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Aramis

Bianchi, um "Romance" na tela com happy end

Ufa! O filme ficou pronto! Muitos, como sempre, nem acreditavam que afinal a primeira cópia chegasse, afinal, à cabine de projeção. Mas chegou. Há três semanas, Sérgio Bianchi, paranaense de Ponta Grossa, 42 anos, pode convidar alguns amigos muito especiais - como os críticos Rubens Ewald Filho e Edmar Pereira, do "Jornal da Tarde" - para a primeira sessão de "Romance", seu segundo longa-metragem. Algumas outras pessoas ligadas à comunidade cinematográfica também já assistiram sua nova realização - a exemplo do primeiro longa, "Maldita Consciência", uma obra extremamente pessoal. Dentro de alguns dias, "Serjão" - como é conhecido em Curitiba, cidade na qual viveu muitos anos - deve chegar com as latas do filme debaixo do braço para fazer as primeiras exibições a convidados especiais. Por telefone, já acertou com o amigo Francisco Alves dos Santos, responsável pela área de cinema da Fucucu, o lançamento de "Romance" no Cine Ritz, dentro de no máximo, 60 dias. "Maldita Consciência", no qual se empenhou também por mais de três anos, foi o filme que inaugurou o Cine Groff, praticamente em lançamento nacional. Obra assumidamente "maldita", difícil para quem busca um cinema tradicional, o primeiro longa de Bianchi estava com dificuldades de exibição. Mas depois de duas projeções em circuitos especiais em São Paulo e Rio de Janeiro, ganhou entusiásticos elogios e transformou-se num cult movie que o fez, até hoje, ter sempre programação. Portanto, Sérgio não poderia deixar de querer que "Romance" também comece sua carreira por Curitiba. - "Mesmo com todas as brigas, Curitiba é a cidade do meu coração". Longo Caminho - Falar em Sérgio Bianchi, com seus quase dois metros de altura, magro, de uma imensa ternura - capaz de se emocionar e chegar às lágrimas com imensa facilidade - é falar de uma pessoa talentosa, de intensa criatividade e emoção à flor da pele. Sempre foi assim, desde os seus dias de estudante secundarista, residindo na pensão "Sing-Sing", na Rua Carlos de Carvalho - colega de quarto do então "duro" repórter Luiz Carlos Zanoni, ponta-grossense como ele - hoje próspero proprietário de fazendas, cidadão do mundo que passa longas temporadas no Exterior. Aqui em Curitiba, Bianchi começou a fazer teatro, tornou-se um cinéfilo apaixonado - aliás, paixão desde a infância - e deixou inúmeros amigos e estórias. Decidido a encarar a vida em São Paulo, foi aluno da Escola de Comunicação e Artes da USP, realizou dois curtas, complexos, fascinantes mas polêmicos, inspirados no seu autor-de-cabeceira, o uruguaio Julio Cortazar (1914-1984) - "Omnibus" e "A Segunda Besta". Foi um bom aprendizado que o aproximou de artistas que o entenderam em suas idéias - como Rodrigo Santiago, Sérgio Mamberti e Maria Alice Vergueiro, entre outros, que há dois anos, aceitaram participar de "Romance", mesmo sabendo que a produção teria problemas de tempo, seria pobre e o pagamento incerto. E se fôssemos falar das dificuldades com que Sérgio Bianchi enfrenta para fazer seus filmes, faltaria espaço neste domingo. O importante é que "Romance" está pronto e inicia uma carreira - mostrando-o como um cineasta de presença firme, que une irreverência godardiana a um humor cáustico - tão bem colocado nos premiadíssimos "Mato Eles?" (1982) e "Divina Previdência" (1983), dois dos melhores curta-metragem desta década. Romance Político - Resumindo, pode-se dizer que "Romance" é um filme político fora da tradição engajada que, no Brasil, se repete na fórmula de "contar uma história e passar uma mensagem". "Romance" faz um inspirado casamento entre a força imediata da denúncia e a inteligência do cinema de invenção" - no entendimento de seu próprio autor. O protagonista, Antônio César (Rodrigo Santiago), é um intelectual de esquerda. Unindo uma formação cultural sofisticada - proveniente de sua formação burguesa - a uma personalidade carismática, ele conseguiu notoriedade pública. Ao mesmo tempo em que se empenha em afrontar o poder com denúncias bombásticas, incorpora a sexualidade ao discurso político. É o retrato do revolucionário pleno. Seu individualismo, radical, no entanto, o aproxima do patético. Quando o filme começa, ele está morto. As circunstâncias de sua morte sugerem um argumento policial. Antônio César alardeava que tinha um livro em preparo onde denunciava uma negociata internacional envolvendo uma empresa de agrotóxicos e personalidades políticas. Vítima de um inexplicável acidente, ele não termina o livro e tudo o que já estava supostamente escrito desaparece em seus resíduos. Fernanda (Isa Kopelman) e André (Hugo Della Santa) trazem esses resíduos em suas próprias existências. Os percursos dos três personagens são simultâneos, independentes, mas irremediavelmente interligados. O fim de tudo se define metaforicamente pela idéia de suicídio. Obra Aberta - A síntese acima, do press-book que Sérgio preparou, meio contra a vontade mas pela necessidade de "explicar" o filme, não sintetiza em absoluto o seu filme. Obra aberta, como foram seus curtas e "Maldita Coincidência", os personagens se intercambeiam, não há preocupação de uma linearidade - mas há os fatos do aqui e agora, personagens como Aids, políticos corruptos, solidão - enfim uma argamassa oferecida para que o próprio espectador possa construir, visualmente, em sua cabeça, uma (in)formação que Bianchi propõe apenas em linhas gerais. Num texto ao qual chamou de "Dualidades Construtivas", Bianchi diz que "toda a complexidade temática do "Romance" não se realizaria se o filme não recebesse um tratamento estético à altura. Esse tratamento se define pela articulação de procedimentos aparentemente incompatíveis, fazendo conviver a linearidade e a descontração, o naturalismo e a farsa". Um exemplo disso é a justaposição durante o velório da seqüência inicial de um depoimento da deputada Ruth Escobar sobre a morte de Antônio César com os pêsames dado a Fernanda por uma personagem interpretada por Elke Maravilha. Ruth fala direto para a câmera, numa situação típica de telejornalismo, o que pode levar muita gente a pensar que Antônio César realmente existiu e que aquele depoimento foi retirado de arquivo de televisão. Logo em seguida, entra Elke Maravilha numa performance descaradamente farseada, denunciando a ficção. Em outro momento, a personagem dona Cecília (Beatriz Segall), tia de Antônio César, é num primeiro momento sugerida ao público através de um comercial de seus empreendimentos imobiliários, apresentado pela atriz Maria Alice Vergueiro. No comercial, a farsa é declarada, e antecipa a imagem de dona Cecília como produto de ficção. No entanto, logo em seguida, aparece a "verdadeira" dona Cecília, interpretada com todo naturalismo por Beatriz Segall. Radicalizando o procedimento de criar ambigüidades, na seqüência em que outra personagem, Maria Regina (Imara Reis) volta de Curitiba para São Paulo após sofrer um atentado, o fluxo da narrativa é interrompido pela intromissão de um documentário sobre a vida precária da população na região do Vale da Ribeira. Um documentário com denúncias virulentas, no estilo de Antônio César, só que narrado cinicamente, como se o locutor estivesse descrevendo a beleza da natureza e os benefícios do progresso. Jogando o tempo todo com essa ambigüidade entre o real e o imaginário, "Romance" constrói uma verossimilhança cinematográfica às vezes fantástica, às vezes absurda, mas sempre inusitada e inteligente. O Filme - Mesmo com todas as limitações orçamentárias e dificuldades de produção - brigas na equipe, desistência da atriz Fernanda Torres em fazer o papel que acabou com Imara Reis (revelada como atriz dramática em "Filme Demência", de Carlos Reichenbach) e problemas nas filmagens tanto em Curitiba como em São Paulo, o filme está pronto. No elenco, há nomes conhecidos - como Cristina Mutarelli, Maria Silva, Emílio Di Biasi, Cláudio Mamberti - além de atores de Curitiba, como Christo Dikoff, velho amigo de Bianchi, hoje assessor da Fundação Teatro Guaíra, que aparece como um diretor de cinemateca e o dublê de atleta-ator-bailarino Rafael Pacheco - além de três participações muito afetivas: Maria Alice Vergueiro, Elke Maravilha e Ruth Escobar. A fotografia é de Marcelo Coutinho. No roteiro, houve um "brainstorm" com a inteligência de Fernando Coni Campos, Mário Carneiro, Caio Fernando Abreu, Cristina Santeiro, Cláudia Maradei e Suzana Semedo - sobre o argumento original de Bianchi e Rubens Albuquerque. A trilha sonora é de um grupo, predonimantemente, chamado de "Chance". Realmente pelo som que apresenta, "Romance" é o filme que dará chance aos seus integrantes de acontecerem no meio musical. Assim como, espera Bianchi, tenha a chance de ter um maior reconhecimento do seu inegável talento. LEGENDA FOTO 1 - Sérgio Mamberti, o deputado Tavares. Um papel marcante. LEGENDA FOTO 2 - Sérgio Bianchi dirigindo "Romance", um filme político e crítico, ainda inédito. LEGENDA FOTO 3 - Isa Kopelman, uma nova atriz que Bianchi lança. LEGENDA FOTO 4 - Imara Reis e Raphael Pacheco numa seqüência rodada no bar do Hotel Eduardo VII. LEGENDA FOTO 5 - Isa Kopelman, Hugo Della Santa (esquerda) e Rodrigo Santiago - num filme que mistura ficção e realidade, do ponta-grossense Sérgio Bianchi. LEGENDA FOTO 6 - Imara Reis e Cristina Mutarelli em "Romance", um filme polêmico antes mesmo de ser lançado. Possivelmente estará competindo no próximo Festival de Gramado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
8
14/02/1988

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