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Aramis

A vez de Candeia e Mano Décio

Embora seja uma pequena gravadora, a Tapecar tem procurado valorizar bastante os talentos mais expressivos e autênticos da Música Popular Brasileira. Uma prova disso são dois excelentes elepês lançados há alguns meses, que dão chances para nomes pouco conhecidos fora dos círculos ligados ao samba dos morros cariocas, mas com uma obra que os fazem merecedores de todo o respeito e admiração: Candeia e Manoel Décio da Viola. Como escreveu o pesquisador Juarez Barroso ("Jornal do Brasil", 20/12/74), para o povo do samba seu nome é conhecido há mais de 20 anos, mais precisamente a partir de 1953, quando a Portela venceu um Carnaval com um samba seu e de Valdir 59, "Seis Datas Magnas". Fora do âmbito das escolas ou dos iniciados do samba, ele começaria a se impor em 1970, quando lançou seu primeiro elepê individual (já tinha várias músicas gravadas, inclusive o "Minhas Madrugadas"). Candeia, por extenso Antonio Candeia Filho, um dos maiores [sambistas] vivos, notável melodista, dono de um estilo próprio dentro do samba tradicional, eufórico, cheio de previsibilidade rítmica ("Não Tem Veneno", por exemplo). Em seu terceiro elepê individual ("Roda de Samba", Tapecar, SS-007, Dezembro/74), Candeia aprofunda uma linha de trabalho já esboçada em seu segundo disco, "Raízes": a criação dentro de outros ritmos agro-brasileiros como o jongo, o caxambu, a capoeira. Vale ouvir mestre Candeia, cantando ou falando, pois ele é aquele artista que sabe das coisas. Homem que sempre recusou a ser o crioulo folclórico, consciente operário musical, ele dá uma de cultura popular, fala de seu amor à escola, local onde o sambista deve permanecer e lutar, apesar das descaracterizações: "Nosso lugar é lá dentro; é lá que a gente deve resistir, reagir". Em recente depoimento no Especial produzido por Simon Khoury na Rádio Jornal do Brasil (8/4/75), Candeia, lucidamente, lembrou que "intrinsecamente, não há diferença entre Vinicius de Moraes e um sambista do morro. No fundo, ambos procuram se expressar dentro do que sabem fazer". "É lógico, diz Candeia, que não se sabe exigir de um compositor de escola de samba, a mesma versatilidade poética de Vinicius, muito embora, dentro da simplicidade que lhes é característica, tenham, ambos poesias muito bonitas". Mas, por outro lado, considera que quanto mais vivência ele tiver, mais terá condições para fazer samba. Exatamente, como um goleiro, o qual, à [medida] em que adquire experiência, vai se tornando capaz de assumir sua posição dentro do campo, o compositor do morro, sem a formação musical de outros compositores só se impõe, mesmo, com tempo. Este amadurecimento de sambista sente-se nos seus sambas incluídos neste seu terceiro elepê. As músicas [estão] divididas em três núcleos básicos: composições de Candeia e outros sambistas; seleção do Partido Alto e Motivos Folclóricos da Bahia. Assim, a face A, encontramos "Brinde ao Cansaço", de Candeia, "Alegria Perdida" (Yô Yoô de Yá Ya) de Candeia e Wilson Moreira e "Sinhô dona da casa" de Candeia e Netinho, "Conselho de Vadio" de Alvarenga; "Camafu" de Martinho da Vila e um "Acalentava" adaptação do próprio [Candeia]. Na seleção de partido alto, aparecem os temas de Candeia ("Samba na Tendinha", "Não tem Veneno", "Eskindolelê") Dewet Cardoso ("Já Clareou") e uma adaptação de tema popular "Olha hora Maria". Por último, quatro motivos folclóricos da Bahia: "Capoeira (Ai, Haydê e Paranuê), Maculelê (Sou eu, Sou eu e Não Mate homem), Candomblé (Deus que lhe dê/Salve! Salve) e Samba de Roda (Porque Não veio). Tão importante quanto Candeia, é Mano Décio da Viola (nome de registro: Décio Antonio Carlos, 66 anos) a quem a Tapecar dedicou um elepê com o efusivo título de "Capítulo Maior da História do Samba". Lembrou, na ocasião (JB, 12/12/74), o crítico J. Ramos Tinhorão que Mano Décio da Viola é uma espécie de mestre de obras sambísticas entre outras atividades. Funciona há anos, como uma espécie de técnico contratado pela escola de samba X-9, de Santos, foi sempre muito conhecido por sua excelente parceria com o falecido compositor Silas de Oliveira, mas neste seu primeiro disco consegue mostrar que, em certo sentido, o melhor do seu talento é exclusivo. Além de revelar o fabuloso melodista que é, em sambas como "Heróis da Liberdade', "O Negro na Cultura Brasileira" e "Exaltação à Cidade Jóia" - todos compostos com variados parceiros - Mano Decio dá uma mostra do que é capaz de fazer [sozinho] na composição intitulada "Comando Geral". Quando mais não fosse, valeria comprar seu elepê só para ouvir, após os versos de introdução, a jóia de melodia que criou para estes versos de límpido lirismo rasteiro: Com licença, está na minha hora de chorar Paciência, tenho que desabafar Só quem perdeu seu amor Sabe dar valor ao pranto meu Mineiro de Juiz de Fora, mas nos morros cariocas desde quando tinha um ano de idade, Mano Décio da Viola vem há mais de 30 anos compondo sambas-de-enredo para a Escola de Samba Império Serrano, mas como tantos outros valores autênticos, só agora está sendo valorizado. E a prova disto, é este tardio elepê produzido com muito esmero por Alvaro Ribeiro, com a participação dos conjuntos Nosso Samba e As Gatas. O resultado é que o disco teve a maior acolhida, merecendo imensa cobertura junto aos críticos e jornalistas que sabem reconhecer na justa proporção, os verdadeiros talentos brasileiros. Como Cartola e Nelson do Cavaquinho, Mano Décio da Viola é um homem humilde mas de grande dimensão artística. Seu disco merece o título que tem: "Capítulo Maior da História do Samba". Faixas: "Santos em outros tempos", "Exaltação a Tiradentes"(em parceria com Penteado e Estanislau Silva), "Heróis da Liberdade" (em parceria com Silvas de Oliveira e M. Ferreira, "O negro na cultura brasileira" (em parceria com Nilson Azevedo), "Dona Santa, Rainha do Maracatu", "Pássaro do Cantuá" (em parceria com Waldomiro do Candomblé), "Encontro Marcado" (em parceria com Álvaro Casado), "Obsessão" (em parceria com Osório Lima), "Mano Décio ponteia à viola" (em parceria com Waldomiro do Candomblé), "Exaltação à Cidade Jóia" (em parceria com Alvaro Casado), "Comando Geral", e "Hora de Chorar" (em parceria com Jorginho Peçanha).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal da Música Popular
44
27/04/1975

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