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Aramis

Vá ver o filme mas não pense no livro

Há 39 anos, quando teve a feliz idéia de criar uma revista para publicar em quadrinhos os grandes clássicos da literatura, o editor Adolfo Aizen, 80 anos, baiano há mais de 50 anos radicado no Rio de Janeiro, teve o cuidado de redigir uma mensagem que, por 24 anos fechava sempre a revista "Edição Maravilhosa". "As adaptações de romances para Edição Maravilhosa são apenas um "aperitivo", um deleite para o leitor. Se você gostou, procure ler o próprio livro, adquirindo-o e organizando a sua biblioteca, que uma boa biblioteca é sinal de cultura e bom gosto." Assim, pelo menos três gerações que tiveram nas histórias em quadrinhos editadas por Aizen, da Ebal, uma formação cultural-visual, conheceram nas páginas da "Edição Maravilhosa" (cujo número um circulou exatamente em junho de 1948, com "Os Três Mosqueteiros", de Alexandre Dumas e, posteriormente, em "Album Gigante", "Epopéia" e mesmo na "Pequenina"), romances e obras clássicas que, de outra forma, jamais chegariam aos garotos e adolescentes dos anos 40/50. A referência ao aviso que Aizen cunhou há quatro décadas vale para um filme como "O Nome da Rosa". Quem ainda não leu o livro, em compensação, entenda que seria impossível transpor todo o texto num filme de duração normal. Seria intragável. Justamente a questão de cinema x adaptação literária é que tem preocupado grande parte dos espectadores (e da crítica), em relação ao filme, e fazendo, assim com que se minimize esta obras de Jean Jacques Annaud, 44 anos, francês de Juvisy-sur-Orge, e que apesar de ter, há 10 anos, recebido o Oscar de realizador do melhor filme estrangeiro ("Preto e Branco a Cores", exibido em 1981, no Cinema I, mas visto por pouquíssimas pessoas), ganha ainda, a vida realizando filmes publicitários ("A publicidade é o meu INPS", declarou a revista francesa "Premiére"). Excluindo seu inédito (no Brasil) "Coup de Tete" (um filme sobre futebol), Annaud passou a merecer atenção do público a partir do antropologicamente perfeito "A Guerra do Fogo", o melhor filme já feito em torno da pré-história. Ali, Annaud revelava sua visão cuidadosa, no buscar uma reprodução perfeita - o que se levaria a extremos neste "O Nome da Rosa". Produção na qual se empenhou por quatro anos, buscando os mínimos detalhes (e tendo, para tanto, recursos na ordem de US$ 20 milhões para suportar os custos de realização), Annaud oferece em "O Nome da Rosa" mais do que uma história, um enredo envolvente e extremamente inteligente, todo um painel da Idade Média no microcosmos de um mosteiro beneditino, no qual mortes misteriosas de monges provocam a investigação por parte de um culto franciscano, William de Baskerville (Sean Connery, de forma excelente) e cujo nome já remete, claramente, a homenagem a sir Arthur Conan Doyle (1859-1930), numa referência ao mais famoso de seus livros ("O Cão dos Baskervilles", 1902). A referência a Sherlock Holmes é acompanhada inclusive de um "Dr. Watson" na presença do jovem discípulo de Baskerville, o noviço monge beneditino alemão Adso de Melk (interpretado por Christian Slater, 16 anos na época das filmagens). "O Nome da Rosa" é (como o debate de quarta-feira, na galeria Saint-Germain De Prés provou) - um filme riquíssimo, no qual o plot da história é apenas um dos elementos - num universo de interpretações em torno da religião, do riso, dos livros, dos significados do labirinto na biblioteca - as relações da inquisição, a presença da mulher - tão bem representada pela única atriz, Valentina Vargas, 22 anos - enfim, numa extensão de imagens - nas quais, plasticamente, Annaud buscou em pinturas de Brughel, Bosch e Caravaggio, reproduções para seus personagens - com os frades lascivos, homossexuais, corruptos, depravados, grotescos e obscurantistas, em contraposição a iluminada presença do inglês (e franciscano) Willian de Baskerville. "O Nome da Rosa" é daqueles filmes que, partindo de uma obra literária fascinante e denifitiva (obra da maturidade de um homem aberto a todas as formas de comunicação e que foi o primeiro grande intelectual a se preocupar com a linguagem dos quadrinhos, em "Apocalípticos e Integrados", 1964), traz todo o vigor que sempre se exigiu para filmes definitivos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
2
21/06/1987
Também esste filme, já foi lançado em DVD nacional?

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