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Aramis

A verdadeira história de Rocky, um lutador

Celebrizado por David Bowie na Broadway e por John Hurt no cinema, o homem-elefante volta a andar pelas ruas, desta vez usando uma roupagem típica dos anos 80: calça tênis All Star, coleciona figurinhas do campeonato de beisebol de 1955 e planeja conquistar a Europa no melhor estilo Easy Rider, montado numa reluzente Harley-Davidson. Em Marcas do Destino (Mask), o garoto americano Rocky Dennis nasce com uma anomalia rara, semelhante aquela que fez a trajetória trágica do inglês John Merrick, em fins do século passado, e que deu origem a uma série infinita de peças, filmes, livros, bottoms e souvenirs. Rocky é desenganado pela medicina, que não lhe dá mais que 6 meses de vida. Contrariando os diagnósticos, ele chega aos 16, inteligente, personalíssimo e (pasmem), charmoso. Criado num ambiente realístico, embora com forte escolta, ele consegue se manter intacto, passando ao largo de sua diferença. Sua mãe, a gatíssima Cher, é uma remanescente hippie que transa o amor livre (coisa demodê) e abusa um pouquinho dos açucares e cristais. Os melhores amigos de Rocky são uma gang motorizada bem ao estilo Hell's Angels, só que mais domesticados. Os brutamontes aprendem a apreciar e amar Rocky Dennis, a princípio por identificação: ambos os blocos são feitos de exclusão. Ninguém quer sentar ao seu lado no ônibus. Mas Rocky é um carismático. Ele ocupa seu lugar no meio circundante com desenvoltura, sem forçar a barra. Lembram daquele garoto do colégio que sobressaía em todos os ambientes, que jogava todos os jogos e tirava notas em todas as matérias? Eles existem, os predestinados. O filme se baseia num fato real, mas o diretor, Peter Bogdanovich, não conseguiu esconder sua fascinação por Merrick, o homem-elefante clássico. O kit de catedral que John Merrick construía ao morrer é o roteiro que Rocky Dennis traçou no mapa da Europa. As free ways do destino fazem com que alguns de nós tenhamos as sombras nos calcanhares. Outros, como Rocky, um passaporte para a eternidade. Por baixo da monstruosidade plástica, uma enormidade dos sentidos. Longe de ser um panfleto, daqueles horríveis elaborados pelas associações de excepcionais, ou um melodrama hipócrita, montando numa cadeira de rodas, Marcas do Destino é um filme tocante. Você pode chorar, é claro. Mas de raiva, não de compaixão. Isso a gente sente pelos fracos, e Rocky Dennis nem tomou conhecimento. Como um homem comum, dos que andam, pensam, jogam na loteria e choram, Rocky amou, se sentiu traído, cometeu injustiças e acariciou o pouco de vida que conseguiu prender no vão dos dedos. O filme escolheu um cenário adequado. Um ambiente nostálgico dos 60, quase 70, embalado por canções de Grateful Dead, Suzi Quatro, Beatles, Little Richard e mais um montão de vulcões extintos. Festas com estilhaços do psicodelismo, do power flower entrando do desencanto. Tudo muito adequado, num filme que faz fungar de emoção. Basta a cena em que Rocky ganha a roupa de formatura, horas antes da cerimônia, ao abrir a porta da geladeira para pegar uma cerveja. Viver não dá muito trabalho: é tudo uma questão de entrega. Jotabe Medeiros (Especial para o "Almanaque") P.S. - Em que pese a crítica do jornalista Jotabe Medeiros, de Londrina, "Marcas do Destino" saiu de cartaz por falta de público na última quarta-feira e deu lugar - chorem - para Os Trapalhões. Não há previsão se retorna em outro cinema e nem há datas confirmadas para demais cidades do Paraná. Quando o filme passar aí em Londrina muito provavelmente terá mais sucesso: coisas de platéias bem informadas, inteligentes e atentas como o espectador Jotabe. (A.M.L.)
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Seção de Cinema
7
29/06/1986

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