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Werneck e Ivoneth, as palavras como trabalho

Se não houve unanimidade - o que seria pedir demais - houve maioria absoluta da parte dos cinco membros do júri do concurso nacional de Contos: "Máquina de Escrever" despontou logo nas primeiras leituras como o candidato mais forte entre os 115 trabalhos inscritos para esta promoção da Secretaria da Cultura, reaquecida quase dez anos após uma primeira fase criada na administração Paulo Pimentel. xxx Paranisticamente, o orgulho foi grande ao ser aberto o envelope de inscrição do vencedor e se verificar que o candidato é um bicho do Paraná, o publicitário Ruy Werneck de Capistrano, 39 anos, que havia se inscrito com um pseudônimo tão irônico quanto é a característica de sua obra (que dedicou "Para Lênin e McCarthy"): "Anônimo do Século XX". xxx Apesar de todo anonimato, sem qualquer referencial identificativo do autor, o estilo levemente agressivo, com um humor cáustico e, sobretudo as ilustrações incluídas no original deram a pista de que o autor poderia ser mesmo Werneck, conhecido já pelos seus livros "Bife Sujo & Cia.", criados como tiras no "Correio de Notícias" (na fase em que o jornalista Mussa José Assis era o editor-chefe daquele jornal) e transformados em edições independentes, de circulação mais ou menos dirigida. xxx Na leitura de mais de uma centena de originais - ultrapassando as mil páginas datilografadas - os contos de "Máquina de Escrever" mostraram uma natural superioridade, a começar pela originalidade com que Ruy Werneck Capistrano soube desenvolver os textos, misturando o real e o fantástico, sem preocupações estéticas e formais - mas formando um conjunto harmonioso. Para isto contou, por certo, a sua formação de publicitário, acostumado a trabalhar com a síntese das palavras e a força das imagens. Na abertura, como uma longa epígrafe, foi buscar uma citação de "Easter Cocker" de T. S. Eliot (1888-1965), que fala, justamente das dificuldades de "tentando aprender como empregar as palavras/e cada tentativa/é sempre um novo começar, é uma diversa espécie de fracasso/Pois apenas se aprendeu a escolher o melhor das palavras/Para o que não há mais a dizer, ou o meio pelo qual/Não mais se está disposto a fazê-lo". Mesmo sabendo do risco de identificar o seu trabalho - ao menos para os jurados que conheciam suas tiras e os livretos "Bife Sujo & Cia", Ruy Werneck fez várias citações remetendo aquela criação, com frases e citações humorísticas, como, por exemplo, "o melhor remédio pra insônia é não sonhar acordado". Um dos aspectos que deverá fazer de "Máquina de Escrever" um livro com condições de se transformar em best-seller é o humor inteligente e telegráfico dos textos de Werneck, muitas vezes usando uma página para um texto de 2 ou 3 linhas - na busca da síntese do hai-kai. Mas ele não fica apenas no humor, buscando também a reflexão poética, como mostra em "Querido Diário" (página 30). Hoje, na livraria depois de rápido borboleteio de orelhas, comprei "Um Passo em Falso", Patrícia Highsmith, para matar o tempo. E do Mário Quintana, Diário Poético, 87. Para registrar o tempo morto. xxx Ao contrário da maioria dos trabalhos concorrentes - geralmente em linguagem convencional, raramente usando palavrões ou erotismo, Werneck não temeu o uso de palavras e propostas eróticas - mas também sabendo fazer isto com bom gosto, refinamento e inteligência - o que não deve chocar aos mais pudicos leitores. (A não ser realmente, os conservadores, mas estes não aceitarão o seu livro - original e criativo da primeira à última página). Um dos pontos culminantes do lado erótico está no conto "Zequinha no Carnaval" - cujo próprio título é uma referência ao personagem-símbolo curitibano, imortalizado nas balas de coleção dos anos 40 e 50. Nas Finais de seu livro, Werneck Capistrano coloca mais uma vez o seu humor telegráfico, com alguns achados excelentes. - "Sim, agora eu sou uma estrela. Mas, droga, há porrilhões delas no céu". Em "Educação Sem Dor", aconselha: "Todos os pais deviam ser obrigados a ler os 200 mais importantes livros sobre crianças antes de começar a educar o filho recém-nascido. Deviam ler, reler e tresler. Até decorar. Enquanto isso, o filho cresceria tranqüilo e sem ninguém pra encher o saco dele". xxx Também um trabalho exaustivo com as palavras, numa linguagem que alguns membros do júri identificaram como uma tentativa de recriação sulina do universo do mineiro Guimarães Rosa deram a Ivoneth Gomes Miessa - inscrita com o pseudônimo de Octânia - o 3º lugar (para nós, particularmente, mereceria o segundo prêmio), com seu "Primeiro Ciclo - 2ª Época". Paranaense de Reserva, no Vale do Ivaí, mas vivendo em São Paulo - e relativamente conhecida como artista plástica - Ivoneth Gomes Miessa em seus contos buscou uma linguagem característica do caboclo ("Primeiro Ciclo") e dos emigrantes poloneses ("2ª Época"), conseguindo resultados interessantíssimos. A exemplo de Ruy Werneck Capistrano, também soube conter seus textos em poucas linhas, desenvolvendo as idéias de forma criativa, original e com um humor muito próprio. Infelizmente, grande parte dos concorrentes enviaram trabalhos que fugiam até a característica de conto, estendendo-se por 40 ou 50 páginas, em verdadeiras novelas cansativas, repetitivas - algumas repletas de citações inúteis. "Máquina de Escrever" e "Primeiro Ciclo/2ª Época" foram trabalhos reveladores de talentos literários, voltados a uma criação lingüistica. Independente do mérito de outros candidatos - inclusive o 2ª classificado ("Sonhos vãos, lutas vãs", do catarinense Amilcar Neves) e das cinco menções honrosas concedidas, a premiação de Werneck e dona Ivoneth já justificou a realização do concurso, agora reativado e que, se espera, tenha continuidade nos próximos anos. LEGENDA FOTO - Werneck: humor e criatividade com as palavras.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
08/06/1988

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