Login do usuário

Aramis

Viva o cinema do 3º mundo (mesmo quando é medíocre)

Há quatro anos, quando o FestRio foi idealizado em suas características internacionais, uma posição ficou bem clara, especialmente por parte de dois de seus diretores - Nei Sroulevich e Cosme Alves Netto: antes de tudo, seria uma grande mostra voltada ao cinema do Terceiro Mundo. Pela própria formação cultural-política de Ney e Cosme, e nisto apoiada pelo produtor Luiz Carlos Barreto, hoje presidente da Associação FestRio, o sentido de se realizar um grande evento cinematográfico no Brasil tinha que ser aberto prioritariamente ao cinema da América do Sul e dos outros países que lutam para impor sua cinematografia. Ex-jornalista, com grande atuação na França - tempos em que trabalhou na "Manchete", produtor de muitos filmes Ney somava sua experiência a de Cosme Alves, que desde que assumiu a direção da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, sempre se preocupou em fazer desta instituição uma barricada na defesa de cinematografias emergentes, especialmente de países que raramente chegam até nós - da Ásia, África e mesmo América Latina. Portanto, acima de discussões estéticas e de qualidade formal, o FestRio adotou esta posição terceiromundista, que, se de um lado, trouxe uma certa má vontade do cinemão americano (participando sempre com filmes comerciais, de menor interesse), por outro lado vem dando uma crescente credibilidade ao evento. xxx Em 1985, "Tempo de Morrer", de Jorge Ali Triana, da Colômbia, levou o Tucano de Ouro como melhor filme (o filme foi reapresentado este ano, na mostra "Os Melhores do Mundo"). Este ano, na parte competitiva, três produções do Continente estiveram em competição. A mais interessante foi "O Sócio de Deus", superprodução peruana, ambientada na Amazônia durante a chamada "febre da borracha" (1898-1912), e no qual o diretor Federico Garcia partiu de uma personagem real: Júlio Cesar Arana, pequeno comerciante que, deslumbrado com a vida de luxo que a exploração da borracha oferecia, formou um império para a sua exploração na região de Putumayo, na selva peruana. Partindo do livro "Los crimenes de Putumayo", escrito por um juiz que trabalhou na região durante os acontecimentos que marcaram o filme, "El sócio de Dios", (era como se autodenominava o explorador), Arana mostra as batalhas sangrentas entre comerciantes e índios e, especialmente, denuncia os interesses ingleses e americanos na região. Interessante também a colocação do personagem Fitzcarraldo - de uma forma oposta aquela que Werner Herzog o fez no filme a ele dedicado. Recebido com frieza, "O Sócio de Deus" é, entretanto, uma produção bem cuidada, finalizada no ICAIC, em Cuba, e que com um grande elenco consegue segurar a atenção do público. Pena que dificilmente terá distribuição comercial no Brasil. xxx Decepcionante em termos narrativos foi "Macu, la mujer del policia", que representou a Venezuela - com uma cinematografia ainda emergente. Solveiy Hoogsteijin, nascida em Estocolmo mas que vive em Caracas desde quando tinha um ano de idade, formada em filosofia e letras e que estudou cinema em Munique, realizou anteriormente dois outros longa-metragens. Em "Macu" busca uma história social e de fundo feminista: Macu (interpretada por Maria Luiza Mosquera, sensualíssima), foi praticamente vendida por sua avó a um policial brutal e prepotente, que com ela tem dois filhos. Vinga-se tendo um amante adolescente e, como vingança, o marido assassina três jovens que imagina terem relações sexuais com ela. O personagem Ismael (Daniel Alvarado), encarna bem o típico machão latino-americano, mas o filme é lento em sua estrutura. Entretanto, mais lento ainda ficou a transposição que Pastor Vega, presidente do ICAIC e um dos mais badalados cineastas cubanos (seu filme "Retrato de Tereza", 1970, é supervalorizado), fez da peça "Amor em campo minado", escrita por Dias Gomes em 1968 e que só em 1983 foi encenado no Teatro Dulcina por Itala Nandi e Carlos Vereza, numa temporada de sucesso. Foi Itala Nandi quem sugeriu a Pastor a montagem da peça em Havana. Só que decidiu filmá-la, com sua esposa Daisy Granados na personagem central, mantendo a ação como se fosse no Rio de Janeiro. Infelizmente, Pastor Vega não se preocupou em dar um tratamento cinematográfico ao filme, mantendo a ação centrada num único cenário e com quatro personagens apalermados - e marcando a abertura e o final com Chico Buarque cantando em espanhol, "Apesar de Você". As contradições do intelectual de esquerda, vítima em 1964, do golpe militar, podem ter algum significado para o público cubano (onde o filme foi lançado há um mês), mas na visão que Vega deu ao texto de Dias Gomes soa deja vu. Um desastre total em termos de cinema. Como comentou o crítico e professor Ivan Soares, da Rádio Universitária, do Recife, que acompanha a FestRio todos os anos: - Isto não é nem teatro filmado. É teatro parado. LEGENDA DA FOTO: O machismo latino-americano num filme venezuelano: "Macu, La Mujer Del Policia".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
05/12/1987
DESEJO O TELEFONE DE IVAN SOARES DA SILVA

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br