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Barthes, a semiologia com diversas leituras

Há três anos, em Gramado, enquanto seu irmão mais velho, Luís Farias conquistava premiações pelo seu longa de estréia, "Com Licença, Eu Vou à Luta", adaptação do confessional livro de Eliane Maciel - e estrelado por Fernandinha Torres, Maurício Farias, 25 anos, também saia-se bem: "A Espera", curta adaptado de "Fragmentos de um Discurso Amoroso", era premiado em sua categoria. Marieta Severo estava no elenco dos dois filmes. No ano passado, o paulista Adilson Ruiz, professor da Unicamp e que fez um belíssimo documentário sobre MPB ("Divina Tropicália"), para tese de seu curso de pós-graduação, também mergulhava no universo de signos e interpretações de Roland Barthes para o mais cerebral filme do ano. O média-metragem "Cartola / Amorosidade" conquistou os principais prêmios na categoria de média, 16mm, no XX Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, repetindo sua performance de vencedor este ano, em Gramado. Curiosamente, uma das primeiras exibições de "Cartola / Amorosidade" aconteceu em Curitiba, há um ano, numa sessão paralela da Mostra do Cinema Latino-Americano. Ruiz trouxe a chamada "primeira cópia" (ainda com pontos que seriam corrigidos, especialmente na iluminação) e projetou para um pequeno grupo - entre os quais o crítico Wilson Cunha (produtor de "Cinemania", Rede Manchete de Televisão), e Marcelo Farias, que não conhecia pessoalmente. Depois da sessão, os dois jovens cineastas que mergulharam, cada um à sua maneira, na obra de Barthes, trocaram idéias - e nascia uma proposta que, infelizmente, até hoje, não se consolidou: o retorno dos dois para apresentação conjunta de seus filmes. xxx "Fragmentos de um Discurso Amoroso" é uma obra que permite, naturalmente, as mais diversas leituras. Assim como o filme de Marcelo é diferente do de Ruiz (inclusive este é um média-metragem, de 35 minutos), a adaptação que Teresa de Almeida fez para o teatro também tem sua própria característica. Aliás, a teatralização do texto nasceu de um curso de pós-graduação que Teresa fez na USP, há 5 anos, orientado por Leyla Perrone Moisés. xxx - "O livro de Barthes - explica Leyla Perrone Moisés - não é um tratado sobre o amor, é um livro que dá a palavra a um sujeito enamorado - fictício, composto da experiência de vários, corporizado pelo artifício da primeira pessoa. A Barthes não interessava um tratado sobre o amor, que é sempre uma fala a frio sobre o que sentem "os outros". O próprio sujeito enamorado não sabe o que é o amor, e nem está em condições de analisar objetivamente seus sentimentos; sentir já o ocupa demasiado. Ele fala, fala muito, e nunca sabe o que diz. Talvez o amor seja exatamente essa fala obsessiva e desordenada, esse longo monólogo imaginário, que ocorre tanto na cabeça do apaixonado como em seus supostos diálogos com o objeto amado. Uma longa e solitária tagarelice". xxx Definida no início do século, por seu criador, Saussure, a semiologia (a ciência que estuda os signos no seio da vida social), só passaria a ser ensinada na universidade a partir dos anos 60. Barthes tornou-se no Brasil um nome mais conhecido a partir de 1977, justamente com "Fragmentos", embora já fosse internacionalmente respeitado como crítico literário e semiólogo, autor de obras apreciadas pelo público especializado (universitário) - "O Grau Zero da Escritura" (1953); "Crítica e Verdade" (1966); "O Prazer do Texto" (1973), entre outros. Assim, há 11 anos, resolveu falar de amor, ou mais precisamente, falar como uma pessoa apaixonada. Surpresa nos meios intelectuais: uma coisa tão pouco séria, ridícula mesmo! Seria uma provocação ou um atestado de debilidade? - indaga Leyla Perrone Moisés. Surpresa nos meios editoriais: o livro ultrapassa 100.000 exemplares de venda em poucos meses. Mudou o público ou mudou Barthes? "Fragmentos..." - assim como aconteceria depois com "O Nome da Rosa" - e que se repetirá com "O Pêndulo de Foucault", de Umberto Eco, a ser lançado dentro de algumas semanas pela Record - transformava-o em autor da moda, um intelectual absorvido como best-seller. Isto ajuda a explicar a interpretação (ou revisão) de algumas de suas idéias em filmes de cineastas como Maurício Farias (filho do veterano Roberto, 30 filmes, atual presidente do Concine) e Adilson Ruiz. Agora, é no palco que um superstar do vídeo, Antônio Fagundes, traduz (ou tenta traduzir) a paixão cerebral num espetáculo destinado a ser visto por muita gente. Lamentável apenas que pela ganância de se ter maior faturamento, repita-se o mesmo crime que prejudicou a "O Lobo de Rayban", de Renato Borghi: um espetáculo intimista, que funcionaria muito mais no pequeno Auditório Salvador de Ferrante, perderá muito de sua comunicação no gigantismo do Guairão. Ainda bem que a grande Dama do teatro brasileiro, Fernanda Montenegro, exigiu que a temporada de seu monólogo "Dona Doida - Um Interlúdio", da obra poética da mineira Adélia Prado, fosse marcada para o Auditório Salvador de Ferrante (24 a 27 de novembro). Fernanda prefere um lucro menor mas oferece mais emoção e dignidade com seu espetáculo. Afinal, o Guairão é um risco para qualquer texto introspectivo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
26/10/1988

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