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Aramis

As vozes dos poetas

"Foram dados na minha boca os beijos de todos os encontros, Acenaram no meu coração os lenços de todas as despedidas" ("Passagem das Horas", Álvaro de Campos) A edição do álbum "A Música em Pessoa" dá seqüência a um dos mais válidos projetos culturais da Sigla: o registro em álbuns de trabalhos poéticos ou textos de grandes autores. Inicialmente com coordenação de Marilda Pedroso, saíram álbuns em que poetas como Ferreira Gullar, Thiago de Mello e João Cabral de Mello Neto diziam seus poemas mais significativos. O romancista Jorge Amado gravou um "Guia Sentimental das Ruas de Salvador", com temas musicais de Egberto Gismonti. Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Otto Lara Rezende e Hélio Pellegrino gravaram "Os 4 Mineiros". A Polygram, já há alguns anos, vem também, bissextamente, produzindo álbuns-documentos com nossos poetas: após a "Antologia Poética de Vinicius de Moraes", em 1977, a filha do poeta, Suzana de Moraes, conseguiu realizar algo que muitos julgavam impossível: convencer Carlos Drummond de Andrade a entrar num estúdio e dizer seus poemas - do que resultaram dois magníficos elepês. Em 1982, em Porto Alegre, o produtor Roberto Santana, através de um dos maiores amigos do poeta Mário Quintana - o publicitário Jesus Iglesias - a também gravar um álbum duplo, com suaves temas ao teclado por Geraldo Flach. Desta forma, as vozes dos grandes poetas contemporâneos têm sido perpetuadas em álbuns da maior importância cultural - documentos indispensáveis a quem se interessa pela nossa literatura. O pioneirismo de Garcia Mas já no início dos anos 50, um jornalista e intelectual paulista, radicado no Rio de Janeiro, Irineu Garcia fundava a primeira etiqueta destinada a projetos fonográficos culturais - a Festa. E nesta etiqueta - cujo acervo pertence hoje ao grupo Polygram - Irineu produziu dezenas de discos de música erudita brasileira e lançou os primeiros registros com poetas como Augusto Frederico Schmidt, Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, Guilherme de Almeida, Gilberto Amado, Olegário Mariano, Ascenso Ferreira, Menotti Del Picchia, entre outros. De modestos lps 45 rpm no início, alguns poetas chegaram a fazer gravações mais amplas - ou, através das vozes de atores e atrizes, Irineu produziu discos "in memorian" - como os dedicados a Manuel Bandeira e Mário de Andrade. Responsável pela histórica gravação de Paulo Autran dizendo "O Pequeno Príncipe" de Saint-Exupéry (de todos os discos do catálogo da Festa, o que teve maior êxito) - Irineu também foi quem produziu o primeiro elepê da Bossa Nova - "Canção do Amor Demais", com Elizete Cardoso interpretando canções de Vinicius e Tom, acompanhada ao violão por João Gilberto e ao piano por Tom (1958, já reeditada 4 vezes pela Polygram). Radicando-se a partir de 1964 em Lisboa, Irineu Garcia continuou a produzir discos culturais. Assim, lá realizou um elepê com o ator Sinde Filipe dizendo poemas de Álvaro de Campos, numa gravação preciosa que a Polygram lançou no Brasil em dezembro de 1971. Um recital de Vinicius de Moraes na Livraria Quadrante, em 1969, também resultou num lp histórico ("Vinicius em Portugal", edição no Brasil da Polygram, 1969), trazendo inclusive o único registro do poema "Sob o Trópico de Câncer", no qual Vinicius trabalhou por 9 anos - e que até então era inédito. A morte de Irineu Garcia, há dois anos, retirou de nosso mundo o pioneiro do disco cultural - e a quem se deve a perenidade das vozes de escritores e poetas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
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02/02/1986

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