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Aramis

Os bons filmes que nunca serão vistos

O lançamento comercial de "O Rei da Vela" (Cine Groff, 15, 18 e 21 horas, a partir de hoje) não deixa, sem dúvida, de ser um importante evento para o cinema brasileiro independente. Afinal, o filme, que será visto em sessões normais, levou nada menos que 13 anos para ser concluído e, embora finalizado desde 1982, tendo sido inclusive, premiado no festival de Gramado, no ano passado, permanece inédito para o público. Houve, apenas, algumas exibições especiais (como a ocorrida há 6 semanas, durante a Jornada dos Cine-Clubes), mas, em termos de projeção normal, esse filme, realizado por José Celso Martinez e Noilton Nunes, não encontra fácil receptividade. É bem verdade que seus diretores não aceitam qualquer proposta de exibição, pois era intenção de Zé Celso equipar o antigo Teatro Oficina com cabine de 35mm para o lançamento, em sistema road-show (ou seja, permanecer em cartaz por tempo indeterminado), no próprio espaço em que, há 17 anos, acontecia a explosiva montagem da peça de Oswald de Andrade. A proposta elaborada por Zé Celso esbarrou na economia claudicante da Embrafilmes. Afinal, a estatal vive, há tempos, época de vacas magras (agora magérrimas), não tendo condições de bancar a implantação de salas de exibição. Aliás, há tempos que o presidente da empresa, Roberto Parreiras, quer se livrar do Cine Glauber Rocha, inaugurado há mais de dois anos, em Salvador, com "A Idade da Terra"- e que sempre funcionou no vermelho. xxx O fato do lançamento comercial de "O Rei da Vela" acontecer em Curitiba faz com que seus dois realizadores - Celso e Noilton Nunes retornem a cidade, trazendo também a atriz colombiana Paula Gaetam, uma das viúvas de Glauber Rocha (1938-1981) e que interpreta um dos papéis do filme. José Wilker, ator central tanto na peça como das cenas adicionais feitas para esta produção, não veio porque se encontra, em férias, em Nova Iorque. Com sua narrativa atomizada, dividida em vários planos e enfoques paralelos, "O Rei da Vela" inscreve-se na linha do cinema mais inventivo - Godard, Glauber Rocha, o alemão Aleksander Kluge, entre outros que despreza a linguagem convencional. Os próprios realizadores não estabelecem parâmetros rígidos para a leitura deste filme, que foi sendo elaborado a partir da filmagem integral de uma das últimas montagens de "O Rei da Vela" no Rio de Janeiro (1971). A primeira montagem - que acompanhava a peça linearmente - foi desfeita por Noilton, e ela se acrescentaram várias sequências, entre material filmado com atores e atrizes, cenas de documentários, cinejornais e até cinema-de-animação. O resultado é um filme de mais de duas horas de duração inquietante, provocativo mas inteligente e estimulante - como foi a época de ouro do Teatro do Oficina. Noilton e Zé Celso, já trabalham em novo projeto - tão fascinante mas de tão difícil concretização quanto foi este "O Rei da Vela", o filme. xxx Só graças ao cine Groff e, especialmente, a Cinemateca do Museu Guido Viaro, grande parte da produção cinematográfica brasileira consegue ser mostrada em Curitiba - assim como ciclos especiais (a mostra do cinema alemão, ontem encerrada, por exemplo). Afinal curtas, médias e longa-metragens realizados por jovens cineastas, fora dos esquemas tradicionais do cinema comercial ficam na categoria de "malditos", não obtendo exibição nos circuitos normais. Só em programas alternativos chegam a telas de espaços especiais. Apesar desta abertura, há ainda muitos filmes nacionais que permanecem inéditos, como "A Noiva da Cidade", que Alex Viany realizou com base num roteiro de Humberto Mauro, belíssima trilha sonora de Chico Buarque e com Elke Maravilha na personagem-título. xxx Mas não apenas filmes brasileiros que permanecem malditos, sem lançamento fora do eixo Rio-São Paulo. Mesmo tendo certificado de censura e distribuição por empresas comerciais, alguns filmes de valor artístico nunca chegam as nossas telas. De uma relação de 15 importantes filmes lançados em São Paulo nos últimos dez anos, apenas três ainda poderiam entrar em circuito comercial, pois os demais tiveram vencidos seus certificados de censura (o prazo é de apenas cinco anos). Um destes, a produção cubana "A última Ceia" (1976, de Tómas Gutierrez Alea) foi exibida no Groff há algumas semanas, mas dois outros não têm sequer datas para aqui serem exibidos (atenção bom Chico Alves!): "Belíssima ", 1951, de Luchino Visconti (1906-1976), que teve uma nova cópia lançada pela Seleção Ouro, em outubro de 1980, em São Paulo. Por sua importância dentro da história do cinema italiano, este filme estrelado por Anna Magnani, Walter Chiari e Alessandro Blasetti (também famoso diretor) mereceria um lançamento no Groff. O que terá que ser feito nos próximos meses, antes que vença a censura do filme. Outra importante produção italiana, que tem seu laudo de censura vencido dentro de alguns meses, é "Meus Caros Amigos" (Amici Miei), que Pietro Germi (1914-1974) começou a rodar e foi concluido por seu amigo Mario Monicelli. Distribuido no Brasil pela Omega, "Amici Miei" estreou em fevereiro de 1980 em São Paulo. xxx Eis uma breve relação de importantes filmes, que embora exibidos comercialmente em São Paulo, jamais chegaram a Curitiba - e que já foram transformados em cinzas (afinal, após 5 anos, as cópias são incineradas): "O Pistoleiro Sem Lei e Sem Alma" (Lalnto por un bandido), 1964, de Carlos Saura em seu inicio de carreira; "Um Lugar Tranquilo no Campo" 1968, de Elio Petri; "Auto Stop-Destino Incerto", 1969, de Dino Risi; "Lua-de-Mel de Assassinos", 1970 de Leonard Kastle; "A Audiência", 1971, de Marco Ferreri; "O Amor à Tarde", 1972, de Eric Rohmer; "Themroc", 1973, de Claude Faraldo; "Em Ritmo de Assassinato", 1973, de Samuel Fuller; "O Último dos Valentões", 1975, de Dick Richards (baseado num romance de Raymond Chandler); "A Marquesa D'O ", 76, de Eric Rohmer; "Almas Perdidas", 77, de Dino Risi; "A Última Investigação", 77, de Robert Altman.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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25/08/1984

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