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Roberto Farias, o pai coruja de Gramado

Gramado - Roberto Farias, 50 anos, 32 de cinema, é com toda razão um "pai coruja" neste 14º Festival de Cinema Brasileiro. O curta-metragem "A Espera", que seu filho Maurício, 28 anos, co-dirigiu com Luiz Cardoso, foi o mais aplaudido na noite de terça-feira e, desde então, é um dos favoritos à premiação nesta categoria. "Com licença, eu vou à luta", de Lui (Luís Mauro) Farias, 26 anos, é um dos concorrentes na categoria de longa-metragem. Nos dois filmes atua Marieta Severo, uma das estrelas presentes nestes festival - no qual ainda estão dois outros bons filmes em que ela está no elenco: "O homem da capa preta", de Sérgio Rezende, e "Sonho sem fim", de Lauro Escorel, também programado para a sessão de sexta-feira e que, ao menos emotivamente, está sendo aguardado com muita emoção: é uma cinebiografia de Eduardo Abelin, pioneiro do cinema gaúcho, falecido há dois anos e que teve uma vida movimentada, de muitos amores e idealismo (realizou três filmes: "Em defesa da irmã", 1926; "O castigo do orgulho", 1928 e "Pecado da vaidade", 1932). Roberto Farias, ex-presidente da Embrafilme e que há cinco anos, ao trazer ao Festival de Gramado o seu corajoso "Pra frente Brasil", provocou uma crise na Embrafilme (que levou à demissão de seu sucessor, o diplomata Celso Amorim), irrita-se quando comenta-se que o seu prestígio no cinema brasileiro esteja facilitando, do plano de vista econômico, a carreira de seus filhos. "Ao contrário, o fato de Lui e Maurício serem meus filhos fez seus filmes, tanto o curta 'A Espera' como o longa 'Com licença eu vou à luta', terem recebido 50% apenas do financiamento normal da Embrafilme. Aliás, é bom que se diga: em toda minha carreira, eu só tive financiamento da Embrafilme em um filme, justamente o "Pra Frente, Brasil". Todos os outros filmes que realizei foram com recursos provados [privados]", afirmou. Baseado no livro autobiografado de Eliane Maciel, denunciando a discriminação e a violência contra uma jovem que se apaixona por um homem casado e com ele vai viver (o livro é best-seller há mais de dois anos), "Com licença, eu vou à luta", pode valer a Fernanda Torres - esperada somente neste fim de semana - o seu segundo Kikito de melhor atriz (no ano passado foi premiada por "Marvada Carne", de André Klotzel, ainda inédito comercialmente). Além do filme de Lui Farias, que é o seu marido, Fernandinha tem também uma curta, mas marcante presença em "Sonho sem fim". Os dois filmes serão exibidos hoje. Curta esmerado A exibição de "A espera", de Maurício Farias e Luiz Cardoso, na noite de terça-feira, logo após a projeção de "A classe roceira", prejudicou, de certa forma, a assimilação do documentário de Berenice Mendes. Apesar de abordar um tema atual (o drama dos sem-terras no Paraná), o filme de Berenice cansou um pouco ao público devido sua metragem (25 minutos) e por apresentar, naturalmente, naturais problemas de linguagem e produção - especialmente se comparado a uma produção requintada como "A espera". Um roteiro preciso, com uma linguagem fragmentada que remete a teorias de Roland Barthes ou ao cinema de Louis Malle, "A espera" transcorre totalmente no Bar Assyrius, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Ali, um jovem (Diogo Varella [Vilella]) aguarda sua namorada (Malu Mader) e a longa espera é entremeada de reflexões e, sobretudo, imaginação em torno de encontros e desencontros de amor - tendo Marieta Severo num papel marcante, de narradora, ponto de equilíbrio da história. Uma fotografia esmerada, trilha sonora precisa e, especialmente a direção de arte perfeita completam em "A espera" um dos curtas mais bem realizados no último ano. Os curtas gaúchos Com um excelente esquema de promoção - fotos, posters, camisas etc. - os realizadores de "O dia em que Dorival encarou a guarda", curta-metragem programado para hoje, tem a esperança do cinema gaúcho em obter uma premiação nacional. O roteiro foi extraído do livro "O Amor de Pedro por João", de Tabajara Ruas, escritor gaúcho que até janeiro último era o principal assessor intelectual de Carlos Frederico Marés de Souza, na presidência da Fundação Cultural de Curitiba, mas que retornou a Porto Alegre após ter divergido profundamente de seu velho amigo, companheiro, inclusive, de exílio. Os realizadores gaúchos - do super 8 ao 35 mm - mostram-se organizados e entusiastas. Por exemplo: Ivonete Pinto e Paulo Bordin adaptaram um conto de Ignácio de Loyola Brandão para um filme em super 8 ("O presidente dos Estados Unidos") participando do festival nesta bitola. Já o fotógrafo Mauro Ferreira realizou "Aranhe luar, um verbo marginal", ficção criada em cima de dois fatos reais ligados a marginais, exibido na noite de terça-feira. Produção difícil e sofrida, o filme de Mauro foi, entretanto, realizado com muita amor e entusiasmo, embora prejudicado no final por uma certa falta de continuidade. Destaca-se, entretanto, a bonita trilha sonora do violonista Leonardo Ribeiro, compositor gaúcho já com dois elepês gravados. De maldito a favorito Maldito do cinema paulista, com sete de seus nove longas praticamente ignorados pela crítica, o gaúcho Carlos Reichenbach Filho, 41 anos, desde os 2 residindo em São Paulo, há dois anos foi o primeiro cineasta da chamada "boca do lixo" a ser aceito em Gramado, com um misto de filme erótico-intelectual intitulado "Extremos do prazer", que lhe valeu uma menção honrosa. Agora, Reichenbach voltou com outra obra supervalorizada por uma parte da crítica: "Filme demência", que teve sua première mundial no último festival de Rotterdan, na Holanda, recebendo elogios. Livremente inspirado na lenda de Fausto, "Filme Demência" narra a viagem de um derrotado (Ênio Gonçalves) ao interior de si mesmo. Após assistir impotentemente a falência da empresa que herda do pai, e na impossibilidade de conduzir sua vida matrimonial, se refugia em visões e mergulha na noite da metrópole desvairada em busca dos últimos elos vitais. Neste trajeto alucinado, vai encontrando diversos personagens: o amigo de infância, Wagner (Fernando Benini) e Mefisto (Emílio Di Biasi), que surge travestido de traficante, vampiro num filme e uma velha ao final. O filme de Reichenbach é denso, uma espécie de "puzzle" visual para ser armado pelo próprio espectador. Possivelmente o filme mais difícil em termos de consumo, "Demência" foi mostrado na mesma noite em que era exibido "Tigipió - uma questão de amor e honra", realização do cearense Pedro Jorge de Castro, com base em conto de Herman Lima, premiado em novembro do ano passado, no FestRio, com os troféus Pierre Kast e Dom Quixote. Rodado no Interior do Ceará, com três intérpretes - José Dumont, B. de Paiva e Regina Dourado -, este filme linear, com uma linguagem tradicional, tem entretanto bom ritmo. E revela uma bonita e sensível atriz: a baiana Regina Dourado, anteriormente vista em ponta no "Baiano Fantasma", de Denoy de Oliveira (premiado em Gramado, como melhor filme, em 1984) e que tem aparecido em alguns programas da série "Quarta Nobre", da TV Globo, não só como atriz mas como co-roteirista ("Noutro lado do horizonte"). "Tigipió" tem música de Ednardo, um dos compositores presentes em Gramado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
11/04/1986

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