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Aramis

À Flor da Pele (II)

Apesar de sua universidade - é um dos poucos filmes brasileiros com um interesse geral, sem o folclorismo regional, capaz de emocionar o espectador sensível e inteligente em qualquer país - "A Flor da Pele" (cine Rivoli, 4 sessões) é uma obra pessoal. Mas justamente Ramalho Júnior conseguir uma obra tão comunicativa, tão ampla, que emociona e entusiasma o espectador pelo seu approach, por sua linguagem, independente do bom acabamento técnico-artístico obtido. Ramalho Júnior, 36 anos, um curso de engenharia eletrônica interrompido no último ano, uma experiência de cinema que inclui trabalho em todos os setores ("só não fui ator"). Não deixou de fazer citações em seu filme: numa das primeiras seqüências, quando Marcelo Fonseca (Juca de Oliveira) autografa na livraria Pathernon o seu livro sobre história do teatro, uma das pessoas que aparece é o arquiteto Villanova Artigas, um dos mais admirados profissionais brasileiros, autor aliás do projeto de três sofisticadas mansões na Rua Fontana. Em seguida, a câmara, numa seqüência externa, focaliza vários prédios por ele projetados. Quando o filme estava sendo realizado (novembro/75), morreu o escritor Érico Veríssimo, que Ramalho Júnior havia conhecido algum tempo antes. A emoção foi tão grande que interrompeu as filmagens e, no dia seguinte, intercalou uma homenagem ao amigo morto: Marcelo fala a Verônica (Denise Bandeira) sobre Veríssimo, e a câmara focaliza a capa da revista "Veja" que tratou o assunto e também aparecendo o livro "Solo de Clarineta" (volume I). Para Francisco Ramalho Júnior, À Flor da Pele foi "a psicanálise mais cara" de sua vida (produção de Cr$ 600 mil), pois colocou muito de si no tratamento do personagem Marcelo e, em longas e pessoais conversas com a atriz Denise Bandeira, obteve dela resultados tão excelentes que foram reconhecidos pelo júri do Festival de Gramado, ao lhe dar o Kikiko como melhor atriz. Essa "autopsicanálise" - diretor-intérpretes, é que resultou em tanta verdade, tanta sinceridade transpostas na tela: dificilmente se conseguiria uma seqüência tão dramática, tão digna, quando a representação debochada de "Hamlet", entre Verônica e Toninho (Ewerton de Castro), seguida da violenta intervenção de Marcelo. Cenas como essas facilmente resvalariam para o ridículo, se não houvesse interpretações perfeitas e, sobretudo, segurança do diretor. Aliás, ao contrário de tantos cineastas brasileiros, que preocupados com a politica e a "mensagem internacionalista" de seus filmes esquecem-se dos atores e atrizes, Ramalho, inteligentemente, voltou-se para as pessoas - entendendo que elas é que fundamentam a obra. E se a personagem Isaura Fonseca (Beatriz Segall) aparece em segundo plano, sem um aprofundamento psicológico, é proposital: a destratalização do texto de Consuelo de Castro inclusive é que provocou o seu surgimento, mas o duelo-diálogo tinha que se manter entre Marcelo-Verônica, apesar dos fortes personagens Torinho e Jorge, o pintor (Sérgio Mamberti), esse em sua solidão e amargura, lembrando o milionário exêntrico que Donald Sutherland interpretava em "Joana" (1969, de Michael Sarne). Sérgio Hingst, a figura mais fraca do elenco, é pesado e pouco convincente como o intolerante pai. Mais uma vez desperdiçou um excelente papel. O filme de Ramalho é a síntese de talento-sensibilidade: um roteiro perfeito, o bom gosto visual, valorizando São Paulo (o MASP, Ibirapuera, barzinhos, parques, etc.) como paisagem e integrando-a na história e, sobretudo, as interpretações definidas de Juca de Oliveira e Denise Bandeira. Eduardo Gudim, compositor paulista que há 6 anos já merece nossa admiração, trabalhando com o letrista Paulo Cesar Pinheiro, ofereceu uma trilha sonora ajustada aos personagens, com as canções valorizadas nas vozes de Cybelle (ex-Quarteto em Cy, há alguns anos afastada da vida musical) e do novato Roberto Roberti. "Derradeiro Porto", canção tema que encerra o filme -na belíssima seqüência no terraço do edifício Itália, gravada por Gudim (e mais Jane Moraes) como faixa de abertura de seu último lp (Odeon, SMOFB 3894, março/76), é uma composição belíssima que, ouvida dentro do clima da obra de Ramalho, adquire maior dimensão e permanece na retina, como as imagens deste filme que, temos certeza, terá lugar cativo entre os 10 melhores desde 1977. Ah! O passado valeu Pelo que nos deixou entre os erros e acertos de Deus As minhas fraquezas antigas você dominou E as culpas maiores que eu tinha Você perdoou Porque um precisou do outro E entre nós todo mal foi morto E nós dois temos hoje um caminho, sem fim Bem melhor para você e para mim E eu vou fazer meu corpo/de meu derradeiro porto E ancorar o meu velho navio/como quem dormiu (Derradeiro Porto, Paulo Cesar Pinheiro, Gudim).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
16/02/1977

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