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Aramis

Vinicius/Toquinho (cada vez melhor)

Num ensaio que a lírica de Vinicius de Moraes há muito está a exigir, por sua importância dentro de nossa cultura, um dos approaches que se poderia fazer seria o estudo de seu relacionamento com seus parceiros. O relacionamento, no campo criativo, bem entendido, pois como pessoa humana, Vinicius está naquela categoria de homens que conseguem ser tão honestos e bom carateres no tratamento pessoal, como bela e importante é a sua obra. Dos juvenis trabalhos com os irmãos Paulo e Haroldo Tapajós, seus primeiros parceiros na década de 30, até Toquinho (Antonio Pecci Filho, 30 anos), Vinicius tem tido a ventura de trabalhar sempre com parceiros à altura de seu talento. Em especial a partir do final dos anos 50, com o surgimento da Bossa Nova, Vinicius colocou letras, sempre no mínimo dignas, em harmonias de quase duas dezenas de compositores (instrumentais), resultando, graças a isso, uma obra imensa, que o faz, sem dúvida, o grande nome da MPB - como já é na poesia. Aos 62 anos, a serem completados no próximo dia 19 de outubro, Vinicius continua a dar constantes mostras de vigor e existência humana, sabendo curtir todos os momentos, com amor, poesia e, para que negar, o uisquinho, que mal não faz, muito pelo contrário, o deixa cada vez mais inspirado. Na contestação idiota que caracteriza certa parcela da dita intelegentza critica, há a infame preocupação de tentar negar a Vinicius, na atual fase, sua importância. Tentativa infeliz, pois uma obra imensa como a sua dispensa acusações fúteis como a de que, nos últimos anos, vem se dedicando a chamada easy music - a música fácil para o consumo do grande público. A música de Vinicius - com qualquer um de seus parceiros, é fácil na medida em que o seu lirismo, a sua visão do mundo, os seus sentimentos, conseguem atingir os corações de milhares de pessoas - falando de sentimentos & emoções, de "retratos" ("Regra Três", "Samba da Volta", "Samba do Jato") e de momentos da melhor lucidez crítica, como "As Cores de Abril". No ano passado, para calar por uma vez por todas aos que duvidavam de toda sua força poética, Vinicius de Moraes criou uma das obras-primas em matéria de letra para canção popular, que independente da inspirada melodia de Toquinho, ocupa lugar a parte também na própria poesia contemporânea: "O Filho que eu quero ter", que não tivemos dúvidas em incluir no primeiro lugar entre as 10 melhores músicas de 74. Com seis anos de trabalho regular - o mais constante e profissionalmente exaustivo, talvez, em toda sua carreira - com Toquinho, registrado em uma dezena de elepês (entre os registrados no Brasil, Itália e Argentina), a obra da atual fase resiste a qualquer enfoque crítico, por mais preconceituoso que possa ser. Perante um [elepê] como "Vinicius/Toquinho" (Philips, 6349134, setembro/75), o segundo que fazem na Phonogram, após a série da RGE, só pode-se alinhavar adjetivos superlativos, que, afinal, tornam-se desnecessários. Afinal, Vinicius/Toquinho, não só possuem hoje, talvez, o público mais numerosamente consciente, em termos de consumo musical, no Brasil, como a eles oferecem música de primeira qualidade. Neste novo elepê, produzido por Fernando Faro, pesquisador e produtor a quem televisão deve muito do que de melhor teve, Vinicius e Toquinho invertem a forma tradicional, de reunir apenas composições próprias. Das 15 faixas, apenas seis são composições da dupla, sendo os nove outros trabalhos resultados da aproximação com outros parceiros, criações isoladas ou mesmo músicas de amigos, que homenageiam, fazendo personalissimas interpretações. Mutinho (Lupiscinio Rodrigues Sobrinho, 31 anos), baterista, violonista e cantor gaúcho, que nos últimos meses vem trabalhando com Vinicius e Toquinho, foi o autor da harmonia de "Turbilhão", que com letra de Toquinho - e na interpretação dos dois, mais o afinado coral, abre o lado A do disco. Uma música inspirada, de ricas imagens. Em seguida, "Onde Anda Você", melodia de Hermano Silva, letra de Vinicius, com a simplicidade característica dos grandes sambas ("E por falar em saudade/ onde anda você/ onde andam os seus olhos/ que a gente não vê/ onde anda seu corpo/ que me deixou morto/ de tanto prazer"). "Um Homem Chamado Alfredo" é um dos três únicos temas novos de Vinicius e Toquinho, considerando-se que "O Filho Que Eu Quero Ter", foi gravado em fins do ano passado, por Chico Buarque ("Sinal Fechado", Philips), enquanto aqui é interpretado - em nossa opinião, com maior sentimento, por Toquinho. "Um Homem Chamado Alfredo", é a música que conta a história "do vizinho de lado/ que se matou de solidão" (ligou o gás, o coitado/ o último gás de bujão/ porque ninguém o queria/ ninguém lhe dava atenção/ porque ninguém mais lhe abria/ as portas do coração"). As outras duas novas músicas de Vinicius e Toquinho, são "Se Ela Quizesse"(Se ela tivesse a coragem de morrer de amor/ se não soubesse/ que a paixão traz sempre muita dor/ se ela me desse/ toda devoção da vida/ num só instante/ sem momento de partida/ pudesse ela me dizer/ o que eu preciso ouvir/ que o tempo insiste") e "As razões do coração" ("É uma saudade tão doida de você/ que eu não sei mais nada não/ e é isso aí sempre que o amor não pode ser/ sempre que a distância pode mais que o coração/ Olhos que se olham mas que não se podem ter/ mãos que estão unidas mas que não estar/ Olhe, meu amor, tudo o que eu quero é não sofrer/ mais uma separação"). Como se pode observar, por estas estrofes aqui transcritas, o romantismo, o amor e a (dor da) separação são as grandes presenças nestas três novas músicas de dupla. Em duas faixas, temos apenas Vinicius, o grande poeta, declamando trechos de "Separação" e "Conjugação do Ausente", e encerrando lado B, após "O Filho Que Eu Quero Ter", Vinicius declama "Pedro, Meu Filho", que por sua beleza merece ser transcrito: Por isso, que eu chorei tantas lágrimas para que não precisasse/ chorar, sem saber que criava um mar de pranto em cujos vértices te haverias também de perder/ E amordacei minha boca para que não gritasses e ceguei meus/ olhos para que não visses; e quanto mais amordaçado, mais/ gritavas; e quando mais cego, mais vias. Porque a poesia foi para mim uma mulher cruel em cujos braços me abandonei sem permissão, sem sequer pedir perdão a todas as/ mulheres que por ela abandonei. E assim como sei que toda minha vida foi uma luta para que ninguém tivesse mais que lutar: Assim é o canto que te quero cantar, Pedro, Meu Filho... xxx Uma das faixas emocionantes do elepê é o "Choro Chorado prá Paulinho Nogueira", criação coletiva de Toquinho, Vinicius e o próprio homenageado, que por cessão da Continental, participou deste chorinho em que Toquinho lembra-se do "toque paciente/ da mão amiga" de Paulinho Nogueira, seu primeiro mestre de violão, "me ensinando os caminhos/ corrigindo os defeitos/ dando todos os jeitos/ prás notas brotarem/ do meu violão". Três faixas são de outros autores: "Meu pranto rolou", de Raul Sampaio, Benil Santos e Ivo Santos, "Choro de nada" de Eduardo Souto Neto e Geraldo Eduardo Neto (letrista de Egberto Gismonti) e o clássico "Adeus", do grande Ismael Silva e Noel Rosa (e também, Francisco Alves). São três músicas que pelos seus significados, se ajustam como uma luva dentro do elepê. Toquinho, finalmente, além de solar um novo tema, "Maresia", inclui uma nova composição que tivemos, ao lado da srtª Cleyde Mara (relações públicas do Guaira Palace Hotel), a felicidade de ver nascer. Em dezembro do ano passado, quando Toquinho esteve em Curitiba, junto com o Quarteto em Cy, um jantar após o espetáculo no Paiol, na pizzaria Bavaria (onde apesar dos preços escorchantes, se come um bom Calzonne) terminou com Toquinho, de violão na mão, mostrando uma nova harmonia que havia feito a tarde. Nas horas mortas da madrugada, num canto da pizzaria, sem nenhum "bicão" para atrapalhar, Toquinho foi elaborando a letra, pedindo uma ou outra sugestão, inclusive a do título, que acabamos fazendo. Ao final de três litros de Acqua Santiera rosado, a música brasileira já havia sido enriquecida com mais um belissimo tema, que agora, com sua gravação, somente na voz de Toquinho, neste elepê, será conhecida por todos que sabem amar e emepebê. Uma música rica e uma letra sincera e expontânea, que comprovam o talento puro e autêntico de Toquinho, um moço que sempre está com o violão nas mãos, criando harmonia e, agora também, boas letras - prova de que a convivência com Vinicius lhe transmitiu também um know-how poético. xxx "Vinicius/Toquinho", neste décimo volume - se considerar-mos suas gravações feitas no Exterior e as trilhas sonoras de duas telenovelas ("O Bem Amado"/"Nossa Filha Gabriela"), estão melhor do que nunca, num trabalho esmeradíssimo, com arranjos dos maestros José Briamonte ("Onde Anda Você", "Acorde Solto no Ar", "As Razões do Coração" e "O Filho Que eu Quero Ter"), Horondino Silva ("Adeus") e Eduardo Souto Neto ("Choro de Nada"), participações especiais de Mutinho ("Turbilhão") e Paulinho Nogueira ("Choro Chorado prá Paulinho Nogueira"). Com capa dupla, maravilhosas ilustrações de Elifas Andreato, este lançamento da Phonogram vai vender muito, temos certeza. E neste caso, o sucesso popular e o reconhecimento artístico se encontram e justificarão sua presença entre os melhores discos deste estimulante e rico ano fonográfico de 1975.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Nenhum
31
12/10/1975

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