fardas do Exército que se incorporaram ao Regimento Manoel Ravello acantonados em Uberlândia, Minas Gerais. A partir da segunda metade dos anos 30, Dica se dedicaria ao curandeirismo - falecendo 17 anos após a morte de seu marido (1963), tão pobre como sempre foi. A seu pedido foi enterrada em frente a sua casa em Lagoa, debaixo de uma velha gameleira. LEGENDA FOTO1 - Rodado em Goiás, com elenco numeroso, "A República dos Anjos" traz uma personagem esquecida do misticismo brasileiro: Santa Dica. O filme encerra - em exibição hors concours - o 24o. Festival de Brasília , na próxima terça-feira. LEGENDA FOTO2 - Carlos Del Pino, uruguaio radicado há 22 anos no Brasil, é o diretor-roteirista de "A República dos Anjos". Há 15 anos trabalhava no projeto.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
07/07/1991

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