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Aramis

A volta do RPM na pele dos coiotes

Se a mídia funcionar, o RPM deve voltar ao topo das listas dos mais vendidos com o seu terceiro elepê - "Quatro Coiotes" (Cz$ 800,00, a partir do dia 4, nas lojas de todo o País), que sai com uma tiragem inicial de 250 mil cópias. Afinal, Paulo Ricardo, P. A. Pagni, Delugui e Fernando Schiavon têm saldo positivo na CBS para merecer um tratamento especial: entre 1985/87 seus dois primeiros elepês venderam mais de 3.000.000 de cópias, o que representa uma parcela das mais significativas no faturamento daquela multinacional - empatando mesmo com Roberto Carlos, ainda a maior fonte de receita da fábrica. Separados há mais de seis meses - (a dissolução do grupo chegou a ser anunciada oficialmente) - o RPM retornou agora, aparentemente mais amadurecido, com um disco basicamente com base na percussão (do brasileiro Paulinho da Costa, radicado nos EUA há mais de 10 anos) e que, em termos de marketing, deve atingir a faixa de público que comprou os 2.500.000 exemplares do disco anterior, "Rádio Pirata", gravado ao vivo - e que de todo o boom consumista do rock nacional foi o mais bem sucedido em termos comerciais. O esquema montado com grande eficiência profissional pela assessoria de imprensa da CBS para marcar o retorno do RPM leva a algumas reflexões. Independente da apreciação do produto musical - e aqui a palavra produto tem uma forte razão de ser empregada, pois realmente trata-se de um lançamento destinado a atingir um público-alvo específico e bem determinado, este ressurgimento do RPM é cercado com toda uma estratégia mercadológica. Reportagens de páginas inteiras na imprensa nacional, especiais de televisão e uma dedicação dos quatro integrantes do conjunto a trabalharem a divulgação nos últimos dez dias deve resultar num resultado em vendas. Há exatamente um ano, um esquema idêntico foi montado para o lançamento do disco-mix em que Paulo Ricardo dividiu duas músicas com Milton Nascimento - "Como Nós" e "Homo Sapiens": imprensa nacional reunida no Rio, entrevista coletiva e apresentação do disco. O resultado foi negativo e, sexta-feira, Paulo Roberto [Ricardo] dizia a respeito. - Houve um engano de público: o pessoal que esperava um disco de Milton se decepcionou e o mesmo aconteceu com a nossa faixa de consumidores. O RPM retoma agora uma carreira do ponto zero: não há interesse em diversificar suas atividades e o esquema de shows será mais bem planejado. Embora continuem contratados de Manoel Poladiam, a época de fazerem 200 shows - como aconteceu entre 85/86, acabou. - Somando estes 200 aos outros 200 antes da fama chegar já temos uma quilometragem extensa demais. Quando aconteceu como maior fenômeno do rock, há dois anos, o RPM decidiu partir para outras experiências. Criou um selo e chegou a produzir um elepê com o grupo paulista Cabin C, que prensado e distribuído pela RCA não vendeu nem 20 mil cópias. - Foi prejuízo total. Acreditamos no talento de seus integrantes e achamos que eles mereciam pintar em disco - mas a coisa não funcionou. Uma experiência em auto produzir videoclip também resultou em prejuízos. E o projeto de um longa-metragem foi a gota d'água para a separação do grupo: o cineasta Sérgio Rezende ("Até a Última Gota", "O Homem da Capa Preta", "O Sonho Acabou") trabalhou durante dois meses no roteiro, com Marcelo Paiva ("Feliz Ano Velho"), amigo e colega de escola de Paulo Ricardo, Fernandinha Torres chegou a ser contratada para o filme que seria produzido por Luís Carlos Barreto. Uma produção destinada a ter, em 1987, o mesmo impacto up-to-date, que Richard Lester conseguiu com os Beatles no auge de sua fama ("Os Reis do Ié-Ié-Ié", "Help"), mas que não se concretizou. Diz Luiz Schiavon, 29 anos, o único do grupo com dois diplomas superiores - música (pelo Conservatório Mário de Andrade) e arquitetura (1979, com 5 anos de atuação profissional em planejamento urbano). - Houve o momento em que o grupo estava exaurido, consumido e achamos natural a separação. Foi uma separação amigável, vamos dizer férias conjugais. Não faltaram fofocas. Brigas por razões financeiras - Paulo Ricardo e Schiavon, como autores das músicas que o grupo gravava estariam levando a parte do leão; o destaque que Paulo Ricardo ganhou como sex-symbol - houve época em que não havia uma semana em que não aparecesse em capas de revistas tipo "Capricho", "Contigo" e "Amiga" - o que teria levado os outros dois integrantes - Fernando Delugui (paulista, 28 anos completados no dia 25, quinta-feira, ex-estudante de administração no Mackenzie) e Paulo Antonio - o P. A. - Pagni (São Paulo, 1/6/58, ex-estudante de economia, o mais velho do grupo) a se afastarem do conjunto. Os quatro negam tudo. "Não houve brigas - dizem - por razões econômicas ou de vaidade". - Apenas pintou uma necessidade de reciclagem individual. Paulo Ricardo - que como letrista do grupo, e pelo seu tipo físico, foi sempre o mais promovido publicitariamente, admite, com sinceridade. - Sentimos que estávamos sendo sugados por um processo terrível de consumo: dezenas de shows, entrevistas, milhares de fãs histéricas, todo um esquema de fazer com que balançassemos em nossas estruturas. Com um custo muito grande, inclusive em nossas vidas pessoais. Casado com Moira, 23 anos, pai de Paula Vitória, 9 meses, Paulo Ricardo, sex-symbol de um consumo imediatista do mundo do rock, diz que "foi preciso muita força para impedir que o casamento fosse por água abaixo". Também Fernando Delugui, casado com Lilia, pai de Pedro, 9 meses, sentiu esta barra em que a máquina do sucesso interferiu na própria vida - de um sucesso inesperado, pois quando começaram, há quatro anos, não pensavam em vender mais do [que] 50, 60 mil discos - e, de repente, se transformaram em um produto de consumo nacional, respondendo, a um apelo de milhões de adolescentes, especialmente do sexo feminino, que lotavam estádios nas exaustivas temporadas do Norte ao Sul, os perseguiam nos hotéis e, especialmente, consumiam tudo que tivesse a imagem do RPM: de bottons aos discos, estes chegando à loucura dos 2,5 milhões na gravação ao vivo de "Rádio Pirata". - Foi a fase do "Help", do "hard's day night", diz Paulo Ricardo, que teve inclusive problemas com o porte de droga, no aeroporto do Galeão, há mais de um ano, quando preparava-se para viajar a Londrina. Apesar da prisão em flagrante, contou com a habilidade de Arlindo Coutinho, "assessor de pepinos especiais" da CBS, que não só conseguiu liberá-lo como garantiu ainda a sua viagem a Londrina, em táxi aéreo, a tempo de ali o RPM fazer um show. Os rapazes do RPM sempre foram extremamente profissionais em seus compromissos - uma das razões que lhes dá um bom crédito de confiança junto à CBS. No ano passado, quando da entrevista coletiva no lançamento do mix RPM/Milton Nascimento, Paulo não se recusou a falar no incidente - aproveitando para fazer uma análise em relação à questão da justiça. Agora, o incidente está esquecido, mas na entrevista de quinta-feira, se de um lado mostrava-se pessimista em relação ao Brasil-88 - Paulo Ricardo e Schiavon voltavam a insistir num ponto: - O que o país precisa é vergonha na cara e um judiciário respeitado. Ricardo, entretanto, confessa-se apolítico, assim como também garante que o grupo não tem preocupações outras, no momento, do que divulgar este novo trabalho e se preparar para um show, lá por julho, com um bom esquema de produção. Admitem que só com um grande patrocínio torna-se viável realizar um show capaz de percorrer o País, pois o custo - movimentando mais de 50 pessoas, toneladas de equipamentos, mídia, transporte etc. - fica em bilhões, "e o público não pode suportar este custo: tem que haver subvenção via patrocínio". - Mas esta armação é problema do empresário. A nossa é de fazer a música, mostrar um espetáculo que cative o público. O RPM é entre os grupos de rock nacionais que sobraram da chamada "peneirada" - no boom em que foram lançados quase 100 conjuntos nos últimos três anos, não chega a uma dezena os que se mantêm no mercado (Titãs, Ultraje a Rigor, Lobão, Cazuza, Ira e alguns poucos outros), o que talvez mais tenha consciência de que fazem parte de um esquema mais empresarial do que simplesmente artístico. Tanto é que nas muitas entrevistas que deu na semana passada, num esquema coordenado com eficiência por Francisquinho, chefe de promoção da CBS e orientado por Verter Brunne, Ricardo reconheceu, com honestidade, a questão do marketing musical. - É ridículo ter medo de usar o marketing. Alguém fatalmente vai usar. Então, malandro, vai lá e usa antes que um aventureiro o faça. Não temos vergonha nem problema moral de trabalhar com isso. A mídia, em si, é um desenvolvimento da ciência da tecnologia. Da mesma forma como eu uso um toca-disco, um televisor ou um videocassete, eu uso a máquina da CBS. Usamos para a arte, a mensagem poética, as mensagens de amor, de revolução. Usamos para o bem. Essa coisa do Live Aid, da Anistia Internacional do Sting - apesar de toda demagogia - tem que ser explorada. Por que só os políticos podem usar a mídia? Paulo Ricardo trabalha agora na finalização de duas músicas para a trilha sonora da adaptação ao teatro do livro "Black Out", de seu amigo Marcelo Paiva ("Feliz Ano Velho"). Um trabalho que o entusiasma, mas que fica por aí. Lembrando os prejuízos acumulados com as frustradas experiências empresariais de produção de discos e vídeos, Paulo diz, com coro de seus três companheiros. - Saímos na euforia do Plano Furado e entramos pelo cano. Empresários, nunca mais! xxx Que maravilha seria se todos os lançamentos musicais-fonográficos tivessem o espaço que o RPM conquista neste seu retorno com "Os Quatro Coiotes"! Amplos espaços na imprensa para seus integrantes explicarem música por música, falarem sobre seus posicionamentos artísticos e até deitarem e rolarem sobre temas paralelos. Infelizmente, são poucos os artistas que conseguem tal mordomia de espaço - e há centenas de trabalhos de muito mais solidez que acabam passando desapercebidos. É a máquina do sucesso, a visão empresarial que faz com que alguns produtos reunam condições para serem bem acondicionados, enquanto outros têm um lançamento obscuro, anônimo - condenados a um precoce esquecimento. Gravado entre novembro/87 a fevereiro/88, nos estúdios da Sigla em São Paulo e Light House, em Los Angeles, onde também foi mixado no sistema digital, com corte e masterização de profissionais dos mais competentes (Bernie Grundman Mastering), o RPM reúne nas dez faixas deste elepê de retorno participações ilustres - como dos americanos Larry Williams e Dan Higins, nos sax; Jerry Hey, Gary Grant e Lanny Hall em trumpetes e, nas vozes, a competência de Siedah Garreth, Phyllips St. James e Maxi Anderson - o que se pode sentir especialmente em "Partners". Apesar de tudo, o som é estritamente alto, com o instrumental sobrepondo-se as letras (todas, exceto "Ponto e Fuga", de Paulo Ricardo). Não faltou erotismo como em "A Dália Azul" (Ela Era a Rainha na Cama/Generosa nascente do amor/... Sua boca vermelha escondia/uma língua com mil intenções") ou até uma pitada social em "teu futuro espelha essa grandeza...", com solo de cuíca e a participação pagodeira de Bezerra da Silva para uma letra irada que fala em poluição de praias, crianças abandonadas e "Aids, apartheid nas cidades/putrefatas/mal cheirosas/tão sestrosa oura a vida passa/já senhora/decadente/nas Brasílias da miséria roda/sua bolsa/como pode/hedonistas do país, uní-vos". Para terminar, até uma música com letra em inglês ("Shot it To Me"), "que não é para conquistar o mercado americano". Como diz Paulo, seria o "mesmo que querer matar um rinoceronte na África atirando no Brasil com um estilingue. Tem milhões de artistas gravando em inglês". LEGENDA FOTO - O RPM fotografado numa zona desértica das proximidades de Los Angeles, onde foram finalizar o disco que está sendo lançado agora.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Nenhum
30/03/1988

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