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"Vlado", o próximo filme de João Batista

Brasília Se realizar um longa-metragem no Brasil já é um desafio, cuidar de que o mesmo chegue ao público - e que este vá assisti-lo, exige uma dose suplementar de energia. É a conclusão a que se chega, acompanhando-se os festivais de cinema nos quais diretores repetem, "ad nausea", as explicações, posicionamentos e principalmente questionamentos sobre aquilo que se pretende colocar nas imagens. Neste XX Festival do Cinema de Brasília os dois diretores mais questionados são João Batista de Andrade e Hermano Penna, por terem realizado as duas obras de maiores conotações políticas do ano, "O País dos Tenentes" e "Fronteira das Almas", respectivamente. Ambos já vistos em Curitiba, durante a I Mostra do Cinema Latino-Americano do Paraná (outubro, 4 a 10). "O País dos Tenentes", que teve sua primeira exibição pública em agosto, no II Festival, concorreu agora neste Festival de Brasília. João Batista não desejava colocá-lo em mostra competitiva, mas a equipe técnica e elenco o demoveu desta intenção: afinal, pela qualidade deste painel da vida política brasileira, nos últimos 60 anos, seria injusto que o mesmo não tivesse oportunidade de dar premiação a quem ajudou a realizá-lo - a começar pelo ator Paulo Autran, no personagem central e com uma interpretação que o fazia favorito em levar o "Candango" de melhor ator, desde o início do festival. Na exibição de domingo, 18, no cine Karim, ao final, houve algumas vaias - poucas, mas audíveis - ao contrário das projeções públicas anteriores (Fortaleza, Rio, Curitiba) que só tiveram aplausos entusiásticos. Esta questão foi levantada no debate sobre o filme, quando João Batista, em sua dialética de ex-marxista atuante (chegou a fazer parte do PCB em sua juventude) soube posicionar-se a respeito da relação a uma obra de arte, sua comunicação e o público a que se dirige. Fazendo cinema desde 1963 - seu primeiro filme foi o documentário "Liberdade de Imprensa", com uma grande participação política e de liderança na classe cinematográfica (há 3 anos, só não foi presidente da Embrafilmes porque preferiu apoiar seu amigo Carlos Augusto Calil), Batista de Andrade tem uma obra do maior vigor. Mesmo durante a fase mais dura da repressão conseguiu fazer obras que passavam, simbolicamente, sua inquietação revolucionária - e um belo exemplo disto é "Doramundo", da novela de Geraldo Galvão Ferraz. Depois de "A Próxima Vítima" - um aparente filme policial, com as eleições de 1982 como pano de fundo - já preparando "O País dos Tenentes", João Batista sentiu que a agonia do presidente Tancredo Neves deveria merecer um registro e assim, em poucas semanas, improvisou a documentação daquela fase trágica, recorreu a material de arquivo e realizou o documentário "A Céu Aberto", que, há 2 anos, representou o Brasil no FestRio. Feito sob o calor da emoção dos fatos, concorrendo com a maior cobertura que a televisão havia dado à agonia de Tancredo Neves, "A Céu Aberto" é um filme, cuja validade, crescerá com o tempo. Na noite de segunda-feira, durante um jantar aqui em Brasília, João Batista nos dizia de "que por mim, eu nem lançaria "A Céu Aberto" na época: o guardaria por mais alguns anos. Mas tinha investidores e outras pessoas que queriam o filme nas telas". Embora esteja dedicando-se em tempo integral ao lançamento de "O País dos Tenentes" - sua produção mais ambiciosa, custo de US$ 700 mil e na qual colocou inclusive seu patrimônio pessoal (chegou a vender um pequeno sítio para investir no filme), João Batista já trabalha na finalização do roteiro de "Vlado", politicamente o seu projeto mais importante. Amigo e colega de redação (João foi jornalista atuante nos anos 60) de Vladimir Herzog, (1938-1975) há muito tempo que sonha em realizar um filme sobre o jornalista assassinado nos porões do DOI-CODI, em São Paulo, conhecendo-o profundamente, amigo da família - a publicitária Clarice e seus dois filhos, a visão que Batista poderá dar à vida e morte de Vladimir Herzog ultrapassará a simples biografia política. O filme reconstruirá inclusive sua vida antes de vir para o Brasil - filho de judeus iugoslavos, sua família fugiu do nazismo e veio da Itália para São Paulo depois da guerra, procurando mostrá-lo como um homem comum que, por suas idéias, morre no vigor de seus 37 anos. Uma tragédia do quotidiano político, como tantas outras, que poderia ter ocorrido comigo, que tinha - e tenho - as mesmas idéias de Vladimir e também exercia uma atividade política - diz João Batista, emocionado quando fala do projeto que, dentro de poucos meses deve começar a se concretizar. Embora existam três livros sobre Vladimir Herzog - "Vlado", de Paulo Marku "Dossiê Herzog", de Fernando Jordão e "Vlado - o que faltava contar", de Trudi Landrau - além de citações a seu respeito em "A Sangue Quente" e um livro de Sinval Medina - o roteiro de João Batista é original. Afinal, assim como Luís "Bigode" Lacerda por sua convivência com Leila Diniz pode fazer o sensível e belíssimo filme, que após concorrer ao Festival de Brasília disputa agora o Festival de Natal, também João Batista esteve muito próximo de Vladimir - e portanto é o cineasta brasileiro com as melhores condições de, através de sua história, realizar um filme politicamente humano a altura do melhor que o grego Costa Gavras realizou. Na rapidez com que o cinema consome novos títulos, por certo "Vlado", deverá ser o grande evento para os festivais na temporada de 1988/89, no Brasil e Exterior. E, mais uma vez, como faz agora no périplo festivalesco - promocional de "O País dos Tenentes", estará acompanhando "Vlado", discutindo o filme, o personagem e o cinema. - "Cinema é recomeçar sempre, com projetos novos" - diz Batista. LEGENDA FOTO - João Batista ao lado de Getúlio Vargas - interpretado pelo crítico Leon Kakof - durante as filmagens de "O País dos Tenentes".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/10/1987

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