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Aramis

Maringá em tempos pioneiros nas memórias de dona Winnie

Se a bibliografia histórica do Norte do Paraná é ainda reduzida - pela própria juventude da região, ainda sem tempo de ter sua história contada (e cantada) em prosa e verso - Maringá pode se orgulhar de ter duas obras importantes para que se conheça melhor a sua formação. Só que ambas ainda estão inéditas! A primeira delas é "Memórias de um bom Sujeito" do jornalista Ivens Lagoano Pacheco (1911-1980) - sobre a qual dedicamos uma página, na edição de 24/11/91. A segunda, ainda sem título, está com os originais à espera de tradução e, naturalmente, editor. Ainda não tem título e foi escrito por uma das mulheres que mais virou o processo de colonização da Cidade-Canção: a Sra. Winnierfredi Ethel Bueno Neto, 85 anos, avó do atual prefeito da cidade, o jovem e impetuoso Ricardo Barros, 32 anos, cuja ambição política o faz surgir até como candidato a candidato do PFL a Prefeitura de Curitiba como rampa de lançamento ao governo do Estado. xxx Enquanto Ivens Lagoano Pacheco, fundador do "Jornal de Maringá"-, primeiro diário daquela cidade e por anos um dos mais influentes da região - veio de Lagoa Vermelha, no Rio Grande do Sul, dona Winnie, uma senhora de cabelos brancos, lembrando uma personagem literária, nasceu na Ilha de Santa Helena, no Oceano Atlântico, pertencente à Inglaterra, distante a 1.900 km da África e 3.500 km do Brasil - lembrada sempre como o local em que o imperador Napoleon Bonaparte (Ajjacio, Itália - 1769 - Santa Helena, 1821) morreu no exílio, após sua última campanha militar para conquistar a Europa. Falando principalmente em inglês - mais de 50 anos de Brasil não a fizeram optar pelo português para a comunicação mesmo familiar (mas graças a isto seus filhos e netos aprenderam o inglês como língua natural), dona Winnie escreveu seu livro de memórias no idioma de Shakespeare e a exigência de que a tradução seja perfeita é uma das razões que mantém ainda suas 232 páginas inéditas. Dona Winnie tem, por certo, muita coisa para lembrar. Desde sua infância na Ilha de Santa Helena, onde conheceria em 1924 um paulista de sangue de viajante, Oduvaldo Bueno Neto, que então integrado a Marinha americana ali chegou em missão de pesquisas, pois como taxidermista havia iniciado sua carreira alguns anos antes, ainda no Brasil. Paulista de Mogi-Mirim, descendente de Altino Arantes - que chegou a ser governador de São Paulo, Oduvaldo apaixonou-se à primeira vista pela bela jovem filha de pais ingleses e que, então, tinha 18 anos - nasceu em 2 de novembro de 1906. O fato de ele não falar inglês e ela não conhecer uma única palavra em português foi compensado pela linguagem do amor e mesmo havendo uma natural oposição de sua família, algumas semanas depois estavam casados. A lua-de-mel teve que esperar por alguns meses, pois a missão que o havia levado a Ilha de Santa Helena exigiu uma mudança de roteiro e a esposa recém-casada permaneceu na ilha a espera que voltasse. Oduvaldo retornaria e juntos sairiam pelo mundo, já que deixando o trabalho de taxidermista junto a U. S. Navy - "alguns dos trabalhos que fiz naquela época estão no Museu Nacional de História Natural, em Nova York" relembra - acabaria aceitando um emprego na área de exportação de uma firma do Rio de Janeiro com filial em Nova York, onde trabalharia até 1929 - o ano do crack que, entre outros sonhos, levou também o seu projeto de ficar nos Estados Unidos. De volta ao Brasil, o casal viveu algum tempo no Rio de Janeiro, mas acabou retornando a Santa Helena. "Afinal, ali estavam meus familiares e havia condições melhores de trabalho" recorda dona Winnie. Executivo de visão, Oduvaldo acabaria se fixando na capital da Ilha, Jamestown, por 15 anos, período em que ali implantou uma empresa de transportes de ônibus e também montou cinemas - atividade que voltaria a tocar quando, depois da II Guerra Mundial, de volta ao Brasil, acabou sendo um dos pioneiros de Maringá - cidade fundada pela Companhia de Terras Norte do Paraná, traçada pelo urbanista Jorge Macedo Vieira e que seria elevada a categoria de distrito em 10 de maio de 1947 e, pela lei 790, de 14 de novembro de 1951, transformou-se em município, desmembrando-se de Mandaguari. Como milhares de brasileiros que nos anos 40 vieram fazer o Norte do Estado - pioneiros das cidades que ali nasciam após Lord Lovat (Simon Fraeser, Escócia-? Londres, 1933) ter, em 1924, iniciado o processo de ocupação da faixa de terras existentes entre os rios Tibagi, Ivaí e Paranapanema - os Bueno chegaram a Maringá quando a vila ainda tinha menos de 2 mil habitantes, "e era uma rua empoeirada, assustadora a quem não tivesse espírito de pioneira" recorda dona Winnie. O casal e seus 8 filhos acreditaram na nova cidade e como primeiro negócio decidiu que a região precisava de oferecer entretenimento para os que ali suavam para construir uma nova fronteira. Assim inaugurou o cine Maringá - improvisado com o equipamento que pode conseguir, "no início até em projeções ao ar livre, confiando em que não chovesse" recorda-se o pioneiro da área de exibição. A novidade, naturalmente, fez sucesso e já com auxílio dos filhos mais velhos - "toda a família trabalhava para que as sessões acontecessem" - em 1947 construía o prédio daquele que seria, historicamente, um dos primeiros cinemas da região. Só que, dentro de sua visão empresarial Oduvaldo Bueno Neto não ficaria apenas no ramo de cinema: enquanto dona Winnie e os filhos cuidavam destes negócios, ele importava a primeira motosserra que chegou na região e "que ajudou a abrir caminhos entre as grandes formações florestais que haviam em toda aquela região" recorda. Comprou terras, investiu em fazendas e sem abandonar a área de exibição levaria também a novidade as outras cidades fundadas pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná - como Apucarana - implantada a partir de 1938 e elevada a município em 30 de dezembro de 1943 - e Paranavaí, esta de mais antiga colonização (1930), mas que somente se tornaria município em 14 de novembro de 1951 - desmembrada também do município de Madaguari e cujo primeiro prefeito, José Vaz de Carvalho, tomaria posse em 14 de dezembro de 1953. xxx Mesmo destacando-se dentro de Maringá como um dos pioneiros de maior prestígio, Oduvaldo nunca mais quis fazer vida política. Deixou isto para um de seus genros, o mineiro Silvio Barros - marido da filha Bárbara e pai do atual prefeito e deputado estadual por muitos anos. Outro de seus filhos, Carlos, também fez vida política, como vereador em várias legislaturas. Participando - já através dos filhos - da fundação da Cocamar - em 27 de março de 1963 e que cresceria muito nos anos 70 e 80 - Oduvaldo decidiu, nos anos 60, que era tempo de deixar Maringá para que seus filhos tivessem melhores chances de estudar em cidades maiores. Hoje, vê com alegria sua imensa descendência - "são mais de 150, 57 dos quais netos" comenta dona Winnie, espalhando-se em vários setores de atividades. Há professores, empresários, profissionais liberais, executivos etc., entre o clã dos Buenos, que ao menos de dois em dois anos volta a reunir-se em Maringá - ou então na praia de Ubatuba, em Santa Catarina, onde o casal passa grande parte de seu tempo. A grande festa da família aconteceu há sete anos, em 4 de novembro, quando os 60 anos de casamento foram lembrados com uma série de festividades, inclusive a publicação de uma edição especial de um jornal social, com o colunista Frank Silva (hoje dono do "Jornal de Maringá") historiando a vida da família e apresentando detalhadamente a imensa árvore genealógica dos Buenos - que inclui os filhos Anna Letícia - casada com o advogado Sebastião Lima de Carvalho, residente em Mogi-Mirim (mãe de 12 filhos), Carlos Eduardo, Christopher Peter, Barbara Cely, Oduvaldo Neto, Renato e Winifred Sylvia. xxx Uma vida rica em experiências e andanças - que inclui a passagem também de Oduvaldo por Buenos Aires e Uruguai, numa fase em que aventurou-se na área da construção de navios, lembranças de um tempo em que os homens empreendedores lançavam-se em grandes projetos, sem temer os riscos de derrotas. Com sensibilidade e emoção, dona Winnie recorda sua vida nas páginas de seu livro - que, merece ter uma cuidadosa edição. Justificando o vigor físico do casal, Oduvaldo dá a sua receita: "Dormir pouco, nunca ter tempo para desperdiçar, exercício físico e correr muito". Tendo conhecido - e até se transformado em personagem de um dos contos de João Guimarães Rosa (1906-1967) - que quando embaixador, ficou surpreso um dia, no Itamarati, ao saber que havia um brasileiro residindo na Ilha de Santa Helena e fez questão de conhecê-lo - espírito desbravador (praticamente participou de todas as iniciativas ocorridas em Maringá em seus 20 primeiros anos). Oduvaldo e dona Winnie nestes últimos anos têm viajado muito. Entretanto, desde 1946, nunca mais retornaram a ilha de Santa Helena, o que ele explica, em sua juventude de 85 anos. - Eu nunca gostei de voltar; quero ir sempre pra frente... LEGENDA FOTO - O casal Oduvaldo-Winnie Bueno - pioneiros de Maringá (na foto, à direita, o jornalista João DeDeus Freitas Neto). Uma vida de pioneirismo, iniciada na ilha de Santa Helena e que após 1947 acompanhou o nascimento de Maringá - onde instalaram o primeiro cinema da região.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
2
23/02/1992

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