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Filme-tese faz a revisão do que foi o tropicalismo

Brasília Na abertura de "Infinita Tropicália", o média metragem de Adílson Ruiz sobre Os Anos 60, o compositor baiano Tom Zé, 50 anos, dirige-se à platéia e indaga: - A curta seqüência é propositalmente mal focalizada, num intuito de protesto contra uma das maiores queixas dos cineastas em relação ao mercado exibidor: a medíocre qualidade de projeção hoje, aliás, uma das preocupações da própria Embrafilmes. O que Adílson Ruiz, 35 anos, professor de cadeira de "Realização e Concepção em Cinema" no curso de mestrado em Multimeios na Unicamp, em Campinas, não imaginava é que o seu filme o primeiro a ser projetado neste XIX Festival de Brasília do Cinema Brasileiro seria mais prejudicado pela falta de qualidade técnica do aparelho em 16mm. Imagens fora de foco, som dessincronizado - prejudicando um belíssimo documentário no qual a música e depoimentos de pessoas participaram diretamente do Movimento Tropicalista (José Celso Martinez Correa, Jards Macalé, Gilberto Gil, Décio Pignatari, Júlio Medalha, Hélcio Oiticica, Nara Leão etc.), revoltaram não só o cineasta mas também jornalistas e cineastas que, no primeiro debate, manifestaram sua irritação contra este problema que se repete em quase todos os festivais: a qualidade da projeção, especialmente quando filmes de 16mm. Filme-Tese - apresentado em 8 de maio último, como tese de seu curso de mestrado em cinema na Escola de Comunicação e Artes da USP, "infinita tropicália" é um dos mais interessantes documentários já realizados no Brasil sobre a nossa música popular. Investigando o Movimento Tropicalista - às vésperas de completar seu 20º aniversário (foi no Festival da Record, em São Paulo, que Gilberto Gil e Caetano Veloso lançaram "Domingo no Parque" e "Alegria, Alegria", respectivamente - músicas-marco desta proposta antropofágica de resgate de valores polêmicos da cultura popular) - Adílson Ruiz conseguiu compactar em 36 minutos uma síntese do significado das propostas que, pelo menos num período de dois anos, fizeram a cabeça de uma geração interessada em música, cinema e teatro - especialmente nas experiências vanguardistas de José Celso Martinez Correa e o Grupo Oficina a partir de "O Rei da Vela" de Oswald de Andrade. A exibição de "Divina Tropicália" - filme que será transformado em vídeo-tape, para futura comercialização e terá também uma edição comentada do roteiro - provocou um interessante debate sobre a tropicália, seus valores e conseqüências. O maestro Júlio Medalha, regente da Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo, a exemplo de Rogério Duprat, ligado às propostas daquela geração - e que fez os arranjos do histórico LP-manifesto "Tropicália" (Philips, 1967), ofereceu um contundente depoimento. Sem meias palavras, criticou a música brasileira que se faz atualmente, sem inventividade e que os talentos dos anos 60, incluindo os que participaram do tropicalismo, estão hoje preocupados em ganhar cada vez mais dinheiro, enquanto Milton Nascimento choraminga suas mágoas e Simone é o exemplo pior do boleirismo de churrascarias. A exemplo do que aconteceu em Gramado, em abril último, Júlio Medalha veio a este Festival a convite do próprio Adílson Ruiz, já que, sendo um dos principais depoentes de "Infinita Tropicália", nada melhor do que a sua presença física para ajudar a discutir este média metragem polêmico, instigante e atual - merecedor de ser visto e revisto. Adílson Ruiz já trabalha atualmente em um novo filme. Desta vez é uma proposta literária, num roteiro desenvolvido em colaboração com dois professores de Literatura - Mário Bacelar e Bráulio Mantovani no qual integrou elementos de "Fragmentos do Discurso Amoroso" de Roland Barthes (que já motivou também "A Espera", de Maurício Farias, curta premiado no último Festival de Gramado) e "Wether", a clássica obra de Goethe, com o título de "Carlota Amorosidade", transportando ao presente os personagens da obra de Goethe (como Carlos Reichbanch fez com "Fausto", no seu "Filme Demência"), o novo filme de Ruiz, interpretado por jovens paulistas (Chico Brandão, Ceres Ramos e José Rubens "Xaxá") já foi rodado, mas para sua conclusão Ruiz precisa um mecenas disposto a investir mais Cz$ 500.000,00. São tantos os festivais que já faltam os filmes A discussão de uma filosofia para os Festivais - capaz de englobar desde problemas técnicos de projeção (que tanto irritam os cineastas) até os critérios de premiação, pode motivar, até o final desta 19ª edição do Festival de Brasília a elaboração de um contundente documento. O próprio diretor-geral da Embrafilmes, Carlos Augusto Calil, não esconde seu interesse de que o assunto seja discutido pelos interessados realizadores, atores, roteiristas, produtores e jornalistas. Calil acha, com razão, que não há condições de se realizar atualmente mais do que dois festivais competitivos de alto nível e que a multiplicação dos mesmos, somente traz prejuízos a todos. Ao invés de festivais competitivos é favorável a mostras informativas, sem premiações - mas com amplas condições de promover o cinema nacional. Se o Cine-Rio Festival já teve pouco interesse em filmes de qualidade para competição, os próximos festivais correm riscos semelhantes.A Embrafilmes, numa política de boa vontade e prestigiamento à Fundação Cultural do Distrito Federal, usou de toda sua força para trazer filmes importantes para esta mostra - incluindo a maioria de obras inéditas. Entretanto, em contrapartida é necessário que o festival tenha resultados concretos. Sérgio Toledo, 30 anos, diretor de "Vera" - longa-metragem exibido ontem, e que até agora teve este filme mostrado apenas numa sessão da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (sem premiações), diz: - É preferível concorrer num festival importante, no qual o critério de seleção já seja, em si, uma premiação, mesmo arriscando a não conseguir maiores distinções, do que ser premiado em festivais sem maior significado. Mostras novas como o Festival de Cinema de Caxambu - que em dezembro terá sua terceira edição - ou o de Fortaleza (cuja segunda edição foi adiada para maio) terão problemas de conseguirem filmes importantes para competição. Mesmo para o III FestRio (20 a 29 de novembro), há dificuldades na seleção dos filmes brasileiros. Até agora, o único escolhido foi "A Ópera do Malandro", de Ruy Guerra, baseado na peça de Chico Buarque - e só visto no Exterior (na mostra paralela de Cannes e lançado comercialmente em Paris e Nova Iorque). Um filme que poderia ter boa performance no FestRio seria "A Cor de Seu Destino", de Jorge Duran (será exibido hoje) - que pela sua temática política atual (a busca de identificação de um jovem exilado cubano que vive no Rio de Janeiro) figura como um dos favoritos deste Festival. Entretanto, diante da possibilidade de ser também selecionado para o próximo Festival de Berlim, é possível que seus realizadores prefiram esta hipótese, descartando a participação, ao menos em forma competitiva, no Festival Internacional de Cinema e Televisão do Rio de Janeiro. Com Norma Bengel num papel importante - (ela estava sendo aguardada em Brasília neste final de semana) e jovens intérpretes como Julia Lemmertz (filha de Lilian, falecida há poucos meses), Andréa Beltrão e Chico Diaz, "A Cor de Seu Destino", penúltimo filme em competição, é esperado com grande expectativa. O último longa em competição, "Baixo Gávea", de José Marinho Barbosa, deve motivar a presença, neste início de semana, de duas belas atrizes - Lucélia Santos e Louise Cardoso, e mais José Wilker, premiado no último Festival de Gramado como o melhor ator por sua atuação em "O Homem da Capa Preta", de Sérgio Rezende, membro do júri de Longa-metragem. Rezende, aliás, é o realizador de um dos mais belos filmes já feitos em Brasília: "O Sonho não Acabou". LEGENDA FOTO 1- Ana Beatriz Nogueira - uma nova atriz - e o veterano Raul Cortez em "Vera", de Sérgio Toledo. LEGENDA FOTO 2 - "A Cor de Seu Destino", um filme de Jorge Duran, em competição no festival de Brasília.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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02/11/1986

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