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Aramis

Os documentários no Festival de Brasília

A premiação de "Memória Viva" como o melhor longa-metragem do XXI Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, há uma semana (dividindo o Candango com "O Mentiroso", de Werner Schulmann) foi um reconhecimento do júri ao documentário que melhor tratou a discussão da cultura brasileira. Representando o Brasil no IV Festival Internacional de Cinema, Vídeo e Televisão do Rio de Janeiro (novembro/87), no qual teve premiação especial e, tendo merecido o Prêmio Paulo Emílio Salles Gomes (melhor trabalho de pesquisa histórica, sociológica ou antropológica) na XVII Jornada de Cinema da Bahia (8 a 14 de setembro), "Memória Viva" consagra-se agora com o Candango obtido em Brasília. Há um ano, quando de sua apresentação no FestRio, já falávamos da importância deste filme que, partindo do pensamento (e vida) do múltiplo Aloisio Magalhães - designer, advogado, idealizador do Centro Nacional de Referência Cultural, integrante de vários organismos culturais (e que morreu em Veneza, quando participava de uma reunião da Unesco), se constitui numa obra que discute aspectos de nossa cultura. Atualmente trabalhando na montagem de um novo longa - "Uma Avenida Chamada Brasil" (e sobre a qual fomos, aqui em O Estado, os primeiros a divulgar detalhes, na edição de 2 de outubro último), Bezerra está irritado (com toda razão) pela desatenção da Embrafilme na marcação de datas para a exibição de seu filme - que, a exemplo de "Terra Para Rose", de Tetê de Moraes e "Fronteira das Almas", de Hermano Pena - há um ano espera chance de chegar ao público. Ao receber a premiação, em Brasília, Bezerra dedicou-o "às crianças, ao meu tio, o pioneiro de Brasília, Bernardo Sayão, a Alex Viany, que está completando 80 anos e com quem aprendi amar o cinema e, naturalmente, ao grande brasileiro que foi Aloisio Magalhães". xxx Em Brasília, além do premiado "Memória Viva", concorreram dois outros documentários de longa-metragem, gênero difícil de ser absorvido pelo público e mesmo visto com restrições em festivais (em Gramado, este ano, estes três filmes foram inscritos mas o juri de seleção os cortou). "Brás Cubas", uma interessante proposta de Nei Srolouvich (diretor-geral do FestRio), seu produtor executivo, representou uma forma de aproximar o Brasil e Cuba pelas imagens. Assim o mais conhecido documentarista cubano, Santigo Álvares, veio filmar no Brasil enquanto o brasileiro Orlando Senna foi filmar na ilha de Fidel - cada um procurando mostrar as semelhanças e os contratos culturais entre os dois países. Embora prejudicado na qualidade das imagens (rodado originalmente em 16mm, perdeu muito com ampliação para 35mm), "Brás Cubas" tem momentos de interesse, não merecendo as críticas injustas recebidas durante o Festival. Frustrante foi "Abolição", longuíssimo (150 minutos) documentário do Zózimo Bulbul (Jorge da Silva), 50 anos, mais de 30 filmes como ator e diretor de cinco documentários - todos voltados a temática negra. Produzido para ser um grande painel de presença do negro no Brasil, neste ano do centenário da abolição, o filme de Zózimo perdeu-se por sua extensão e pela falta de melhor ritmo. Com mais de 40 entrevistas de negros - desde nomes famosos nos vários setores até anônimos da multidão, as boas intenções com que a obra foi concebida perderam-se no blá-blá cansativo que toma conta após os 15 primeiros minutos. Mesmo a experiência do montador Miguel Rio Branco (premiado com o Candango, por seus trabalhos em "Memória Viva" e, estranhamente neste "Abolição") consegue salvar "Abolição", destinado apenas a exibições paralelas. Aliás, o simpático Zózimo, assumidamente optou por esta colocação não comercial de seu filme, não abrindo mão da redução da metrgem, compactando depoimentos - o que tornaria-o um média metragem atraente. Apesar desta dificuldade, acabou merecendo um prêmio especial de pesquisa, proposto pela cineasta Tetê de Moraes, realizadora de "Terra Para Rose" e que integrou o juri de longa-metragem. xxx Eunice Gutman é uma das mais ativas cineastas brasileiras. Idealizadora do Coletivo de Mulheres do cinema, com uma posição feminista, vem construindo sólida obra de documentarista - a partir do premiado "A Rocinha Tem Histórias", já levado a vários festivais internacionais. Incansável, mesmo lutando com dificuldades financeiras, enquanto prepara-se para iniciar a batalha de seu primeiro longa, não fica parada. Assim, seu novo filme é o média metragem "Mulher: Uma Outra História", sobre a presença da mulher na Constituinte. Produzido em colaboração com Kate Lyra e Inês Magalhães, tendo roteiro desenvolvido com Eliana Dutra, ao longo de 35 minutos, capta momentos importantes da ação da mulher nos últimos meses, com entrevistas dinâmicas (ao contrário do que acontece em "Abolição"), inclusive com a deputada Benedita da Silva, do PT-Rio de Janeiro. Mesmo sem ter obtido nenhuma premiação, "Mulheres, Uma Outra História" teve boa recepção e deverá ter exibições múltiplas, especialmente junto a movimentos feministas. Aliás, pela seriedade da obra de Eunice, está na hora do Chico Alves, da Cinemateca, organizar uma mostra retrospectiva de seus filmes - com apoio das entidades feministas da cidade. Vereadora e feminista Marlene Zanim bem que poderia cuidar disto, tão logo retorne de sua nova viagem a Europa e Estados Unidos, para onde embarca no dia seguinte das eleições. LEGENDA FOTO 1 - Nas filmagens de "Mulheres, uma outra história": o assistente de produção Franco e a diretora Eunice Gutman, gravam a entrevista da deputada Benedita da Silva. (Foto Inês Magalhães). LEGENDA FOTO 2 - Dona Dita, 106 anos, da comunidade de Cafundó, São Paulo: um dos depoimentos em "Abolição", documentário sobre a situação do negro no Brasil.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
10/11/1988

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