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Aramis

Vamos fazer por Carmen o disco que ela merece

Sei que amanhã quando eu morrer Os meus amigos vão dizer Que eu tinha um bom coração Outros até hão de chorar Vão querer me homenagear Fazendo de ouro um violão Mas depois que o tempo passar Sei que ninguém vai lembrar Que eu fui embora Por isso que eu penso assim Se alguém quiser fazer por mim Que faça agora ("Quando Eu Me Chamar Saudade", 1971, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito). xxx Carmem Costa gravou "Quando eu me chamar saudade". Entretanto, ninguém melhor do que esta grande cantora poderia interpretar com toda a amargura este verdadeiro hino-apelo que Nelson Antônio da Silva (1910-1986), o Cavaquinho, e seu parceiro, Guilherme de Brito, 70 anos, completados no último dia 3 de janeiro, compuseram há 21 anos passados. Pois numa simples estrofe - que constitui a epígrafe desta coluna - estes dois poetas do povo transmitiram a grande verdade: de nada adianta homenagens póstumas aos artistas que, em vida, sofrem a indiferença, a falta de apoio e reconhecimento aos seus talentos. Na quarta-feira, 17, lançamos o MPMP - Movimento de Prestigiamento aos Músicos do Paraná - que poderá também ser ampliada a "Música Paranaense". Uma idéia simples, que deverá motivar jornalistas, publicitários, empresários artísticos, boêmios, homens da noite e outros que sejam capazes de entender a necessidade de que nossos artistas - especialmente instrumentistas e cantores populares - tenham maior reconhecimento. Infelizmente, há mais de 30 anos acompanhando a vida cultural do Paraná notamos, cada vez mais, um estreitamento no mercado profissional, a falta de divulgação dos nossos profissionais, a indiferença dos "animadores oficiais" - que aboletados em bem remuneradas funções (pagas com o dinheiro público) na Secretaria da Cultura e, especialmente, na trágica e mastadônica Fucucu, muito pouco fizeram até hoje para que os talentos no Paraná encontrassem um espaço maior. A Divisão de Música Popular da Secretaria da Cultura, criada, após muita insistência, na administração Renê Dotti, além de estar praticamente desativada na gestão da professora Gilda Poli, corre o risco de perder suas unidades - Biblioteca Renee Frank e Sala Janguito do Rosário - conforme aqui denunciamos na semana passada. Na Fucucu, migalhas são dadas para alguns músicos e compositores paranaenses - enquanto milhões de cruzeiros têm sido gastos na atual administração em passagens aéreas, hospedagem e gordos cachês que beneficiam "artistas" - muitos dos quais de discutível talento - que são privilegiados pela "amizade" com a presidência da Fundação. xxx Oracy Gemba, 53 anos, um dos mais competentes diretores de teatro do Paraná - que após uma ausência de quase 10 anos dos palcos prepara-se para voltar a direção (encenando "O Carrasco do Sol", de Peter Schaeffer), tem sido, nestes últimos anos, uma das pessoas que mais se preocupa com a cantora Carmen Costa (Carmelita Madriaga), 72 anos completados no último dia 5 de janeiro. Gemba já a dirigiu em belos espetáculos levados no Teatro Guaíra e também no Teatro do BNH , no Rio de Janeiro e, semanalmente, telefona para Carmem, em seu humilde apartamento em um distante bairro carioca. E foi Gemba quem conseguiu que Carmem viesse a Curitiba, uma semana antes do Carnaval, para o lançamento de seu livro biográfico ("Carmem Costa, Uma Cantora do Rádio", de João Carlos Viegas, editora Revan) e também que participasse de um júri carnavalesco em promoção no Círculo Militar, que rendeu à cantora Cr$ 250 mil, que necessitava para comprar remédios. Gemba está preocupado com Carmem, que apesar da idade ainda tem uma bela voz - que desde os anos 40 tem criado inúmeros sucessos - e que poderia cumprir compromissos artísticos, se não houvesse a "tirania da juventude" - que exclui do roteiro de espetáculos as pessoas de maior idade. Mais uma prova de nosso subdesenvolvimento cultural: nos EUA, grandes damas da música, como Albert Hunger (1895-1984), Sarah Vaughan (1924-1991) e a própria Ella Fitzgerald - esta aos 74 anos a serem completados no dia 25 de abril - ainda em atividade e com uma possível tourneé pelo Brasil, a ser produzida pelo empresário Pedro Paulo Carneiro, que iniciará por Curitiba - são mostras de que a idade não limita as grandes artistas. xxx Há mais de um ano, com seu idealismo e entusiasmo, Mara Fontoura, cantora, compositora, líder do grupo As Nynphas, hoje na produção musical, através de seu estúdio "Gramophone", bancou a gravação de um elepê com Carmem mostrando ao lado de alguns clássicos de seu repertório novas composições, inclusive de sua autoria (que ela assina com o pseudônimo de Dom Madrid (*). Com participação de ótimos instrumentistas - inclusive o trombonista Raulzinho - o disco está gravado e já poderia ter sido lançado se Mara tivesse encontrado apoio na [iniciativa] privada ou no Poder Judiciário. Necessita menos de Cr$ 10 milhões para a confecção da capa e prensagem de 2 mil cópias, para que Carmem tenha um novo disco nas mãos que lhe possibilite um retorno artístico. Como também já denunciamos em nossas colunas, outra produção de Mara, através de Gramophone, com mais de 40 artistas paranaenses - entre intérpretes, músicos e compositores, está igualmente com a fita mixada, a espera apenas da capa e prensagem. Ou seja, com um investimento relativamente pequeno - considerando o que as nossas entidades tipo Fucucu (cujo custo/dia hoje já deve estar na casa dos Cr$ 12 a Cr$ 15 milhões) gastos com mordomias e gastos supérfluos, seria possível dar a música popular dois preciosos documentos. Embora nascida no Interior do Rio de Janeiro - a pequena localidade de Trajano de Morais, Carmem Costa é uma cantora profundamente identificada ao nosso Estado. Aqui tem passado longas temporadas e nas campanhas de Roberto Requião foi uma das artistas que subiu no palanque, para, cantando sucessos como "Está chegando a hora", atrair público nos comícios. Nada mais justo do que agora, no poder, Requião auxilie Carmem - e a nossa MPB - possibilitando que este disco seja lançado o quanto antes. Melancolicamente, Carmem, cabelos totalmente embranquecidos, desanimada por promessas não cumpridas, já repetiu várias vezes aos seus amigos: _ "Tenho certeza que na semana seguinte a minha morte muitos que até agora têm se recusado ajudar a edição do meu disco vão correr para patrociná-lo. Mas então será muito tarde e eu já não estarei aqui... Nota * Ao lado do clássico de seu repertório como "Está Chegando a Hora", "Ronda", "Quase", "Eu Sou a Outra", "Carmelito", Carmem gravou composições inéditas como "La Alouett et la Sabiá", "Tenessee Waltz" e "Marilyn Monroe", além de "Tombamento", no qual faz apelo para ser tombada em vida "pelos serviços que prestei à música brasileira'.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
20/03/1992

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