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Aramis

O som orquestral, os blues e o punk em três boas trilhas

As trilhas sonoras chegam mais uma vez na praça. Desde filmes ainda inéditos - como "A Encruzilhada", com a guitarra triste de Ry Cooder (revelação no Brasil pela música de "Paris Texas") ao aperitivo, em mix, da trilha que o parananese Arrigo Barnabé fez para "Cidade Oculta", na qual também é ator. Para os que têm mais de 60 anos, uma raridade: canções das velhas operetas estreladas por Jeanette MacDonald e Nelson Eddy. Já Nana Mouskouri, com "Only Love", da trilha da minisérie "Quando Pinta o Amor", ganha destaque ao aparecer também na banda sonora de outra produção de televisão. E para o público punk, está chegando - antes do filme - a música de "Sid & Nancy - Paixão que Mata", a tragédia do "Sex Pistols" Sid Vicious. Três trilhas sonoras surpreendentes, de filmes up to date praticamente ainda inéditos nos circuitos comerciais, mas que deverão se constituir em grandes sucessos de bilheteria neste final de ano: "Perigosamente Juntos" (Legal Eagles), "A Encruzilhada" (Crossroads) e "Sid & Nancy - O Amor Mata", em lançamentos da WEA, que assim se redime do pecado de ter somente feito a edição da música de John Barry para "Entre Dois Amores" (Out Of Africa, 85, de sidney Pollack), meses depois do filme ter sido lançado. Ou, mais grave ainda, só agora ter colocado nas lojas a trilha original de "E.T.", com a música de John Williams para o enternecedor filme de Steven Spielberg. Em compensação, "Croosroads" tem tudo para ficar como um dos melhores discos do ano, pois salvo engano, é o primeiro disco do extraordinário guitarrista Ry Cooder a aparecer no Brasil. A sofisticação Criativa Comédia ambientada nos meios elegantes das galerias de arte de Nova Iorque, "Perigosamente Juntos" (Legal Eagles), de Ivan Reitman (o diretor de "Ghostbusters - Caçadores de Fantasmas"), poderia cair naquele terrível esquema de trilha sonora montada com hits pop, como o comerciante George Moroder vem fazendo de forma tão repetida desde "American Gigolo". Felizmente isto não acontece. O veterano Elmer Bernstein, 34 anos de experiências na área da criação de soundtracks (em 1952 fez a sua primeira trilha, para o filme "Precipícios D'Alma/Sudden Fear", de David Miller), soube construir uma banda sonora moderna, mas sem resvalar para o consumismo jovem neste "Legal Eagles", que reúne um dos mais famosos atores americanos - Robert Redford, ao lado de duas novas estrelas em ascensão: Debra Winger e Daryl Hannah. A música de Bernstein flue tranqüilamente, com a segurança de quem sabe criar belíssimos acordes (basta lembrar seus trabalhos como "O Homem do Braço de Ouro", 1955; "Deus Sabe Quanto Te Amei", 1958; "Sete homens e Um Destino", 1960; "Fugindo do Inferno", 1962; "Pelos Bairros do Vício", 62; "Hawai", 66; "Adorável Millie", 1966 etc). Claro, que a música funciona melhor após se assistir ao filme, mas independente das imagens tem uma extrema harmonia - e para isto contou muito a escolha da United Kingdom Symphony para a gravação instrumental. Há três temas cantados: "Good Lovin" (Artie Reenick/Rudy Clark) com o grupo "The Rascals; "Magic Carpet Ride" (Rushton Moreve/John Kay) e o curioso "Put Out The Fire" que revela a atriz Daryl Hannah (já vista também em "Splash - Uma Sereia em Minha Vida") como compositora e cantora. Mas o melhor mesmo é a parte instrumental, com Bernstein mostrando que é capaz de fazer uma trilha moderna, suave e perfeitamente integrada ao clima do filme. O Renascer do Blues "A Encruzilhada" (Crossroads), de Walter Hill ("The Warriors/Guerreiros da Noite", "48 Horas"), tem tudo para se tornar um grande sucesso: estrelado por Ralph Machio, o garotão que se firma cada vez mais como astro deste final de década ("The Outsiders", "The Karate Kid"), aborda um tema fascinante: a amizade de um jovem guitarrista (Ralph), por um velho intérprete de blues (Joe Sêneca), e a ação é curtida ao longo de uma viagem de retorno ao Mississipi. Assim, há o clima de "film on road" (filme da estrada), que tanto parece identificar a música do guitarrista Ry Cooder, talento que só passou a ser reconhecido no Brasil após "Paris-Texas", de Wim Wenders (para quem fez a trilha sonora). A trilha sonora de "Crossroads" (sem data ainda para lançamento em Curitiba), é fascinante: sendo uma história de músicos de blues (com pitadas de country), o desenrolar do encontro do jovem Eugene e do velho Willie vai sendo realçado pela música, do brilhante puritanismo de um arranjo e interpretação de William Kanensimger sobre a "Turkish March" (Mozart), chegando ao clímax com o caloroso duelo musical entre Eugene e o "músico do diabo", (Robert Johnson), com interpretação dividida entre Terry Evans/Ry Cooder. Num universo de outsiders, com o Blues como fio condutor da história, "A Encruzilhada" é daqueles filmes que fascinam pela temática e, especialmente, por sua música - que independente das imagens, já nos fazem vibrar. Ry Cooder, compositor e violonista de grande força (outro dos filmes para o qual criou a trilha foi "A Baía do Ódio", de Louis Malle, recentemente exibido no Cinema I), é autor de apenas quatro dos temas - e em dois deles com parceiros: Sonny Terry em "Walkin'Away Blues" (Sonny é um marcante executante de harmônica) e Joe Sêneca também vocalista em "Willie Brown Blues". "Crossroads" tem aquele clima intimista, profundo, de seres humanos em busca de seus destinos. Se o filme de Walter Hill for tão bonito quanto a trilha sonora, por certo estará entre os melhores do ano. O Drama Punk Exibido até agora apenas em sessões especiais - na Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo e, nesta semana, como um dos programas do "Midnight Movies", no Bruni-Ipanema, dentro da multiplicidade de opções oferecidas pelo IIIº FestRio, "Sid & Nancy", de Alex Cox, é um cult-movie da garotada por antecipação. Tendo sua estréia mundial no último festival de Cannes, este filme que conta a tragédia de Sid Vicious, baixista do grupo punk inglês Sex Pistols, e de sua namorada americana Nancy Spugen, que assassinou num quarto do Hotel Chelsea, em Nova Iorque, em 1978, tem condições de se transformar em sucesso de público. Antecipando-se ao seu ingresso nos circuito comerciais, a WEA lança a sua trilha sonora, que foi perfeitamente sintetizada por Apoenan Rodrigues em comentário na "Isto É" (05/11/86): "uma perfeita banda sonora ao clima trágico do filme de Cox, que oferece em suas imagens a visão impotente do casal diante da vida como reflexo da vertiginosa paixão que consome em si mesmo". Assim, a trilha sonora além de reviver alguns clássicos do universo punk (inclusive uma velha canção de Iggy Pop, precursor do movimento ao lado de Lou Reed), traz nomes que ajudaram a construir este curto modismo musical dos anos 70, como o ex-Clash Joe Strummer no tema título ("Love Kiss"), e o grupo pós-punk irlandês The Pogues pode ser ouvido em duas faixas ("Junk Theme" e "Haunted"). O classicismo de Bernstein, os blues de Cooder e a música punk de "Sid & Nancy" são três diferentes exemplos da música de cinema deste final de ano. Cada um, em sua especialidade, válidos e imperdíveis aos colecionadores de trilhas sonoras.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
23/11/1986

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