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Aramis

Os tempos dos talentos infantis sem marketing

Uma das lições que se pode tirar da IV Gala de Pequenos Cantores - realizada no domingo à tarde, no Teatro Guaíra - é a falta que faz um espaço regular para as crianças desenvolverem seus talentos artísticos frente ao público. Das onze crianças que participaram, poucas foram as que não revelaram timidez e nervosismo, perfeitamente natural tratando-se de eliminatória que escolheria a representante do Brasil em Figueira de Foz, Portugal, com direito a acompanhante e todas as despesas pagas. Há dois anos, foi a paulista Patrícia quem venceu - e para isto contou a sua experiência de palco e público, já que integrava o grupo O Trem da Alegria, com dois discos gravados pela RCA. No ano passado, o vencedor foi uma revelação em termos de espontaneidade: Thiago Luz, 7 anos, charmoso garoto loiro, cabelos encaracolados, de extrema musicalidade - e uma imagem lembrando O Pequeno Príncipe, foi o grande vencedor em Portugal. De volta ao Brasil, chegou a ser contatado pelos empresários do grupo Trem da Alegria, para integrar o grupo musical infantil, mas devido ao fato de residir em Curitiba, não pode desenvolver um trabalho profissional. Entretanto, pelo seu charme, desinibição e talento musical, tem sido requisitado para alguns comerciais de televisão, enquanto prossegue seus estudos musicais, estudando piano. xxx Nos anos 40 e 50, programas de palco-auditório nas grandes rádios do Brasil tinham justamente nas crianças uma grande atração. Dos garotos e meninas que passaram por programas deste gênero surgiram talentos que viriam a se profissionalizar e basta lembrar dois exemplos: foi no Clube do Guri, na Rádio Farroupilha, de Porto Alegre, que a menina Elis Regina Carvalho da Costa (Porto Alegre, 17/03/1945 - São Paulo, 19/01/1982) ganhou seus primeiros cachês. No Rio de Janeiro, também no Clube do Guri, com dez anos de idade, Claudete (Colbert) Soares, em 1947, também fazia suas primeiras apresentações. Duas vozes maravilhosas, ambas infelizmente hoje distantes: Elis Regina, morta tragicamente há cinco anos; Claudete, esquecida pelas gravadoras e há anos ausente da vida artística. xxx Em Curitiba, três programas de palco-auditório apresentavam uma salutar concorrência entre as crianças dos anos 50. Aluísio Finzetto (1914-1976), o grande pioneiro do rádio e televisão no Paraná, na antiga Rádio Guairacá, "A Voz Nativa da Terra dos Pinheirais", apresentava o "Clube Mirim M-5", que marcou época em nossa radiofonia. Por ali passaram crianças - hoje senhoras e senhores na faixa dos 40/50 anos - que mostravam seus talentos de cantores e mesmo instrumentistas, como Braulio Prado (hoje advogado, afastado da música), o inesquecível Mauri Furtado (1941-1964), que com sua voz aguda lembrava Vicente Celestino - e depois faria carreira como jornalista e poeta, ou a cantora Shirley Teresinha dos Santos (onde andarás?). Para os adolescentes, vindos do Clube Mirim M-5, Aluísio criou o "Clube Juvenil M-5", no qual - também aos domingos - revelaram-se talentos de oratória, como José Augusto Ribeiro, hoje aos 49 anos, jornalista de prestígio nacional, anchor-man da Rede Bandeirantes - e que foi, por anos, editorialista de O Estado do Paraná. Como locutor-assistente da equipe de Aluísio - que tinha como animador de auditório o então estudante de engenharia Abílio Ribeiro (posteriormente, político da maior felpudez), apareceu o jovem paraibano Edilberto Coutinho, hoje escritor de renome internacional, jornalista com experiência nas maiores publicações do país, crítico e ensaísta literário e que viu seu "Maracanã, Adeus" premiado pela Casa das Américas, de Cuba, editado em vários idiomas e agora sendo levado ao cinema por Braz Chediack. xxx Enquanto Aluísio Finzetto comandava seus Clubes Mirins e Juvenil M-5, no velho auditório da Guairacá, na Rua Barão do Rio Branco (num sobrado ainda hoje existente, mas agora loja Hermes Macedo), poucos metros adiante, na Rádio Clube Paranaense, também aos domingos, era Souza Moreno quem tinha o seu programa jovens talentos, o Cineac Rádio, de que, nos primórdios da televisão no Paraná, tentou inclusive levar ao vídeo, infelizmente já sem a mesma garra. Na Marumby, que foi a terceira emissora de importância no Paraná, instalada por Tobias de Macedo Júnior e o pioneiro Arno Feliciano de Castilho, um jovem locutor, Ubiratam Lustosa - (há 20 anos diretor-geral da Rádio Clube Paranaense) também apresentava um programa de crianças talentosas. E ali, entre tantos cujos nomes o tempo levou, estava Lapis (Palmilor Rodrigues Ferreira, 1943-1978), que foi, de todos os compositores e intérpretes paranaenses o que mais perseguiu uma carreira profissional, infelizmente sem alcançar o sucesso que merecia. xxx Na história do rádio e da música no Paraná os programas de auditório, especialmente os que se abriam para as crianças, tiveram sua importância - num resgate necessário de ser feito (assim como a própria história do rádio e da televisão), para que não se percam detalhes, nomes e mesmo datas que o passar do tempo faz se apagar na lembrança dos contemporâneos - tantos já falecidos. A própria mudança no comportamento, do lazer, do entretenimento, a chegada da televisão com o impacto de novos esquemas e uma transformação cultural fez com que os programas que se voltavam ao universo infantil fossem radicalmente modificados. Pouco a pouco desapareceram das programações - assim como as audições de palco-auditório, substituídas pela frieza das montagens radiofônicas, mesmo antes da tirania musical da era da FM que hoje vivemos. Os clubes Papai Noel, da Criança, Mirim M-5, Cineac-Rádio e tantos outros ficaram no passado - e os talentos daquela época seguiram outros caminhos, poucos permanecendo na vida artística. Mas o espaço para o imaginário e a fantasia infantil existe - e prova disto é a extraordinária mídia que a televisão consegue com programas na linha do Balão Mágico, Xuxa, palhaço Fonfom e tantos outros ídolos da petizada - mas que pela própria instantaneidade da televisão, ascendem e são descartados com incrível rapidez. Com um potencial econômico notável - haja vista o merchandising que se faz nas audições matinais e vespertinas de programas infantis, com disco atingindo vendagens extraordinárias tem que se ver neste segmento suas diversas matizes de comportamento e aproveitamento. Há cinco anos, Dom Muõz, ex-presidente da CBS, sentiu as potencialidades da Turma do Balão Mágico e fez o grupo vender mais discos do que todos os artistas daquela multinacional - exceto o rei Roberto Carlos. No ano passado, seria uma ex-modelo, mais famosa por ter sido namorada de outro rei, o Pelé - a loira Xuxa Meneghel, gaúcha de Santa Rosa, que acabaria sendo a "cantora" (sic) de maior êxito, conseguindo ver o seu elepê feito na Sigla ultrapassar os índices de Roberto Carlos, com mais de dois milhões de cópias vendidas. xxx A musicalidade das crianças é um fato a merecer pesquisas, interpretações e cuidados mais amplos - tema para toda uma discussão específica, haja vista a crise no ensino. O fundamental é que esta geração nascida no final dos anos 70 para cá tem ainda um maior potencial musical do que as anteriores - mas não pode ficar subordinada às imposições mercadológicas, à mediocridade do rock-empulhação que é feito, num processo cultural fascistoide em sua ganância de lucros. Esforços como de Marilia Bernardes, ao abrir espaços para que haja lugar para as crianças que cantam, tocam instrumentos e podem desenvolver outras habilidades, não podem ser restritas a uma edição anual da Gala dos Pequenos Cantores. Eis aí um projeto para ser discutido e estudado pelos nossos homens do ensino, do lazer e da cultura!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
27/05/1987

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