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Aramis

As vanguardistas parcerias deste talentoso Cavalcanti

"Uma canção não é uma letra entoada. Uma canção não é uma melodia que diz. Uma canção é algo que ocorre entre verbo e som, sem privilegiar nenhum deles". (Arnaldo Antunes, poeta, letrista). Noite destas, no sempre notável "Jô: Onze e Meia", o poeta e letrista Abel Costa, falou sobre a importância dos letristas e, surpreendentemente, mostrou também uma belíssima voz, acompanhando-se ao violão. Um profissional que tem uma obra do melhor nível, com vários (e importantes) parceiros (Suely Costa, Fagner, etc.). À lembrança me vem à mente ouvindo "Canções" (Polygram, agosto/91), álbum de estréia de Péricles Cavalcanti como cantor-intérprete. Nome já conhecido por suas composições, bom pianista, violonista e arranjador, ele mostra nada menos que 14 composições de primeiro nível num álbum em que também se saiu bem como intérprete. Identificado a Caetano Veloso, Gil e toda a vanguarda advinda dos anos 60/70, é natural que Péricles proponha um trabalho avançado, claramente explicado pelo seu amigo Arnaldo Antunes no lúcido texto que a Polygram distribuiu como release. Afinal, há quase duas décadas, Péricles Cavalcanti "vem nos brindando com alguns desses monolitos indivisíveis, nas vozes de Gal, Caetano, Miúcha, Asdrúbal Trouxe o Trombone (com o elepê da trilha de "A Farra da Terra", quase toda composta por ele), entre outros". Amigo e parceiro de papas da poesia concreta - mas que souberam se identificar à música brasileira na linha dos baianos - os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, Péricles não deixa, entretanto, de homenagear em "Dos Prazeres, das Canções", faixa de abertura, a estirpe de Herivelto (Martins), Caymmi, Sinhô Assis Valente, Wilson Batista, Noel, Heitor dos Prazeres. "Uma música cantada numa primeira pessoa que é, ao mesmo tempo, uma pessoa e a música - a pessoa ante a tradição, a MPB que passe pela boca de todos aqueles compositores" - como diz o Titã Antunes. Em seguida, já vem a primeira prova da erudição de Péricles: "Elegia", uma parceria com Augusto de Campos a partir de poema de John Donne, do século XVII. Apenas a sua voz e violão, suaves teclados (Sacha Amback) e a percussão de Marcelo Costa. Com o mesmo Augusto, é outro profundo vôo na erupção que tinha em Paulo Leminski (1944-1989), outro poeta músico tão identificado nesta linha: "Nuvoleta", a partir de um fragmento "Finegan's Wake", de James Joyce. Nesta faixa, Péricles faz o violão e uma locução, ao qual une-se à flauta e o teclado de Ricardo Rente, a percussão de Marcelo e o coral com Eveline, Marize e Simiana. Com Haroldo de Campos autor do clássico "O Balanço da Bossa" - estudo sobre a MPB dos anos 60/70 - é "Ode Primitiva", fragmento de uma das "Galáxias" do poeta concretista - que também já ganhou transposição em imagens num notável vídeo de Julinho Bressane. Nas outras faixas, Péricles trabalha sozinho - seja em quase haikais como "Quem Nasceu?", no sintético "Canto Maneiro" (em que só acompanha ao piano), no curioso "Farol da Jamaica", em "Música, Porque?", "Meu Bolero", no tropicalista "E Assim Será" - nesta utilizando o som do trombone (Mathias Capovilla), flauta (Ricardo Rente), congas e vocais. "Blues da Paisagem" (com Lulu Santos no violão elétrico e vocais), "Tudo sobre Eva" (aqui com Celso Fonseca nos violões elétricos), "Sonho Proteína" e "Sem Drama", completam este disco inteligente, criativo e que, observando o que disse Arnaldo Antunes, faz pensar naquele "mistério das letras de música", de que fala Augusto de Campos: "Tão frágeis quando escritas, tão fortes quando cantadas".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
08/09/1991

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