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Aramis

Viagem ao tempo dos boleros e tangos com Vargas e Libertad

Há algumas semanas, quando o jornalista Irlam Rocha Lima, um dos mais importantes críticos de música de Brasília, foi entrevistar para a revista de vanguarda "Bric-a-Brac" o compositor Caetano Veloso, o encontrou em sua casa, no rio de Janeiro, rodeado de gravações históricas de música popular, editadas pela etiqueta Revivendo. Caetano, que sempre buscou conhecer a obra dos grandes mestres, mostrava-se particularmente fascinado pela chance de ouvir as vozes de ídolos como Francisco Alves, Carmen Miranda, Carlos Galhardo e até Vicente Celestino (de quem resgatou, na época do Tropicalismo, o kitsh "Coração Materno") nos Cds que o bravo Leon Barg vem editando. Marisa Monte, 24 anos, superstar de repertório internacional, é freguesa habitual da Colector's , Ipanema, RJ, onde é possível encontrar os quase cem discos da Revivendo que trazem o melhor da época de ouro de nossa MPB. Grandes nomes da MPB como Paulinho da Viola, em sua última passagem por Curitiba - tem visitado a mansão-arquivo de Leon Barg, sempre gentil e atencioso, mostrando os seus tesouros sonoros. Em menos de três anos, trabalhando somente com sua filha, a designer Lais, e com apoio técnico de Ayrton Pisco - ó único especialista em restauração de antidiluvianos registros em 78 rpm , Barg formou uma merecida dimensão nacional ao seu trabalho. Mesmo enfrentando dificuldades na distribuição de seus produtos especiais e alternando títulos de maior aceitação com alguns que permanecem encalhados em seu escritório na rua Barão do rio Branco, 28/36. Leon continua a lançar de três a cinco novos discos por mês - agora buscando cada vez mais a tecnologia do CD, com produtos de primeira qualidade. Nas últimas semanas colocou não apenas dois discos de grandes ídolos dos anos 30/40 - Vicente Celestino e Carlos Galhardo, como também ampliou internacionalmente seu cardápio - com duas antologias de tango - "Inspiración-Tangos de ayer e de siempre" e "alma de Tango", esta produção completada há meses, mas 'so agora saindo. Mas aos fãs da músicas hispano-americana o lançamento mais fascinante feito por Leon Barg é o Cd dedicado a Pedro Vargas (1909-1989). Como diz o incansável pesquisador Abel Cardoso Júnior, responsável pelas sempre didáticas notas de todos os discos da Revivendo , "na verdade ninguém mais do que Pedro Vargas soube representar a canção mexicana no que tinha de melhor e ninguém mais do que ele a divulgou vitoriosamente por todos os continentes". Ao morrer, há dois anos, Pedro Vargas deixou saudades num público acima dos 45 anos que acompanhou s sua carreira e suas grandes ligações com o Brasil. Em 1936, no apogeu do Cassino da Urca, ali fez temporadas marcantes, gravando também um disco com Olga Praguer Coelho (*) um histórico disco no RC Victor. Em 1940, participou do filme "Laranja da china", da Sonofilmes, cantando "Aquarela do Brasil". Em 1977, já em final de carreira - mais ainda em forma = dividiu um show no Canecão com o seu grande amigo Sylvio Caldas, resultado em documental álbum. De origens modestas, nascido num pequeno lugarejo (São Miguel de Allende) com enormes dificuldades fez seus estudos básicos e chegou a entrar na faculdade de medicina - mas não completou o curso. Aos 24 anos, estreava profissionalmente como cantor no Teatro Esperança Iris e com a potência de sua voz e uma extraordinária comunicabilidade se tornaria, rapidamente - um grande sucesso - passando a excursionar por vários países da América Latina. Sua popularidade cresceu com a participação em dezenas de filmes. Teve quatro filhos - a um dos quais deu o nome de Getúlio, em homenagem a sua amizade com o presidente Getúlio Vargas. Jardineiro e toureiro amador, viu outro de seus filhos tornar-se um famoso matador nas Praças de toro da Cidade do México. Na produção selecionada por Leon Barg, excelentes músicos que integravam as orquestras que o acompanhavam em um repertório dos mais conhecidos, com clássicos como "Perfídia" (Alberto Dominguez), "Abraza-me Asi" (Mário Clavel"), "Por Que Near", 'Lágrimas de Samba", 'Mujer" e "Porque Ya No Me Queires" (todos de Agustian Lara), "Vuelve Outra Vez" (Maria Teresa Lara), "Angelitos Negros"(Manoel Alvarez Macieste / Andres Eloy Bianco), "Noche de Luna"(Maria Eliza Gonzalo Curiel), "Incertdibumbre" (Gonzalo Curiel) e "Dime Que Si" (Affonso Esparza Oteo). Libertad Lamarque (rosário, Província de Santa Fé, 24/11/1909) corresponde para a música argentina o mesmo que Dalva de Oliveira (Vicentina de Paulo Oliveira, 1917-1972) foi para a música brasileira: a grande cantora dramática. Inúmeros historiadores musicais a incluem ao lado de Charle, Hogo Del Carril e, principalmente, Carlos Gardel como uma das quatro maiores intérpretes de tangos. Estrela fulgurante durante anos - não só na canção, mas também pelo cinema - Libertad deixou a Argentina durante a ditadura de Peron e se radicou no México, onde faria uma grande carreira, Há alguns meses, no vigor de seus 81 anos, esteve em São Paulo, fazendo emocionantes shows no belíssimo auditório do Memorial da América Latina - oportunidade em que novas gerações puderam aplaudir um dos mitos musicais da canção hispânica neste século. A RCA - onde começou a gravar em 1927 ('Gaúcho Sol" e "Chilonito") de vez em quando relança seus discos, os quais, na Argentina, existem em coleções bem organizadas. Consciente da existência de um público fiel de Libertad Lamarque, Leon Barg produziu no ano passado, como nono volume de sua série internacional o belíssimo "A Dama do Tango", reunindo 14 clássicos da canção porteña - "Uno" (Discépolo/Mores), "Volve" (Luís Bayon - Herrera/Carlos Bravo), "El dia Que Me Queiras" (La Pera/Gardel),"Fumando Espero" (Garzo/Viadomar), "La Cumparsita" (Rodrigues/Canturst/Maroni, "Nostalgia" (Cadicamo/Cobian), "Silêncio" (Gardel/Petto Rosi/La Pera), entre outras. Há quatro anos, Libertad publicou uma bela autobiografia, na qual detalhou sua vida - artisticamente iniciada em Santa Fé e que, em 1926, já tinha seus primeiros discos lançados pela Odeon argentina. No cinema, a partir de 1933 (quando fez "Tango") Lidertad passaria para o México, em 1947 - com filmes que emocionavam milhões de espectadores. Com este lançamento - ao qual, promete dar seqüência com outros, já em CD - Leon trouxe novamente às lojas uma das mais importantes vozes continentais - importantíssima em seu estilo, em sua época.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
30/06/1991

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