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Udegrudi Bressane faz o filme sobre Os Sermões

Brasília Júlio Bressane, um dos cineastas mais controvertidos do chamado cinema udegrudi, realizador de filmes mais cuidados (especialmente pela imprensa) do que vistos pelo público - como "Matou a família e foi ao cinema" (que Arnaldo Jabor prepara-se para refilmar), é um cineasta inventivo e que tem recebido premiações em festivais. Assim, é com natural expectativa que se espera para "Os Sermões", programado para ser exibido hoje à noite, sábado, como 4º filme em competição nesta XXII Festival do Cinema. Aqui, seu "Tabu" - obteve premiações que ajudaram a chegar ao circuito comercial e recuperar o investimento, atingindo o expressivo mercado (para uma obra experimental) de 150 mil espectadores. Em 1986, com "Brás Cubas", livremente adaptado da obra de Machado de Assis (1839-1908), levado ao festival de Gramado, também ganhou simpática repercussão e chegou a ter 35 mil espectadores (a crise de público já se acentuava) e por serem produções baratas, os seus filmes se apagaram. Agora, numa produção igualmente modesta é filmada em duas semanas, Bressane se volta, em seu 20º filme, a um outro personagem fascinante - "Os Sermões - a história de Antônio Vieira". Só que desta vez, após sua apresentação em Brasília (de onde poderá sair com algumas premiações), seu filme atingirá um público fantástico: de 3 a 5 milhões de espectadores. Obviamente não no cinema - onde estes números só são atingidos pelos Trapalhões & Xuxa, Rambo e Batman, mas na televisão. Exatamente em cadeia nacional de 26 emissoras da TV-E, que exibirá o filme entre 7 e 14 de novembro. Uma pré-estréia do filme ocorreu em 19 de outubro, no Cineclube Estação Botafogo. No circuito comercial, este filme - que promete Bressane, "permitirá comparar o português falado por nossos candidatos à presidência com a beleza da língua portuguesa segundo um de seus criadores, o padre Antônio Vieira, com corpo e voz do ator Othon Bastos" - só começará a ser exibido no primeiro trimestre de 1990. Em entrevista a Susana Schild, do "Jornal do Brasil", Júlio Bressane antecipava antes da primeira exibição pública de "Os Sermões", que o filme poderá cair como "uma pedrada na boca" daqueles que andam utilizando o vernáculo com "faquirismo verbal", passando ao largo de qualquer possibilidade de forma e conteúdo. No mínimo aumentaria o nível de exigência do ouvinte - diz Bressane, que por isto decidiu estrear o filme na TV, um casamento ainda experimental, mas que atende a ambição, necessidade e urgências antigas. As negociações entre a TV-E/Embrafilme foram bem sucedidos e assim parte do custo do filme (entre US$ 90 a US$ 100 mil) será amortizada pela compra. Quanto o restante do que custou, Bressane confia em seu reduzido mas fiel público. Tratando-se de um filme de Bressane, naturalmente que não é uma narrativa convencional. Rodado durante apenas 13 dias entre Rio e Salvador, Bressane filmou "Os Sermões" do padre Antônio Vieira (1608-1697) escritos nos seus três últimos anos de vida. A inventividade de Bressane vai ao ponto de raciocinar que se Vieira "botou a língua portuguesa em sintonia com o mundo", ele colocará o filme sobre Vieira em sintonia com o cinema brasileiro e mundial. Assim, 18 trechos de obras-primas como "Cidadão Kane" e "Joana D'Arc" são trazidos para o universo do padre, e os lábios em close de Orson Welles (1915-1985) murmuram "Vieira" e não mais "rosebud" na cena de abertura de "Cidadão Kane" (1940). O "estalo de Vieira" é representado por uma cena de "o homem da cabeça de borracha", de Georges Meliés 91861-1938) e Vieira criança é representado pelo filho de Othon Bastos. Caetano Veloso, que em "Tabu" já havia representado Lamartine Babo, está no elenco, ao lado de sua atual (Paula Lavigne) e ex (Dedé Veloso) esposas, mais Eduardo Tornaghi, Bia Nunes, Guará Rodrigues e até a participação especial do poeta concretista Haroldo de Campos lendo um trecho de "galáxias". Enfim, um filme com todas as propostas de vanguarda, na linha da invenção - termo que um de seus admiradores, o crítico Jairo Ferreira, cunhou para ajudar o público menos intelectualizado (mas aberto ao inusitado) a aceitar o seu cinema extremamente pessoal. Mesmo antes de ser exibida, Bressane já provoca discussões que elevam a temperatura do Festival. LEGENDA FOTO - Othon Bastos é o padre Vieira em "Os Sermões", de Júlio Bressane, que concorre hoje em Brasília.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
04/11/1989

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