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Aramis

Falta de humor e política nas canções do Fercapo

Ao final do Festival da Canção Regional Popular, em Cascavel, o presidente do Tuiuti E. C., Jaime Martins de Andrade, assumiu o compromisso de que em 1987, o julgamento será modificado. Ao invés do frio trabalho de computadores somando impessoais notas atribuídas pelos jurados haverá uma forma mais democrática, polêmica é verdade, mas capaz de evitar erros e injustiças: o sistema de indicação das melhores, com direito dos jurados exporem seus pontos de vista. Já adotada com êxito em vários festivais - inclusive em Avaré, cuja mostra de MPB é hoje a mais conceituada do Estado de São Paulo - este sistema embora exigindo maior tempo do júri é o que mais se aproxima de um equilíbrio que possa evitar eliminações injustas. Unanimidade é impossível de ser obtida em mostras competitivas, ainda mais quando os participantes vindos de diferentes Estados, com estilos próprios, tornam difícil uma aproximação estética. Entretanto, se na vitória de "Ventania", na edição deste ano do Fercapo - encerrada na madrugada de sábado, em Cascavel, houve o entusiástico aplauso do público, que se identificou com o espírito nativista e, especialmente, a comunicabilidade da canção de João Carlos Dorneles e João Nascimento, de Clevelândiaa, isto não significa que a segunda classificada, "Nossa Verdade", do carioca Luiz Fontana (defendida por Nilson Chaves, escolhido melhor intérprete) também não merecesse a premiação maior. Em compensação, no corte das músicas houve algumas que, em nosso entender, mereceriam chegar a finalíssima, como o caso da romântica "Pois É..." de Gersinho Badep (Bientinez) e Fany Manfredine, suave e lírica. A gravação das 12 finalistas, em elepê produzido por Ayrton dos Anjos, da Continental, proporcionará que, pela primeira vez num festival de MPB realizado no Paraná (exceto "Todos Os Cantos", 1980), se tenha não só o registro das finalístas, mas que o público que não pode acompanhar o Fercapo - quase 2.000 pessoas no Tuiuti E. C., afora a transmissão por duas estações de televisão - tenha também condições de emitir o seu juízo crítico. xxx Pela própria abertura do Festival - aceitando inscrições de todo o País (este ano foram 213, de 11 Estados), faz com que haja uma diversificação de gêneros e estilos. Na peneirada em termos de qualidade há, evidentemente, decepções mas que não deixam de refletir a própria crise de criatividade pela qual passa a música brasileira. Por exemplo, foi melancólica a presença de um subgrupo de rock, de Jacarezinho, com um adolescente, cabelo ao estilo punk, "defendendo" uma não música, "Ironizados" (M. Albuquerque/Paulo Meneses), que, entretanto, em sua letra pretendia fazer uma crítica a um tema atualíssimo: a contaminação da usina de Chernobyl, na URSS, mas com um péssimo tratamento musical e poético. ("Dos homens armados/Semblante senil/Ironizados, Ucranizados/ Ucranizados uns mil."). A ecologia, um tema que se torna cada vez mais constante na MPB - e que, tem inclusive, em São Paulo, um festival específico organizado por Abílio Manoel, com patrocínio do Sesc - esteve presente ao menos em três músicas: "Apelo Eterno" (Juarez Ferreira de Souza), "Para Natural" (Valdomiro Zanini) e, com uma boa solução em termos de letra e música, em "Voz do Verde" (Osvaldo Zanqueta, de Terra Boa). Outro tema simpático - a amizade - pautou as canções "Amigo" (Elaine Barros, jovem compositora de Cascavel) e "Amigos, Amigos" (Cícero Jerônimo da Silva, o "Ceará"), enquanto algumas composições que, surpreendentemente chegaram entre as 30 concorrentes, não diziam absolutamente nada em sua letra - como "Pra Fundo Real" (Paulo Tadeu Nascimento) ou "Não Há Crime" (Ronaldo David, Sérgio Krapzak e Carlos Gauer, de Cascavel, vencedores em 1985, com "Vale a Pena"). Vencedor já por duas vezes no Fercapo, Leonatamar Pereira ("Como Antigamente"e "Se O Tempo Voltasse"), foi prejudicado este ano pela ingenuidade e mesmice do tema familiar (um canto de ninar à sua filha recém-nascida) em ("Karim"). Ao contrário das edições de 1982 e 1984, quando sentia-se a presença social nas composições, este ano não houve uma única canção do Fercapo que refletisse algum aspecto crítico-político. Igualmente, o humor - tão presente na jovem música brasileira (inclusive explorada até de forma apelativa, pelos roqueiros) não sentiu-se em nenhum momento. xxx A proporção que um Festival de MPB se abre nacionalmente, acaba-se os aspectos bairristas e conta o valor profissional. Assim, não é de se admirar que quatro dos cinco prêmios principais tenham saído para autores e intérpretes de outros Estados. O Júri, do qual participaram sete pessoas de Cascavel (Paulo Afonso Seara, Juarez Story, Graciosa Wiggers, Osvaldo Villas Boas, Enelvo Bertaglia, Nedir Salomão e Roseli Scapinello, entre pesquisadores, radialistas e músicos-compositores), mais o compositor paulista Cau Pimentel, o crítico Zuza Homem de Mello, a flautista Hylea Ferraz (de Londrina) e este repórter, buscou um equilíbrio em termos qualitativos. Claro que reclamações sempre existem, mas, dentro do material em competição, o resultado foi até positivo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
23/07/1986

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